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A formação de políticas no caso brasileiro

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CAPÍTULO III. A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UM CAMPO INCIPIENTE

CAPÍTULO IV AS LEITURAS ELITISTAS E PLURALISTAS NOS ESTUDOS BRASILEIROS

4.1. As Leituras Elitistas: o Estado e a Agricultura

4.1.2 A ênfase no poder: caráter dos regimes, setores e confrontos intraburocráticos

4.1.2.1 A formação de políticas no caso brasileiro

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À exceção dos setores não-mobilizados, todos os outros setores e o regime intercambiam recursos econômicos, políticos e sociais, objetivando melhorar as respectivas posições. No processo, o regime seria pressionado de todos os lados. Embora dê prioridade à consecução de seus próprios objetivos, os recursos ao seu dispor não são ilimitados. Assim, para ampliar sua base de recursos, seria levado a intercambiar com os setores, tendo que, por sua vez, alocar recursos nesse intercâmbio. Esse intercâmbio se faz, pelo geral, com os setores com os quais existe maior coincidência de objetivos e de demandas; isto é, com os setores que compõem a combinação central e a tendência ideológica. Esses setores concordariam com maior facilidade com a alocação de recursos estabelecida, isto é, com as políticas do regime (Mueller, C. 1984: 6).

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Nele – como se comentou oportunamente – as políticas públicas que surgem da interação entre regimes e setores manifestam-se num contexto estatal elitista do tipo “corte”, onde as regras são conhecidas por poucos, sendo estabelecidas e alteradas com base em critérios nem sempre claramente definidos (Mueller, C. 1982: 98/9).

A partir desse modelo analítico, a leitura procura explicar o formação de políticas no caso brasileiro. Inicialmente, ela considera que o regime pós-64, no afã de alcançar seus objetivos oficiais – isto é, a construção de um Brasil “moderno”, “industrializado” e “internacionalmente respeitado” – passou a interagir com diferentes setores, e nessa interação se formaria a “concepção de boa sociedade” subjacente ao processo de formação de políticas (Mueller, C. 1982: 109-110).

A posição relativa dos setores configurou um tipo de alinhamento setorial no qual se destacaria o papel da combinação central, conformada por facções militares, grupos industriais e financeiros nacionais e multinacionais, tecnocratas e burocratas governamentais de alto nível, executivos e dirigentes de empresas e organizações autárquicas do governo, interesses comerciais e, um pouco à margem dessa aliança, grandes agricultores e latifundiários. Uma peculiaridade ressaltada seria o papel que certos elementos do governo – ministros fortes, alguns técnicos e burocratas de alto nível, dirigentes de certas autarquias e empresas públicas – assumiram, isoladamente ou em grupos, como partes dos setores da combinação central8. Com o modelo do governo de políticas da corte vigente no Brasil, os tecnocratas e burocratas de alto nível freqüentemente participaram como setores do processo de formação de políticas, procurando melhorar suas posições, ao defenderem a adoção das políticas de sua preferência (Mueller, C. 1982: 110).

O apoio ao regime, pelos setores da combinação central, teria sido mais intenso no período do milagre (1969-73). Com as medidas adotadas no início dos anos 80, surgiram descontentamentos, tornando a aliança setorial menos monolítica do que antes. Contudo, como a posição da maioria desses setores dependia fortemente da sobrevivência do regime, somente em casos extremos teria se levantado a possibilidade de quebrar a aliança (Mueller, C. 1982: 110-111).

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Segundo Muller, C., poderia parecer estranha a inclusão da tecnoburocracia governamental de alto nível como setor da combinação central. Regra geral, os técnicos e os burocratas de alto nível são encarados como meras peças da máquina governamental, respondendo aos comandos dos que as conduzem, ou então como representantes de grupos poderosos, atuando em seu nome no âmbito do governo. Essa perspectiva seria muito simplista. De fato, burocratas e tecnocratas de alto nível podem estar associados com os pontos de vista e os objetivos de grupos poderosos, mas continuam desempenhando suas funções na máquina governamental. Entretanto, em sociedades nas quais prevalece o modelo de políticas da corte, eles também, de forma semelhante às eminências pardas das cortes reais, teriam considerável amplitude de ação e possuiriam concepções, às vezes muito fortes e nítidas, sobre o caminho que o regime deve seguir para atingir sua visão de boa sociedade (Mueller, C. 1984: 9-10)

A tendência ideológica incluía seções da classe média urbana (parcelas de grupos profissionais, de funcionários públicos, de rentieurs e de pequenos empresários) e, talvez, os agricultores médios, em partes do país. Embora com fraca posição no processo de formação de políticas, partilhariam a visão de boa sociedade do regime e se beneficiariam de algumas das políticas adotadas, estendendo-lhe um apoio relutante e morno (Mueller, C. 1982: 111).

Embora o grupo de estabilidade fosse substancial, não seria fácil identificar e rotular os setores que o comporiam, devido à natureza autoritária do regime. Além da mistura heterogênea dos partidos de oposição, incluiria também boa parte dos trabalhadores sindicalizados e grupos dos intelectuais, de profissionais, de funcionários públicos, dos estudantes e mesmo dos militares. A capacidade de influenciar o regime seria bastante reduzida, mas não ausente (Mueller, C. 1982: 111).

Composto por setores radicais extremos, o grupo de extra-estabilidade, devido ao recurso da coerção que foi aplicado com bastante vigor contra alguns de seus componentes, se encontraria, em finais dos anos 70, em posição extremamente fraca (Mueller, C. 1982: 111).

O grupo dos setores não-mobilizados englobaria uma parcela apreciável da população. Este incluía a maioria dos agricultores de subsistência e dos trabalhadores rurais, dos trabalhadores do setor informal de serviços e de trabalhadores não-qualificados, isto é, a massa de pobres do país. Antes de 1964, fizeram-se esforços para introduzir alguns desses setores nos grupos de estabilidade, porém essas tentativas foram revertidas após o golpe. Assim, não só seria praticamente nula a sua influência sobre o regime, como também foram eles os mais discriminados pelas estratégias de crescimento de viés urbano-industrial. A esse grupo estava relegada aquela enorme parcela da população que não pôde participar dos produtos da boa sociedade que o regime e alguns setores criaram (Mueller, C. 1982: 112).

O alinhamento setorial do Brasil não teria sido sempre o descrito até aqui. As maiores mudanças se verificariam na composição da combinação central e na influência relativa que setores nela possuíam. Até as vésperas da Grande Depressão, predominavam na combinação central setores agrários, especialmente os ligados à produção e à exportação de café. Quando da entrada em crise da economia cafeeira, uma série de políticas, concebidas para ajudar o país a fazer face aos deslocamentos causados pela superprodução, pela depressão e, depois, pela Segunda Guerra e por outras dificuldades no setor externo da economia, conduziram a

um processo de industrialização por substituição de importações. No início da década de 50, a substituição de importações tornou-se o principal elemento de uma estratégia de desenvolvimento que fez da indústria o setor dinâmico da economia brasileira. Essa evolução produziu consideráveis mudanças no alinhamento setorial da combinação central. Os setores cafeeiros e outros setores rurais teriam perdido a sua posição relativa na combinação central, ascendendo os setores associados ao processo de industrialização (grupos industriais privados nacionais e estrangeiros, grupos financeiros e executivos de empresas estatais). Sendo que, depois do confronto de 1964, passaram a um primeiro plano grupos militares e os tecnoburocratas de alto nível – tendo permanecido na combinação central setores rurais influentes vinculados à agricultura comercial e a parcelas de interesses agrários oligárquicos tradicionalistas (Mueller, C. 1982: 112/3).

Nos outros grupos, a maior alteração foi o surgimento de setores de trabalhadores. Foi importante o impulso dado por Getúlio Vargas, ao criar condições para que os trabalhadores urbanos viessem a se constituir em setores. A colocação dos setores de trabalhadores teria mudado, ao longo das décadas. Eles já participaram da tendência ideológica, e foram feitas tentativas de trazê-los à combinação central. Nos anos 80, setores de trabalhadores urbanos conformariam o grupo de estabilidade, com participações ocasionais (ou ameaça de participação) de alguns no grupo de extra-estabilidade (Mueller, C. 1982: 113/4).

Exceto no interlúdio 1962-64, os trabalhadores rurais teriam permanecido entre os setores não mobilizados. Existiria porém a possibilidade de mobilização numa de suas parcelas (em particular, os bóias-frias) para outros grupos setoriais (Mueller, C. 1982: 114).

Outra conseqüência das transformações econômicas promovidas desde o período Vargas, e particularmente, desde os anos 50, foi a evolução de uma classe média urbana numericamente importante. Tendo, contudo, sua participação política permanecido apagada, principalmente após 1964. Ela tenderia a constituir setores que fazem parte da tendência ideológica ou do grupo de estabilidade (Mueller, C. 1982: 114).

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