CAPÍTULO II. REDES E OUTROS ENFOQUES, TEORIAS E MODELOS NO ESTUDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
2.2. As Redes e o Estudo das Políticas Públicas
2.2.3. Os estudos britânicos de redes de política no marco do pluralismo reformado
2.2.3.12. A compreensão das interações
No conjunto de tipologias de redes, a compreensão do modo de interação entre os atores coletivos – e, em alguns casos, individuais – é decisiva para analisar o funcionamento de uma rede de política. As explicações tendem a privilegiar a lógica do interesse, os valores compartilhados e o processo de institucionalização.
Assim, para Marsh e Rhodes (1992), a interação é explicada pela lógica do interesse, já que seria resultado da existência de recursos independentes distribuídos entre os atores da rede. Para Jordan (1990), a existência de um interesse comum é o elemento que caracteriza uma rede de política. E para Waarden (1992), na mesma linha, a presença de uma rede de
interação estabilizada reduz os custos de transação entre os atores, reforçando a comunidade de interesse entre os participantes.
Porém, a lógica de interesse, por si só, apresenta-se insuficiente para explicar as interações. A noção de rede implica numa estabilidade e intercâmbio, apesar de os interesses dos participantes poderem vir a modificar-se rapidamente. Dessa forma, alguns autores (como Jordan, 1990) têm ressaltado a importância dos valores comuns na estabilização das interações. No caso de Jordan, essa consideração está na base da distinção entre as redes de política que repousam sobre os interesses comuns, e as comunidades da política pública fundadas na presença de valores comuns.
Também Haas (1992), através da noção “comunidades epistêmicas”, ressalta a importância dos valores comuns na interdependência entre os atores. Para ele, a existência de uma rede apresentaria quatro traços característicos:
• uma série de crenças normativas partilhadas, induzindo a uma mesma lógica de ação, fundada sobre os valores de cada um dos membros de rede;
• crenças causais compartilhadas, decorrentes de suas análises das práticas e que formam a base para a elucidação dos laços múltiplos entre suas ações e as metas perseguidas;
• as noções partilhadas que validam as práticas, isto é, os critérios definidos entre os membros para avaliar e pesar a expertise em seu domínio;
• um modo operativo comum, isto é, as práticas comuns (Haas, 1992:3).
Nesses casos, os atores da rede falam a mesma língua, compreendem-se mutuamente e conhecem a lógica de ação de cada um. A estabilidade da interação é mais bem assegurada, predominando estratégias cooperativas sobre um jogo de soma positiva. A intensidade da interação favorece uma socialização compartilhada, que reforça a comunidade de valores (Hassenteufel, 1995:98/99)
Mas a existência tanto de interesses como de valores compartilhados não seria suficiente para estabilizar uma interação entre os atores coletivos. Pizzorno (1978), através da noção de “intercâmbio político”, nos remete a um tipo de intercâmbio fundado no consenso ou na ordem social, como sendo o que permite que os atores coletivos que se articulam tenham a
responsabilidade de garantir a estabilidade no médio e no longo prazo (Pizzorno,1978:279). Os recursos que o Estado oferece nesse intercâmbio – institucionalização, concessão de monopólios de representação, acesso privilegiado às decisões, subvenções, capacidade de conformar expertises, etc. – tendem a promover o desenvolvimento organizacional dos atores com os quais ele interatua. Essa consolidação tem por objetivo incrementar a capacidade desses grupos, para que eles possam desempenhar um papel significativo na regulação social (Hassenteufel, 1995:99).
Ou seja, a existência do intercâmbio político permite explicar a interdependência entre os atores estatais e não-estatais. Para os atores estatais, o intercâmbio político lhes permite incrementar a sua capacidade da ação. Organizado, fortemente representativo e dispondo de meios de ação importantes, um ator estatal tem mais facilidades na implementação de uma decisão pública e na sua legitimação ante os demais atores implicados (Hassenteufel, 1995:99). Por sua vez, a consolidação institucional de certos grupos de representação e sua participação no início da implementação de uma decisão pública, no quadro de um intercâmbio político com o Estado, reforça a capacidade da ação pública. Assim o intercâmbio é nesse caso um jogo de soma positiva, já que o Estado acrescenta a eficácia das suas decisões e o grupo implicado se reforça (Hassenteufel, 1995:99).
Ao mesmo tempo, a noção de intercâmbio político aponta para a importância de conhecer as características organizacionais dos atores na compreensão da estabilidade de interações no seio de uma rede de política pública. O conhecimento da estruturação interna e dos recursos dos atores coletivos organizados permite compreender as estratégias e, através delas, o seu modo de inserção na rede (Hassenteufel, 1995:100).
Paralelamente, a articulação da análise entre a dimensão intra e interorganizacional permite compreender a estruturação da rede de política pública. Esses estudos ressaltam a importância central do processo de institucionalização, como o traço que distinguiria a noção de rede de política da noção genérica de rede utilizada comumente nas ciências sociais e caracterizada por sua informalidade. As contribuições do enfoque neoinstitucional (March e Olsen, 1984 e 1989; Di Maggio e Powell, 1983) na análise desses processos permite levar em conta as lógicas de ação resultantes da institucionalização dos atores coletivos e da própria interação. A institucionalização tem por corolário uma série de regras e de constrangimentos para os atores implicados, criando também uma experiência coletiva compartilhada que
reforça a estabilidade da própria interação e a sua perpetuação. Tanto Heclo (1974) para as políticas sociais no Reino Unido e na Suécia, quanto Hall (1986) para as políticas industriais na França e no Reino Unido têm demonstrado que as regras institucionais, os modos operativos que derivam das instituições e as representações das quais elas são portadores estruturam as interações entre os atores de uma política pública (Hassenteufel, 1995:100)