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O Pluralismo Clássico

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CAPÍTULO I. AS ABORDAGENS PLURALISTA E ELITISTA E O ESTUDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

1.1 A Abordagem Pluralista

1.1.1. O Pluralismo Clássico

O pluralismo clássico, representado por autores como Dahl, Truman e Polsby, e que foi dominante sobretudo nos anos 50 e 60, considera que os indivíduos, com suas preferências e valores, são as unidades constitutivas das organizações e da sociedade: as interações e intercâmbios entre os indivíduos constituem todas as diversas entidades sociais da sociedade moderna. Assim, os diversos tipos de organizações (por exemplo, associações voluntárias, grupos de pressão, agências do Estado, partidos, empresas) representam agregados de indivíduos, respondem a suas preferências e subsistem enquanto mantenham um apoio suficiente dos mesmos. As múltiplas relações entre grupos e organizações geram – normalmente – um consenso social através da comunicação das preferências e valores, da formação da opinião pública e das ações responsáveis dos seus líderes. Por sua vez, a sociedade é visualizada como um conjunto de papéis e atividades individuais, interdependentes e diferenciados. Ou, de forma mais geral, como um agregado de indivíduos relacionados pelo mercado, o qual tem socializado os valores culturais. O mercado é enfocado como local de confrontação das preferências e valores (Alford e Friedland, 1991: 45).

Com relação ao Estado, o tipo de questões ressaltadas pela abordagem pluralista seria, por exemplo: como são influenciadas as decisões governamentais pelos grupos sociais; quais são as conseqüências da participação para a estabilidade das normas e dos valores democráticos; como se constituem as instituições políticas a partir de papéis e valores múltiplos; quais são as conseqüências do “discenso” ou da falta de confiança na eficácia das instituições políticas; como socializar os indivíduos nos valores democráticos (Alford e Friedland, 1991: 46).

Entre as características principais do pluralismo está sua ênfase na diversidade, na diferença. A complexidade do mundo contemporâneo supõe que nenhum grupo, classe ou organização possa ter o domínio da sociedade. Neste contexto, enfatiza-se a separação entre o Estado, o mercado e a sociedade civil; a diferença entre o poder político e poder econômico e a diversidade dos interesses que se afirmam em áreas políticas diferentes. O poder está

disperso e é não-acumulável; conseqüentemente, o papel do Estado é mais o de regulador dos conflitos que o de dominador do mercado ou da sociedade em função de interesses particulares (Smith M., 1997: 218).

1.1.1.1. Os supostos sobre o Estado

Em geral, do ponto de vista da abordagem pluralista, não se fala do Estado. Há uma rejeição – sobre bases políticas e teóricas – às idéias de estrutura monolítica, hierarquização e centralização associadas à noção clássica de Estado e que pressupõem que a organização que governa a sociedade tenha um forte caráter autoritário e uma ampla abrangência política, econômica, social e ideológica. Assim os autores que participam dessa abordagem falam de sistema político (Easton, 1967); comunidade política (De Grazia, 1948); sociedade organizada (Long, 1962); ou sistema pluralista (Mc Farland, 1969). Em geral, os pluralistas preferem falar explicitamente de governo mais que de Estado (Alford e Friedland, 1991: 49).

Porém, seja de forma explícita ou implícita, a abordagem pluralista assume uma série de supostos sobre o Estado: que ele está integrado por valores; que é uma instituição escolhida pelos indivíduos; e que é funcional para a sociedade. A questão sobre quais são os valores mais coerentes com a ordem social e com a estabilidade governamental faz parte, dentro do pluralismo, de um debate constante entre posturas liberais e conservadoras. Por um lado, os liberais enfatizam a importância da escolha individual, do direito à participação, da necessidade de que a ação governamental garanta a igualdade de oportunidades e de que as decisões do governo representem a todos os grupos de interesse. Por outro lado, os conservadores ressaltam a necessidade de minimizar a “sobrecarga da demanda”5, a fim de aliviar a responsabilidade de tomadas de decisão atribuídas às lideranças políticas, mantendo as demandas, a todo momento, dentro dos limites do consenso. Por trás desse debate, está um dos pressupostos centrais da abordagem pluralista: os valores como fonte de integração do Estado e da sociedade. A coerência dos valores de diferentes instituições e uma cultura política democrática promoveriam a estabilidade6 (Alford e Friedland, 191: 49).

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Através da noção de “sobrecarga da demanda”, aponta-se para contextos, onde a existência de um número excessivo de grupos requerendo demasiados assuntos do Estado, gera uma sobrecarga do sistema político que leva à ingovernabilidade do país (Smith, M., 1997:227).

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Ainda que os valores sejam centrais em sua abordagem, os pluralistas tendem a não explicar as suas origens e variações históricas, e sim a utilizá-los para dar conta de outros fenômenos. Da mesma forma que a economia clássica considera que as preferências de consumidores e produtores são variáveis exógenas que não têm que ser necessariamente explicadas, para os analistas pluralistas do Estado democrático os valores dos votantes são um referente irredutível na explicação da ação política (Alford e Friedland, 1991: 50).

Um segundo suposto ressalta que, da mesma forma que as demais organizações e a própria sociedade, o Estado é construído a partir de indivíduos que escolhem acreditar que existem regras, normas e valores aos quais têm que se adequar, ou são persuadidos a atuar como se eles existissem e fosse necessário acreditar neles. A lei é considerada como escolha dos indivíduos, e o Estado é um agente cujo papel fundamental é fazer cumprir as leis: ele é necessário por causa dos conflitos entre os interesses individuais. Uma das imposições principais é a proteção do direito individual de fazer coisas. Porém, com freqüência se atribui aos próprios Estados a capacidade de escolher, de atuar, de decidir e ainda de dizer, como se fossem, eles mesmos, indivíduos (Alford e Friedland, 1991: 50).

Um terceiro suposto é que o Estado é funcional para a sociedade. Isto é, na perspectiva pluralista a principal função do Estado é servir como mecanismo neutral para agregar preferências e integrar a sociedade mediante a corporificação dos valores consensuais. O Estado é visto como provedor de bens coletivos, ao mesmo tempo em que é uma unidade de decisão que faz o que a sociedade escolhe. Ou seja, quando o Estado funciona adequadamente, gerando um processo político normal, os seus interesses e os da sociedade são idênticos (Alford e Friedland, 1991:51).

1.1.1.2. O Estado como instituição de “não-mercado” e como local de conflitos

A noção implícita de Estado – e, em sentido estrito, a de governo – remete à distinção entre instituições de mercado e de “não-mercado”. Nas posições extremas de economistas como Arrow, o governo é só uma das instituições coletivas a mais, que se distingue das outras basicamente pelo monopólio do poder coercitivo (Arrow, 1974: 25)7. Para ele, quando o mercado não consegue um nível ótimo, a sociedade reconhece a falha e aparecem instituições coletivas de não-mercado tratando de superá-la. Neste caso, o Estado – ou o governo – como instituição de não-mercado, realiza a função que a sociedade necessita. Quando as ações privadas não bastam, as necessidades sociais gerais (isto é, o interesse público, o equilíbrio ótimo) são satisfeitas pela via das ações públicas (Alford e Friedland, 1991: 51-52).

A partir de posições não tão extremas, o Estado é visualizado em função de instituições político-burocráticas desenvolvidas. Isto é, como um conjunto de instituições tais como o

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Williamson (1981) é outro dos economistas que, na mesma linha, considera o Estado como mais uma das organizações de não-mercado.

Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o funcionalismo público, que são diferentes da sociedade civil. Assim se enfatiza a complexidade do Estado e a sua separação da sociedade civil. Por meio de mecanismos como as eleições ou a atuação dos grupos de pressão, o governo reflete as demandas da sociedade e se encontra constrangido pelo poder compensador da sociedade civil e de outras organizações. Seguindo a Dahl (1967), os pluralistas reafirmam a existência de centros de poder múltiplos, nenhum dos quais plenamente soberano (Smith M., 1997: 219).

As instituições que conformam o Estado estão num processo de mútuo constrangimento. Não só o Legislativo e o Judiciário estabelecem limites ao Executivo, mas, dentro do próprio Executivo, os ministérios se constrangem mutuamente, através do que foi denominado por Wilson (1977) – tendo como referência o Reino Unido – de “pluralismo Whiteball”8. Segundo Wilson, ainda que um departamento desenvolva uma relação muito estreita com um grupo de pressão (como, por exemplo, a relação entre o Ministério de Agricultura e a National Farmer’s Union, no Reino Unido), o fato de que a política agrícola se discuta também no Gabinete e nos comitês do Gabinete permite que outros interesses (agrícolas e, sobretudo, não-agrícolas) sejam contemplados (Wilson, 1977: 45).

Assim, os pluralistas consideram o Estado como um local de conflito entre ministérios, secretarias e outros órgãos governamentais que representam um leque muito diverso de interesses9. Este conflito permanente promove a dispersão da autoridade, a qual, por sua vez, garante que nenhum interesse por si só possa dominar o Estado (Smith, M., 1997: 219).

1.1.1.3. Consenso, participação e poder

Apesar de reconhecer que o conflito entre os grupos é endêmico na democracia liberal, serão poucas as vezes em que se considera que tal conflito ameace a estabilidade política. O sistema, no seu conjunto, se mantém por um consenso que define os limites das ações

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Em referência à rua de Londres onde se encontra a maior parte dos ministérios do governo.

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Entre as diferentes análises que, como no caso do “pluralismo Whitehall”, visualizam o Estado como um espaço de conflito enfatizando a competição entre órgãos governamentais, se poderia mencionar o modelo de “políticas da corte” (Rose, 1973). Segundo esse modelo, o Estado, mesmo em regimes autocráticos, raramente é uma entidade monolítica, unitária. Ele compreende uma coleção de instituições e organizações, em cujo âmbito se efetiva o confronto entre grupos. Nas sociedades em que o confronto intragovernamental predomina, estariam dadas as condições para a conformação de “políticas da corte”. Nessas sociedades, as políticas públicas se conformam a partir da interação entre grupos (“setores”) num contexto onde não existem regras claras fixadas institucionalmente, mas sim no âmago do Estado, isto é, da “corte”.

políticas e os marcos dos resultados que as políticas produzem (Smith, M., 1997: 221). Porém, na democracia liberal, o consenso apresenta tensões em relação a outro princípio fundamental do pluralismo: o direito de participação. As tensões se manifestam de muitas formas: institucionalização versus participação; interesse público versus preferências privadas; poder versus responsividade; escolha social versus valores individuais.

Dentre essas formas, e como resultado mais problemático da modernização, os pluralistas ressaltam as tensões provocadas pela tendência da participação política crescer mais rápido do que a institucionalização política. Quando as expectativas surgem com maior rapidez que as oportunidades apresentadas pelo desenvolvimento econômico, os grupos sociais recentemente mobilizados se orientam para a participação política. Onde a institucionalização política é forte, a participação política regulariza as relações intergrupais, cria novas bases de interesse e identidade comuns e proporciona novas oportunidades para a mobilidade individual. Porém, onde a institucionalização política é débil, é difícil que as demandas dos grupos recentemente mobilizados sejam agregadas através de canais legítimos. Como um círculo vicioso, isto leva ao enfraquecimento das organizações e dos procedimentos políticos fragilmente estabelecidos (Huntington, 1968: 54-56). Ainda nos casos onde a institucionalização política é forte, a tensão entre consenso e participação permanece pelo risco – já comentado – de “sobrecarga de demandas” (Alford e Friedland, 1991: 59).

A importância do consenso para a abordagem pluralista é tal, que sustenta sua concepção de poder. “Poder” seria a capacidade que tem um ator de fazer alguma coisa que influencie em outro, de tal forma que modifique o modelo provável de acontecimentos estabelecidos para o futuro (Polsby, 1963: 5). Ou, nos termos de Dahl, A tem poder sobre B quando consegue que B faça algo que, se não fosse por esse poder, B não faria (Dahl, 1957: 202-203). Os pluralistas consideram que seria possível determinar empiricamente quem tem o poder. Para isso, analisam quem está implicado e quem predomina no processo de tomada de decisões (Smith, 1994: 145). A metodologia empregada estabelece que se observe a conduta real, ou se reconstrua a partir de documentos ou testemunhas, visando também determinar se o mesmo grupo de atores influencia uma ou mais áreas (Polsby, 1963: 4)10.

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A metodologia centra-se em quem faz o quê e em quem consegue seus objetivos. Para além das críticas – que serão apresentadas posteriormente – a metodologia apresenta vantagens como o fato de não considerar pressupostos sobre distribuição do poder. A descrição da distribuição do poder resultante revela informações importantes sobre a fragmentação do sistema de governo e da sociedade contemporânea (Smith M., 1997: 222).

1.1.1.4. O processo de formulação de políticas e os grupos de interesse

O pluralismo pensa o processo de formulação de política em termos da influência dos interesses privados nas decisões públicas. Os interesses privados são analisados principalmente a partir da “teoria dos grupos de interesse”, que remonta a autores como Truman (1951) e Bentley (1967).

As políticas são o resultado da interação de diversos grupos sociais. O processo de formulação de políticas dentro do Estado constitui uma tentativa de mediação entre interesses opostos. A política é um processo de negociação constante que garante que os conflitos se resolvam pacificamente (Dahl, 1967: 24). O processo de elaboração, freqüentemente, é em si mesmo um contínuo conflito e intercâmbio entre diferentes grupos, onde o governo seria um grupo a mais (Smith, M., 1997: 219-220).

Na visão clássica, os grupos são vistos como entidades homogêneas que cumprem a função de “articular” demandas frente aos partidos políticos; os partidos, por sua vez, “somam” essas demandas. Em teoria, os grupos complementam os partidos como um conjunto alternativo de organizações representativas que podem afetar as decisões públicas, mas sem atingir diretamente as posições dos tomadores de decisões de políticas. Porém, a pesquisa empírica sobre os grupos de interesse evidencia que estes não só fazem as funções de articulação, como também influenciam na vida dos partidos e participam na definição e execução das políticas públicas, sendo que os resultados destas negociações “tripartites” entre grupos de interesse, partidos e agentes do governo tomadores de decisões convertem-se em políticas públicas.

1.1.2. Limites do pluralismo clássico na análise da formulação e implementação de

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