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Arranjos neocorporativistas no processo de formulação de políticas setoriais no complexo tritícola

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CAPÍTULO III. A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UM CAMPO INCIPIENTE

CAPÍTULO IV AS LEITURAS ELITISTAS E PLURALISTAS NOS ESTUDOS BRASILEIROS

4.1. As Leituras Elitistas: o Estado e a Agricultura

4.1.3. A leitura corporativista da agricultura

4.1.3.3. Análises de casos da leitura brasileira sobre o corporativismo na agricultura

4.1.3.3.2. Arranjos neocorporativistas no processo de formulação de políticas setoriais no complexo tritícola

Segundo a leitura corporativista desse caso, as políticas setoriais para o complexo agroindustrial tritícola apresentariam evidências de acordos mesocorporativos no seu processo de formulação, em particular a partir do momento em que o Estado intensificou sua política intervencionista. Apesar de ter sido definida por um instrumento de força – isto é, um Decreto-Lei (o de número 120, de 1967), em plena vigência do regime autoritário – a política tritícola não poderia ser visualizada como uma imposição unilateral do Estado, mas como resultado de um intercâmbio que procurou conciliar interesses públicos e privados. Segundo essa leitura, essa política seria conseqüência de um processo iniciado nos anos 40, caracterizado por arranjos que procuravam atender interesses dos segmentos envolvidos no complexo e no próprio Estado. Isto é, arranjos que levaram em consideração os interesses conflituosos dos vários segmentos das diferentes atividades interligadas através da cadeia produtiva – atividades do segmento de produção, comercialização, industrialização e mercado final – e que contaram com a participação decisiva do Estado na mediação desses interesses e na soldagem entre seus segmentos (Ramalho Jr.; 1994 :43).

Olhando para a trajetória do complexo, a leitura identifica a ocorrência de movimentos “espontâneos” dos triticultores, no sentido de se organizarem, por um lado, através de cooperativas e associações na produção e na comercialização, e, por outro, por meio da

Federação dos Triticultores do Rio Grande do Sul (FEATRIGO) – tida como um órgão moderador entre o poder público e os produtores – buscando maior representatividade e poder de barganha. Porem, seria só com a ação do Estado que os produtores viriam a consolidar a organização da sua categoria. Por exemplo, a partir do Plano de Expansão da Triticultura Nacional (COTRIN) em 1957; com a criação da FECOTRIGO (Federação das Cooperativas de Trigo) em 1958; e, em 1962, quando o Banco do Brasil passou a ser o único comprador de trigo nacional, privilegiando as cooperativas nesse processo. Com essas medidas, a difusão e consolidação das cooperativas acelera-se ainda mais. (Ramalho Jr., 1994: 139).

É através das ações das cooperativas e da FECOTRIGO que essa leitura identifica o exercício da função de “status semipúblico” dessas instituições, na implementação da política tritícola. Existiria uma reciprocidade de interesses, ou conveniência mútua, no inter- relacionamento das cooperativas e a FECOTRIGO com o Estado. De um lado, ao Estado interessava um segmento produtivo sintonizado com o processo que estatizava a comercialização da produção nacional, no qual as cooperativas exerciam um papel fundamental. Do outro, aos produtores interessava a participação do Estado na comercialização, o que representava uma garantia de venda do produto, bem como a defesa da produção nacional em relação às importações (Ramalho Jr., 1994: 140).

Mas a reciprocidade de interesses iria além. Para os produtores, a legitimidade da FECOTRIGO como representante junto ao Estado significaria maiores possibilidades de penetração nas esferas decisórias, fazendo com que suas demandas e reivindicações fossem concretizadas. Do lado do Estado, particularmente após a implementação do Decreto-Lei 120, se poderiam identificar dois níveis de interesses. No nível geral, estaria o interesse de governo como um todo, relacionado ao objetivo do regime militar de regularização do abastecimento e da busca da auto-suficiência, fazendo do país um grande produtor de trigo. Em nível específico, se teria ainda os interesses das agências burocráticas e dos próprios funcionários. Isto é, ao Departamento do Trigo (DTRIG) e ao Departamento Geral de Comercialização do Trigo (CTRIN) interessaria uma convivência pacífica com o segmento produtivo/cooperativo, pois o seu apoio representava maiores possibilidades de manutenção do Decreto-Lei e de perpetuação daquelas instituições públicas e de seus funcionários, no processo decisório da política tritícola (Ramalho Jr., 1994: 141).

Esse jogo de interesses mútuos que levava à reciprocidade de apoio entre o segmento produtores/cooperativas e o Estado estaria presente já na segunda metade dos anos 50, estendendo-se até ao final dos anos 80. Sendo que essa reciprocidade de apoio teria sido um elemento de peso na manutenção da política tritícola, imposta pelo Decreto-Lei por mais duas décadas (Ramalho Jr., 1994: 142).

Por seu lado, no que se refere ao segmento industrial, o início da sua organização remontava a 1931, com a fundação do Sindicato dos Moageiros de Trigo do Rio Grande do Sul. Esse movimento teria nascido também “espontaneamente” dos industriais nacionais, pela necessidade de enfrentamento do truste internacional, corporificado principalmente pela Bunge&Born, que se instalou no país na década de 20. O truste era acusado de prejudicar a produção nacional em face do seu interesse pelo trigo importado, ao qual tinha acesso direto ao atuar como trading no mercado internacional. Logo, todas as pressões do segmento moageiro nacional sobre o Estado giraram em torno da criação de barreiras às importações (Ramalho Jr., 1994: 170).

Nos anos 50, ter-se-ia uma ampla penetração do segmento moageiro nacional nas instâncias decisórias do Estado22. O que ficaria demonstrado com a criação da Comissão Consultiva do Trigo (CCT) em 1951, quando o Sindicato dos Moageiros do Rio Grande do Sul foi chamado a participar formalmente da regulação de importações. A indústria moageira era também acusada de exercer forte influência sobre o Serviço de Extensão de Trigo, inclusive pela prática de cooptação e, mesmo, de corrupção de seus funcionários (Ramalho Jr., 1994: 171).

Seria no decorrer dos 80, com as tentativas de revogação do Decreto-Lei-120, que se sentiria a força política do segmento moageiro, tanto no Legislativo (por exemplo, através da defesa do decreto manifestada por vários deputados) quanto no Executivo (via CTRIN e DTRIG). Da mesma forma que no caso dos produtores, nesse período haveria um apoio recíproco entre instituições públicas e os moageiros, caracterizando uma relação de conveniência mútua de interesses. Às instituições públicas e seus funcionários interessava o apoio do segmento industrial, visando a sua própria perpetuação no escalão decisório do

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O Estado teria passado a privilegiar o segmento moageiro, devido aos seus interesses de governo, uma vez que a indústria moageira assumia uma posição estratégica no complexo tritícola para o abastecimento regular do trigo (Ramalho Jr., 1994: 173).

Estado. Em face desse interesse, o DTRIG e o CTRIN se abririam para o segmento moageiro, o qual se aproveitava dessa abertura para conseguir privilégios através das ações governamentais. Assim se daria continuidade ao processo de privatização das agências do Estado (Ramalho Jr., 1994: 171-173).

A partir de 1982 começariam fortes divergências, quando aos interesses do governo foram incorporadas preocupações com a redução do déficit público, em face das dificuldades financeiras do Estado. Especificamente os conflitos se manifestaram em torno à fixação de preços de compra do trigo, à determinação dos valores básicos de custeio e às regras de financiamento. Num primeiro momento, apesar deles, as pressões externas não teriam sido suficientes para revogar o Decreto-Lei 120 ou promover modificações significativas na política tritícola. Nem mesmo para reduzir sensivelmente os gastos da Conta Trigo. O que se deveria, principalmente, à associação de interesses entre o segmento produtores/cooperativas e o DTRIG e a CTRIN. Porém, à medida que se aprofundava a crise financeira do Estado, passaram a prevalecer os interesses dos setores do governo que agiam sobre o déficit público, culminando com a revogação do decreto em 1990 (Ramalho Jr., 1994: 141 e 193).

Segundo a leitura corporativista, essa revogação teria dado fim a uma política articulada para todo o complexo tritícola; ou seja, o fim da regulação estatizante da comercialização do cereal e das rígidas regras sobre sua industrialização. Desaparecia o sistema defendido pelos principais segmentos componentes do complexo como também pelas instituições públicas envolvidas na execução de política. Os próprios DTRIG e a CTRIN foram extintos. Face à indefinição (ou inexistência) de uma política para o setor e de uma estrutura institucional de regulação, não ficariam claros os caminhos a percorrer para novas formas de articulação e canalização de demandas junto ao Estado (Ramalho Jr., 1994: 193-194).

Junto a essa indefinição de um aparato institucional na tomada de decisões para o complexo, um conjunto de outros os fatores teriam dificultado os acordos corporativistas, nos anos 90. Especificamente, a leitura ressalta: a inoperância da nova Câmara Setorial do Trigo; a necessidade de buscar o equilíbrio financeiro do Estado; e a inclusão do trigo no conjunto da política agrícola, a qual se colocava subordinada à política macroeconômica ou em plano inferior a outras atividades.

Assim, por ter sido grandemente afetado com a liberação do comércio e a industrialização, o segmento moageiro apresentaria intensos conflitos internos. Esses conflitos estariam fortemente relacionados às suas dificuldades para se organizar em torno da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (ABITRIGO), como representação legítima que poderia promover a coesão interna entre os diferentes atores (Ramalho Jr., 1994: 217).

4.1.3.3.3. Ação coletiva e formas de organização de interesses nos complexos

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