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As contribuições espanholas sobre o corporativismo na agricultura: o modelo de sociogênese e pistas para a análise dos fenômenos corporativos

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CAPÍTULO III. A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UM CAMPO INCIPIENTE

CAPÍTULO IV AS LEITURAS ELITISTAS E PLURALISTAS NOS ESTUDOS BRASILEIROS

4.1. As Leituras Elitistas: o Estado e a Agricultura

4.1.3. A leitura corporativista da agricultura

4.1.3.1. As contribuições espanholas sobre o corporativismo na agricultura: o modelo de sociogênese e pistas para a análise dos fenômenos corporativos

Como se comentou, a leitura corporativista da agricultura no Brasil tem como um dos referenciais teóricos e analíticos mais destacados os estudos sobre corporativismo produzidos

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Em alguma das análises (Ortega 1995), se tem usado o termo “corporatismo”, visando dissociar as conotações ideológicas que o termo “corporativismo” traria. Porém na reconstrução dessa leitura será utilizado o termo “corporativismo”, por ser o mais usado nesse conjunto de autores que a conformam.

na Espanha. Esses estudos consideram o corporativismo como uma confluência de dois processos: por um lado, um processo de articulação de interesses e de crescimento das organizações públicas e privadas e por outro um processo de interação crescente dessas organizações entre si e com o Estado, através de pautas de interação determinadas. Sendo que ambos os processos apontam para um contexto de tendências monopolísticas e oligopolísticas na representação de interesses e de colaboração inter-classes progressivamente institucionalizada (Moyano Estrada, 1988: 183).

Na agricultura, a tendência geral para a presença hegemônica de grandes organizações de interesse e para que estas tenham um papel protagonista nos processos de formulação e implementação da política agrária estaria condicionada por múltiplos fatores. A ação coletiva na agricultura seria uma ação diversificada e submetida a uma dialética de concentração/dispersão. Nessa lógica incidem fatores relacionados com a estrutura da propriedade da terra e os regimes de posse da terra; com a heterogeneidade produtiva e a diversidade de orientações das explorações agrárias; e com as relações de patronagem e clientelismo que se manifestam entre categorias de agricultores. A complexidade dessa situação resultaria em estruturas de representação de interesse instáveis, com constantes interferências do ambiente exterior. A mais importante interferência tem sua origem nas estratégias implementadas pelo poder público para levar a cabo sua intervenção na agricultura, já que a necessidade de contar com interlocutores idôneos leva as agências do Estado a intervirem no processo associativo, favorecendo uma estrutura de representação em detrimento de outras (Moyano Estrada, 1989: 203).

A partir das especificidades que apresenta a ação coletiva na agricultura, Moyano Estrada (1988) propõe um modelo de "sociogênese do corporativismo agrário". O modelo parte do suposto de que o avanço no processo de modernização da agricultura impulsionaria a mudança das formas de representação dos interesses do velho ao novo corporativismo. Nessa proposta analítica identificam-se três etapas, que correspondem a momentos distintos do processo de desenvolvimento capitalista da agricultura de cada país: a da gênese das formas associativas; a da sua especialização funcional em sindicatos e cooperativas; e finalmente a da presença e consolidação de associações especializadas por produto, isto é, setoriais e “interprofissionais”. O modelo inclui uma tipologia de formas associativas. O primeiro tipo é o "sindical ou reivindicativo" – exemplificado principalmente por sindicatos ou organizações profissionais, mas também incluindo, em alguns casos, organizações especializadas por

produto – que têm como características: a natureza integral do fim perseguido (ou seja, a defesa de todos os interesses que afetam o coletivo social que representam); a natureza universal de sua atividade (isto é, suas ações não se dirigem em exclusivo para os seus afiliados); e dirigir uma mensagem de natureza ideológica. Um segundo tipo é o "associativismo não reivindicativo" (bem exemplificado pelas cooperativas). Ele se identifica pelo caráter não-integral do fim perseguido, ou seja, atua para uma área de interesses explicitamente delimitada; por suas ações terem natureza exclusivista (apenas para os filiados); e por seu discurso não ser necessariamente ideológico (Ortega, 1995: 88-89).

Junto com os tipos anteriores, se poderia delinear um terceiro que corresponderia às “organizações reivindicativas não-sindicais”. Estas compreenderiam a grande maioria das “associações especializadas por produto” e as “organizações interprofissionais”. Como no primeiro tipo, as “associações especializadas por produto” seriam de natureza reivindicativa, porém, nesse caso não teriam um caráter integral; defenderiam somente interesses específicos dentro do conjunto de interesses do coletivo social que representam; e fazem uso – com freqüência e apesar de negá-lo – de um discurso ideológico. Por sua vez, as “organizações interprofissionais” são aquelas que agrupam numa mesma estrutura de representação, por um lado, associações de agricultores e, pelo outro, associações de empresas agroindustriais, produtoras de insumos agrícolas e/ou de comercialização de produtos agrários processados ou não; procuram a defesa integrada de um suposto interesse comum a todos os grupos implicados no correspondente complexo agroindustrial. A constituição de uma organização interprofissional pode ser vista como o resultado da institucionalização das relações entre os segmentos de um determinado complexo agroindustrial e deste com o resto da sociedade e do Estado. O surgimento das organizações interprofissionais é facilitado, quando existe um elevado nível de relação interna entre os agentes do complexo agroindustrial11 (Ortega, 1995: 89-94)

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As interprofissionais desempenham tanto funções reivindicativas como não-reivindicativas. No campo reivindicativo, procuram exercer influência nos centros de decisão das políticas que as afetam. Nesse sentido, apresentam rasgos como o de universalidade, na medida em que os seus resultados são compartilhados por todos os produtores do CAI, associados ou não à interprofissional. No campo não-reivindicativo, propiciam, por exemplo, a promoção dos produtos, a melhoria da qualidade, o estabelecimento de acordos de preços entre as diferentes fases do processo produtivo e a fixação de quotas de produção. Nesse caso, os resultados obtidos não dizem respeito exclusivamente a seus associados. O seu discurso pode ser mais ideológico ou mais econômico, segundo o tipo de ação (reivindicativa ou não). Também desempenham o papel de intermediação de interesses de seus filiados como outros grupos sociais e participam da implementação de políticas públicas (Ortega, 1995: 92- 93).

Paralelamente ao modelo de sociogênese, Moyano Estrada também propõe pistas para a análise das práticas de concertação na agricultura. Essa análise teria que ser feita levando em consideração a diversidade das manifestações dos fenômenos corporativos, estudando as diferentes áreas de intervenção pública e relacionando-as com as lógicas da ação coletiva que nelas se desenvolvem. Assim, se descobririam áreas onde não é possível identificar relações corporativistas, porque as políticas vêm impostas. Em outras áreas, poderão manifestar-se práticas corportativistas – escassamente institucionalizadas – ao nível de implementação das políticas e não na formulação das mesmas. E também existirão áreas onde o processo de formulação e a implementação de políticas requeiram a estreita colaboração entre as agências do Estado e as associações representativas do setor. Em todos os casos, a análise deveria dar conta das formas que assumem a atribuição de status de interlocutor às organizações de interesse, formas estas que dependem do conteúdo da intervenção e da lógica da ação coletiva dos agricultores (Moyano Estrada, 1989: 203-204)

Sinteticamente, o tratamento dos fenômenos corporativistas na agricultura deveria dar conta de questões e dimensões específicas como: o grau de intervencionismo estatal em comparação com o que se manifesta em outros setores; as instituições particulares através das quais se manifesta essa intervenção; as formas específicas que adquire a estrutura de representação dos interesses agrários e a interdependência entre as associações resultantes; a capacidade de influência dessas associações nos centros de decisão onde se elabora e se implementa a política agrária, incluindo os recursos e os canais utilizados; o grau de institucionalização de suas relações com os poderes públicos e a estabilidade das mesmas; e a difusão entre os agricultores de ideologias que compreendem essas relações como co- participativas ou conflituosas (Moyano Estrada, 1989: 189-190)

4.1.3.2. A leitura brasileira: a ênfase no corporativismo setorial e nos complexos

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