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O enfoque neoinstitucional

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CAPÍTULO II. REDES E OUTROS ENFOQUES, TEORIAS E MODELOS NO ESTUDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

2.1. Enfoques, Teorias e Modelos que Recuperam a Questão Política nas Análises das Políticas Públicas

2.1.1. O enfoque neoinstitucional

As instituições governamentais têm sido um foco central da ciência política. As atividades políticas geralmente se centram em torno de instituições governamentais específicas: o Congresso, a presidência, o Judiciário, as burocracias, os estados, os municípios. A política

pública é oficialmente determinada, implementada e executada por essas instituições. Existe uma estreita relação entre política pública e as instituições governamentais1 (Dye, 2002: 13).

O institucionalismo tradicional, centrado na descrição e comparação de estruturas institucionais e jurídicas de diferentes níveis governamentais e entre diferentes países, foi um enfoque fundamental na constituição autônoma da ciência política, tendo predominado tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido. Sua abordagem clássica combina a comparação histórica com a investigação formal-legal (isto é, da estrutura legal/constitucional que afeta as organizações formais) e um método descritivo/indutivo que valoriza a análise histórica factual e a observação, e despreza as formulações da teoria social e política (Rhodes e Marsh, 1995: 54-56).

Esse institucionalismo não devotou muita atenção aos vínculos entre a estrutura das instituições governamentais e o conteúdo da política pública. Ao invés disso, os estudos institucionais normalmente descreveram instituições governamentais específicas – suas estruturas, organização, obrigações e direitos – sem inquirir sistematicamente sobre o impacto das características institucionais nas produções de políticas (Dye, 2002: 14).

Durante os anos 80 e 90, se desenvolveu uma retomada da importância das instituições, não mais considerando-as de uma forma descritiva e como rebatimento de outras esferas, mas como um elemento estratégico central dos processos políticos e sociais. Essa retomada deu origem ao que comumente se denomina como neoinstitucionalismo. O neoinstitucionalismo não se constitui como uma abordagem ou enfoque unitário, mas como um enfoque multidisciplinar, para o qual têm confluído autores que trabalham com diferentes olhares, em diversas disciplinas das ciências humanas. Assim, se recuperam contribuições das mais diversas, que vão desde autores como Weber, Tocqueville e Polanyi2, passando pela economia

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Estritamente falando, a política não se torna uma política pública até ser adotada, implementada e executada por alguma instituição governamental. As instituições governamentais conferem três características distintas à política pública. Primeiro, o governo empresta legitimidade às políticas. As políticas governamentais são geralmente consideradas como obrigações legais que comandam a lealdade dos cidadãos. Em segundo lugar, as políticas governamentais envolvem universalidade. Só as políticas governamentais se estendem a todas as pessoas numa sociedade. Por fim, o governo monopoliza a coerção legítima na sociedade, para impor suas políticas. Essa capacidade do governo de comandar a lealdade de todos os seus cidadãos, de decretar políticas que governam toda a sociedade e de monopolizar o uso legítimo da força estimularia os indivíduos e grupos a trabalhar pela promulgação de suas preferências numa política (Dye, 2002: 12-13).

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O trabalho de Polanyi (1980) sobre a sociedade de mercado, no qual, através de uma análise histórica de instituições de nível intermediário – como legislações ou decisões judiciais – dá-se conta de transformações macroeconômicas, é uma referência para as variantes históricas do neoinstitucionalismo (Marques, 1997: 78).

neoclássica e a sociologia das organizações, até a ciência política de inspiração marxista e os novos enfoques do pluralismo (Marques, 1997: 75). Diversas leituras neo-institucionais vêm construindo teorias de médio alcance e modelos a serem testados e modificados a partir de estudos tanto sincrônicos como históricos.

As instituições reduziriam incertezas por coordenar o uso dos recursos cognitivos, mediar os conflitos e oferecer incentivos, aportando estabilidade aos processos (Subirats e Gomà, 1998: 28). Mas a própria conceituação da instituição tem sido um elemento de debate. North (1990) propõe distinguir uma visão ampla das instituições – que incluiriam qualquer forma de constrangimento que molda as interações humanas – de uma visão restrita centrada nas organizações, como aquelas que englobam corpos políticos (partidos, agências do estado, etc.), econômicos (firmas, sindicatos, etc.), sociais (igrejas, clubes, etc.) e educacionais (escolas, universidades, etc.). Em termos de amplitude, por exemplo, se podem ressaltar outras concepções que sustentam uma visão ampla das instituições, como a de Hall (1986), que inclui tanto regras formais como constrangimentos informais relacionados a códigos de comportamento e convenções, diferentemente de visões como a de Levy (1991), que propiciam a distinção entre normas – com incentivos e “desincentivos” cognitivos e sociais – de instituições que disporiam de um aspecto legal e apresentariam uma estrutura clara de implementação de decisões (Marques, 1997: 76).

Dentro do enfoque multidisciplinar do neoinstitucionalismo, poderiam ser distinguidas duas grandes correntes que propiciam leituras específicas da realidade: o “neoinstitucionalismo da escolha racional” e o “neoinstitucionalismo histórico”3.

No “neoinstitucionalismo da escolha racional”, se considera que as instituições tanto constrangem a escolha estratégica dos atores, modificando o seu comportamento auto- interessado, como a reduzem a ocorrências de soluções sub-ótimas. Progressivamente distanciando-se dos neoclássicos, enfatizam o conhecimento imperfeito das condições das transações pelos agentes. Assim, num entorno onde predominam as incertezas e onde os custos de transação são altos, as instituições – entendidas como construções sociais –

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Segundo Marques (1997), os autores que melhor representariam o neoinstitucionalismo da escolha racional seriam Williamson e North. Por sua vez, o neoinstitucionalismo histórico incluiria autores como March, Olsen, Tilly e Skocpol.

pretendem reduzir esses custos, propiciando maior predição do fluxo de interações sociais

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(Subirats e Gomà, 1998: 28).

Segundo North, os modelos da escolha racional na política têm aplicado sem questionamento os supostos da economia neoclássica que incluem a racionalidade instrumental e a noção de mercados eficientes. Diferentemente, uma teoria política fundada na noção de custos de transação teria que ter como supostos que a informação é custosa, que os atores utilizam modelos subjetivos para explicar o entorno e que os acordos se cumprem imperfeitamente (enforcement imperfeito). As decisões que se tomam com base nesses modelos subjetivos gerariam altos custos de transação, fazendo com que os mercados políticos venham a ser muito imperfeitos (North, 1998: 97).

Na visão de North, diferentes marcos institucionais geram distintos custos de intercâmbio político. Ao mesmo tempo, o marco institucional da política (como o da economia) se caracterizaria por retornos crescentes, de forma tal que a mudança das formas de governo e de suas políticas estaria fortemente marcada a favor de políticas consistentes com o marco institucional básico. Esse patrão de dependência (path dependency) que rege a mudança institucional e que determina a evolução do mercado político – incluindo as políticas – e da economia se conforma por restrições que derivam do passado, e pelas conseqüências freqüentemente não antecipadas de inúmeras eleições incrementais de organizações, empreendedores políticos e empresários, que continuamente modificam essas restrições (North, 1998: 108-110).

Por sua vez, os “neoinstitucionalistas históricos” enfatizam o distanciamento das visões neoclássicas de que os atores sejam maximizadores bem-informados e egoístas, apontando que, pelo geral, os atores procuram acompanhar as regras e normas sociais, sem estar pensando constantemente no seu próprio interesse. As instituições não apenas constrangeriam as interações sociais, mas alterariam as preferências. Assim, as preferências deixam de ser algo exógeno ao modelo, como apontam os neoclássicos e vários neoinstitucionalistas da escolha racional. As preferências seriam endógenas, isto é, construídas social e politicamente durante o processo (Marques, 1997: 77-78).

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As instituições, produto histórico da ação estratégica dos atores, podem funcionar bem ou mal, reduzindo ou aumentando os custos de transação, e propiciando – na linha de North – diferentes performances econômicas entre os países (Marques, 1997: 77).

A estabilidade e transformação das instituições estariam condicionadas por fenômenos e processos de quatro diferentes ordens: as normas, a coerção, a coação e o consenso contingente. Os dois primeiros aumentariam os custos de desobediência, nas normas pela sanção social e na coerção pelo possível uso da força. No caso da coação, ela agiria aumentando a adesão e obediência através da distribuição de benefícios. Por sua vez, no caso do consenso contingente, a obediência estaria condicionada ao convencimento de que os arranjos institucionais em vigor são equânimes. Quando a justiça ou a reciprocidade são quebradas, os agentes têm motivação para tentar mudar as instituições (Marques, 1997: 79).

A primeira geração de estudos dos neoinstitucionalistas históricos (Skocpol, 1979 e 1985) estava muito centrada nas dinâmicas do Estado e enfatizava o seu papel como ator, o insulamento da burocracia e o papel das instituições como moldadoras do campo da política. A autonomia estatal seria uma característica recorrente que variaria em cada situação histórica pelas potencialidades estruturais que cercam o Estado, pelas estratégias dos atores e pelas mudanças promovidas dentro do Estado na organização administrativa e na coerção. Grupos de funcionários estatais, gozando de insulamento que lhes garante margem de autonomia nos interesses presentes na sociedade, propiciariam políticas públicas de longo prazo, em muitos casos diferentes das defendidas pelos grupos de interesse que se dirigem ao Estado. Esse insulamento, por sua vez, dependeria de um conjunto de fatores como a estrutura organizacional da máquina estatal, a estabilidade de suas agências e as relações de poder entre uma agência com o poder central, outras agências e atores do ambiente externo (Marques, 1997: 80).

Conseqüentemente, o estudo sobre as políticas públicas assume um caráter relacional, não se resumindo à análise descritiva das instituições estatais. O processo de produção das políticas vai a depender da capacidade do Estado, já que os seus agentes procurarão propiciar políticas que possam implementar. A lógica da ação coletiva desses funcionários os leva a tentar aumentar o poder e o controle do Estado sobre a sociedade. Porém o resultado e a racionalidade das políticas é contingente, em função das estratégias dos atores de dentro e de fora do Estado, e do processo de formação de instituições. Ou seja, como Skocpol (1985) aponta, na análise da história da formação das instituições e das políticas, se faz necessário caracterizar as relações de poder que envolvem os atores estatais com os atores dos ambientes socioeconômicos e políticos (Marques, 1997: 81).

Os neoinstitucionalistas históricos também enfatizam que as instituições influenciam de diferentes formas. Por um lado, influenciam na cultura política, isto é, na formulação das representações sobre a política. Ao mesmo tempo, conformariam a agenda dos grupos de interesse (os grupos de interesse se constituem e elaboram suas agendas no diálogo com a reprodução de suas questões em agências e estruturas organizacionais estatais5). Em terceiro lugar, ao fixar as regras do jogo político, o desenho institucional media a relação entre as estratégias dos atores e a implantação de determinadas políticas, moldando situações de resultados diferentes ante atores de poder equivalente6. Finalmente, segundo Skocpol (1994), o ajuste entre a estrutura da organização dos demandantes de políticas públicas e a forma – espacial ou temática – que assume a estrutura organizacional das instituições tende a definir as possibilidades de mobilização e de vitória desses demandantes (Marques, 1997: 82-83).

Assim, em meados dos 90, os estudos priorizaram sua análise nas relações entre Estado e atores da sociedade, como partidos e grupos. Embora continuem presentes o insulamento das burocracias e a importância das instituições no enquadramento da política, são incorporados na análise os demais atores e a articulação entre instituições e estratégias dos agentes. Essa preocupação converge com os interesses de autores próximos do neoinstitucionalismo, mas críticos da sua ênfase inicial nas estruturas estatais, como Midgal et al. (1994). Para esses autores do chamado “state-in-society approach”, as fronteiras entre Estados e sociedades, em muitas situações e períodos históricos, não seriam muito claras ou sólidas. Eles defendem que a forma de compreender detalhadamente o insulamento, a autonomia e a permeabilidade passa pela desagregação do Estado e a análise dos inúmeros atores nas múltiplas arenas da sociedade, deixando como contingentes os resultados da política (Marques, 2000: 49/50).

Os desdobramentos do neoinstitucionalismo continuam. As proposições, questões e resultados dos seus estudos têm ganhado um lugar de destaque nos debates contemporâneos, em diversas áreas das ciências humanas. E, em particular, no campo de análise das políticas públicas. Como se verá, o reconhecimento da importância da dimensão institucional já é

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A criação de uma agência responsável por um tema de política geraria a recriação de agendas e um aumento das demandas de grupos de interesse sobre esse tema. Assim, diferentemente dos pluralistas, os inputs do Estado não seriam dados inteiramente de fora. E, de forma oposta aos princípios da escolha racional, as preferências não se formariam externamente, mas no próprio processo político (Marques, 1997: 82).

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Esse resultado diferente pode ser compreendido melhor se, como Imgermurt (1993) propõe, se fizer o mapeamento dos “pontos de veto”, isto é, os pontos no processo decisório onde certos atores podem exercer o poder de veto (Marques, 1997: 83).

consenso nos estudos que se desenvolvem desde diferentes abordagens, enfoques, teorias e modelos que tratam das questões políticas das políticas públicas.

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