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A fronteira ocidental do reino de Castela após a morte do Imperador

1. TELO PERES E A ORIGEM DA LINHAGEM

1.2. A CÇÃO POLÍTICA DE T ELO P ERES

1.2.1. A fronteira ocidental do reino de Castela após a morte do Imperador

Com efeito, após a morte de Afonso VII, em 21 de Agosto de 115735, seguiu-se a já programada separação dos reinos de Castela e Leão, cabendo o primeiro a Sancho e o segundo a Fernando, seguindo uma demarcação elaborada antes pelo falecido monarca. Uma demarcação que colocava alguns problemas. Apesar das terras entre o Cea e o Pisuerga ― que correspondem em grande medida à Tierra de Campos ― poderem oscilar para Leão ou Castela, Afonso VII determina que a maior parte delas façam parte do reino de Castela36. É precisamente nessa área, o Infantado de Campos37, que vai residir o problema maior da divisão, uma vez que se tratava de uma região onde as elites leonesas e castelhanas detinham importantes interesses e que, exactamente por isso, podia pender para qualquer um dos dois reinos. Um território de conflitos e de oportunidades.

32 Cf. Torres Sevilla, Op. cit, p. 133-166; Álvarez Palenzuela, «La nobreza…cit.», pp. 270-272; Pascual

Martinez Sopena, «El conde Rodrigo de León y los suyos: herencia y expectativa del poder entre los siglos X y XII», in PASTOR DE TOGNERY, Reyna (coord..) Relaciones de poder, de producción y de parentesco

en la Edad Media y Moderna: aproximación a su estudio, Madrid, CSIC, 1990, pp. 51-84; e Mariel V. Pérez,

«Estrategias de alianza y reproducción social en la aristocracia medieval leonesa: los Flaínez (siglos X-XI)», Mirabilia: Revista Eletrônica de História Antiga e Medieval, nº. 9, 2009, pp. 91-107.

33 DC Gradefes, doc. 98.

34 Cf. Alfonso VIII, 1º vol, pp. 663-735.

35 Bernard F. Reilly, The Kingdom of Leon-Castilla under King Alfonso VII. 1126-1157, Filadélfia,

University of Pennsylvania Press, 1998, p. 134.

36

Cf. Alfonso VIII, 1º vol., p. 665.

37 A região que no século XII recebia a designação de «Infantazgo» era a zona de Campos próxima de

Medina de Rioseco (cf. ibidem, p. 673, nota 25), que a infanta D. Sancha, irmã de Afonso VII, manteve até à data da sua morte, a 28 de Fevereiro de 1159 (cf. ibidem, p. 675). Era a principal zona de disputa entre os dois reis.

O facto de um nobre deter significativo poder senhorial numa região com elevado poder geoestratégico, como são as regiões fronteiriças, fazia com que pudesse retirar proveitos das pretensões e rivalidades políticas dos dois reinos. É que em relação a uma zona de fronteira definida desta forma, permeável e atravessada por diferentes influências, o rei que a detém está disposto a ceder o seu favor a quem sobre ela exerce algum domínio a fim de a manter sobre o seu senhorio. E quem a pretende está disposto a oferecer algo de modo a consegui-la atrair para a sua autoridade. Circunstância que os nobres não desconhecem e utilizam a seu favor, de acordo com as conveniências. E assim, neste jogo de poder, onde o principal objectivo é, como sempre, o aumento do mesmo, à época directamente ligado à posse de terra ou de direitos sobre os seus habitantes, os reis aliciam nobres, estes insinuam-se a reis, criam-se alianças e sustentam-se rivalidades. E é exactamente isso que irá acontecer após a morte do Imperador.

Logo na primeira metade de 1158, tensões entre os dois lados haviam levado à ocupação por Sancho III de territórios que cabiam a Leão, pelo que este se reunia com Fernando II de Leão em Sahagún, onde assinariam em 23 de Maio desse ano um tratado de paz38. Contudo, a morte prematura de Sancho III, a 31 de Agosto39, e a menoridade do novo rei, Afonso VIII, com apenas três anos, iriam alterar as condições de relacionamento entre os dois reinos, tornando-as favoráveis a Leão e levando ao agravamento da situação40.

Prevendo a sua morte, Sancho III determinara que a tutela do novo rei ficasse a cargo de Guterre Fernandes de Castro, decidindo ainda que os nobres mantivessem os domínios que lhes havia confiado até que Afonso VIII perfizesse quinze anos e que a regência de Castela ficasse ao conde Manrique Peres de Lara41. Ficavam assim entregues as duas principais responsabilidades às duas principais famílias do reino, os Lara e os Castro, cuja rivalidade se iria fazer sentir em seguida, pouco depois de D. Manrique convencer D. Guterre a abdicar da tutela do jovem rei ― argumentando que tal seria melhor para a harmonia no reino ―, em favor de Garcia Garcia de Aza, seu meio-irmão por parte da

38 Cf. ibidem, p. 669. Não apenas firmavam a paz e D. Sancho III se comprometia a entregar os povos

ocupados mas ainda prometiam auxílio mútuo contra qualquer inimigo excepto o conde de Barcelona. Acordavam ainda não fazer qualquer acordo de aliança com o rei português, Afonso Henriques, e a divisão do território muçulmano, definindo a parte que caberia a cada um conquistar.

39 Cf. ibidem, p. 147.

40 Segundo a CLRC, p. 9: «Tras su muerte [de Sancho III] quedo su hijo, el glorioso Alfonso, infante

tierno de apenas tres años, y hubo tanta turbación en el reino de Castilla cuanta no había habido anteriormente en mucho tiempo».

41 Cf. ibidem, p. 149. Sobre Manrique de Lara, cf. Antonio Sanchéz de Mora, La Nobleza Castellana en la

Plena Edad Media: El Linaje de Lara (ss. XI-XIII), dissertação de doutoramento apresentada à Universidade

mãe42, com a promessa de o continuar a tratar com a máxima deferência e deixar novamente a si a tutoria logo que ele assim o solicitasse43.

A situação, aparentemente calma, precipita-se na primeira metade de 1160. A rivalidade entre Castros e Laras leva ao conflito armado entre as duas facções, tendo D. Nuno, irmão de D. Manrique, sido derrotado e capturado em Campos, em Março, por Fernando Rodrigues de Castro, com o apoio leonês44. Com efeito, enquanto as duas famílias rivais se digladiavam, era Fernando II quem tirava maior proveito, estendendo a sua influência sobre a região oriental do Cea45. Apesar de não se verificarem novos confrontos abertos após o episódio de Março, a rivalidade mantinha-se e viria a aumentar depois a passagem da tutela de D. Afonso VIII para D. Manrique, que depois da derrota do irmão certamente consideraria que a posse da pessoa do rei não poderia deixar de lhe ser benéfica. Para evitar que o Lara acumulasse a tutoria do rei e a regência do reino, e de acordo com o estabelecido anteriormente, D. Guterre reivindica a restituição da guarda do rei, que é recusada. A partir deste momento as disputas iriam agudizar-se, entrando-se mesmo numa escalada de violência46, e o principal beneficiado só podia ser o rei leonês, de quem os Castro se irão aproximar, saindo para a sua corte47. Nas palavras do cronista Jeronimo Zurita, «comenzáronse a mover grandes alteraciones por la discordia y bando

que hubo entre las casas de Castro y de Lara, que eran las mayores y más principales de Castilla. (…) Por esta causa fue prevaleciendo de cada día el partido del rey don Hernando de León, y ocupó algunos lugares no solamente de la otra parte del Duero y Pisuerga, pero desta otra parte que entonces llamaban Extremadura»48.

As posições da Crónica Latina e do arcebispo de Toledo, Rodrigo Ximenes de Rada, acerca do estado do reino sintetizam, de certa forma, os sentimentos das duas facções rivais. Enquanto a Crónica Latina justifica a actuação dos Castro afirmando que estes

42 Cf. Torres Sevilla, Linajes nobiliários…cit., p. 105.

43 Em 2 de Fevereiro de 1159 já D. Garcia é mencionado como tutor do jovem rei. Cf. Alfonso VIII, 1º

vol, pp. 150-155.

44

Além de Nuno de Lara, o partido dos Lara era seriamente afectado. Também foi capturado D. Rodrigo Guterres Girón e Álvaro Rodrigues, irmão deste último, e o conde D. Osório, sogro de Fernando Rodrigues de Castro, pereceram na batalha, Cf. ibidem, 1º vol., p. 153. D. Fernando Rodrigues era sobrinho de Guterre Fernandes (cf. Torres Sevilla, Linajes nobiliários…cit., pp. 90-91).

45 Cf. Alfonso VIII, 1º vol, pp. 678-679.

46 Segundo a Crónica Latina, p. 10, «Por aquel tiempo, matanzas innumerables e infinitas rapiñas,

desordenada e indiscriminadamente, eran llevadas a cabo en todas las partes del reino».

47 Cf. Alfonso VIII, p. 157. 48

Anales de Aragón, vol. I, liv. II, cap. XXI, p. 120 [cit. em 14 de Maio de 2010 – 14:32]. D. Ximenes de Rada também é bastante esplícito: «Y estallando entonces entre ambas casas, es decir, la de Castro y la

de Lara, un largo enfrentamiento, se sucedieron graves peligros y numerosos asesinatos por los dos bandos, hasta el extremo de que esta contienda dio a los leoneses la ocasión de imponerse, llegando a hacerse con algunas zonas de Castilla y Extremadura.» (De Rebus Hispaniae, p. 284).

«formaron una facción, intentando huir de la persecución y opresión de los hijos del conde

Pedro de Lara, es decir, del conde Manríquez y del conde Nuño y del conde Alvaro y de toda su parentela»49 que «se apoderaron del rey Alfonso y retuvieron durante largo tiempo

el reino, ya que intentaban sometérselo todo entero con el pretexto del niño, para honor, según decían, y provecho del mismo niño»50, calando o apoio que os Castro deram a Fernando II de Leão no seu avanço sobre territorio castelhano, o arcebispo de Toledo apresenta uma versão mais favorável aos Lara e, correspondentemente, negativa dos Castro, relatando aqueles últimos sucessos e sublinhando a fidelidade de D. Manrique a D. Afonso VIII51.

Momento particularmente simbólico acontece em no Verão de 1162, quando Fernando Rodrigues de Castro consegue, com o apoio de alguns de Toledo, tomar conta desta cidade, cuja tenência pertencia a D. Manrique. No dia 9 de Agosto, D. Fernando II entrava em Toledo e no dia 15, certamente pelo seu desempenho a seu favor, o rei de Leão honrava o Castro com o mordomado-mor52. Mas o desempenho de Fernando Rodrigues não ficava por aqui. No ano seguinte, a 9 de Julho de 1164, perto de Huete, derrotava em batalha Manrique de Lara, que nela pereceria e com quem se encontrava Afonso VIII53.

No ano seguinte continuam a verificar-se alguns conflitos, tendo a tutela do rei ficado a cabo de Nuno de Lara. Contudo, em 1166 parece haver um apaziguamento da situação, uma vez que Fernando II tinha conseguido obter ganhos territoriais significativos e deixara de reclamar a tutela do sobrinho54. Nesse mesmo ano, Afonso VIII reavia Toledo55 e outras terras, enquanto D. Fernando estava mais preocupado com a expansão a Sul e a forma como o reino de Portugal também o fazia. Os anos seguintes seriam mais pacíficos, e o rei de Castela, com os seus, aproveitaria para recuperar o seu poder56.

49 Crónica Latina, p. 9. 50 Ibidem, p. 9

51 D. Ximenes põe na boca de D. Manrique as seguintes palavras, depois deste ser confrontado com a

acusação de não cumprimento de palavra por parte de Fernando II: «Desconozco si soy leal o traidor o feló,

mas lo cierto es que, en la manera en que me fue possible, liberé al niño, mi señor natural.» (De Rebus

Hispaniae, p. 286). Esta ocorrência tem lugar na sequência da reclamação, por parte de D. Fernando, nos

finais de 1162, da tutela do seu jovem sobrinho, talvez com o objectivo de tomar posse da regência do reino castelhano. Essa tutela terá sido formalmente entregue. Porém, a guarda da pessoa do rei mantinha-se na posse do Lara. O rei castelhano pediu a entrega de Afonso VIII, mas através de um subterfúgio, os Lara conseguiram fazê-lo escapar e transportam-no desde Soria, onde os dois reis estavam, até Atienza (Cf.

Alfonso VIII, 1º vol, pp. 158-165). 52

Cf. ibidem, p. 159.

53 Cf. ibidem, p. 168-169, e Antonio Sanchéz de Mora, La Nobleza Castellana…cit., p. 148. 54 Cf. Alfonso VIII, 1º vol., p. 685.

55 Cf. ibidem, p. 174. 56