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A menoridade de Fernando IV e a guerra civil

2. AFONSO TELES, O VELHO E O ESTABELECIMENTO DA FAMÍLIA NO

3.2. A FONSO DE M ENESES E A GRANDE CRISE CASTELHANA

3.2.2. As menoridades de Fernando IV e Afonso XI

3.2.2.1. A menoridade de Fernando IV e a guerra civil

Os últimos anos do reinado de Sancho IV foram relativamente tranquilos, sobretudo após a reconciliação, em 1290, com os Lara e depois do falecimento, em Junho de 1291265, de Afonso III de Aragão. Sucedera-lhe o seu irmão Jaime II que, mais interessado nos assuntos mediterrânicos, toma a iniciativa de procurar as pazes com Castela, assinadas em Monteagudo, a 29 de Novembro de 1291266. Mas o início do reinado de Fernando IV seria muito diferente, marcado por conflitos bastante intensos. Aproveitando o facto do rei ser uma criança e de só ter como apoio constante a sua mãe, a rainha D. Maria, e os apoiantes desta, a nobreza castelhana vai tentar retirar da instabilidade política e do limitado poder do rei os maiores proveitos possíveis. Segundo César González Minguez, durante este período «la nobleza vieja, que desde los años 70 del siglo XIII habia dado muestras de una

indissimulada inquietud y ambición políticas, protagonizó un definitivo asalto al poder, com el objectivo de estructurar el gobierno de Castilla de forma que quedara firmemente consolidada la posición hegemónica de la nobleza, desde el punto de vista político, social y económico»267. Assim, os nobres ― ou pelo menos grande parte deles ― vagueiam entre o apoio ao rei, ao infante D. João, a Afonso de Lacerda, oscilando ao sabor das

263

Cf. Crónica de Don Sancho IV, p. 84, e Sancho IV, 2º vol., p. 78.

264 Cf. Fernando IV, p. 25. 265 Cf. Nieto Soria, ob. cit., p. 111. 266 Cf. Sancho IV, doc. 384. 267

conveniências políticas e económicas e de acordo com os benefícios que lhes são outorgados.

Não cabe aqui examinar em pormenor os sucessos da guerra civil que ocupa grande parte do reinado de Fernando IV e onde o desempenho da rainha D. Maria irá ser decisivo para que o filho mantenha a coroa. Contudo, é necessário traçar um quadro geral da situação. Apesar da guerra civil se estender até 1304, o seu momento mais intenso decorreu no início do reinado, sendo o ano de 1296 o mais crítico para o rei. Logo após o falecimento do marido, D. Maria irá tentar garantir a homenagem e fidelidade ao jovem monarca por parte dos principais nobres do reino, designadamente o infante D. João, Diogo Lopes de Haro, João Nunes de Lara e o irmão deste, Nuno Gonçalves, através de elevadas concessões, ao mesmo tempo que assiste ao crescimento da influência do infante D. Henrique ― filho de Fernando III ―, que pretendia conseguir a guarda e a tutoria de D. Fernando268. A situação, relativamente controlada, irá alterar-se com a decisão de Jaime II de Aragão em quebrar as boas relações com Castela e em apoiar Afonso de Lacerda na sua pugna pela coroa castelhana269. Em seguida, o infante D. João, sempre imprevisível, contacta Afonso de Lacerda e ambos concordam a repartição dos reinos de Fernando IV: ao infante D. João caberia Leão, Galiza e Sevilha; Afonso ficava com Castela, Toledo, Córdova, Múrcia e Jaén270. Mas outros se iriam juntar a estes dois.

No início de 1296, Jaime II, que se tinha pronunciado a favor das reclamações de Afonso de Lacerda sobre o reino castelhano, declarava formalmente guerra a Castela. Em seu nome e «por el rey de Francia,é por el rey Cárlos de Çeçilia, é por don Alfonso, fijo

del infante don Fernando, á que él llamaba rey de los reinos de Castilla é de León, é por don Fernando, su hermano, é por ele rey de Portogal é por el rey de Granada»271. Fernando IV estava cercado e muitos dos poderosos do reino optavam por abandonar Castela e passar ao serviço de Afonso de Lacerda. Enquanto isto, D. Maria tentava desesperadamente atrair para o seu lado Diogo Lopes de Haro e Nuno Gonçalves de Lara e garantir a sua lealdade, prometendo-lhes os domínios dos nobres desertores272.

Na Primavera de 1296, um poderoso exército aragonês comandado pelo infante D. Pedro de Aragão, assistido por Afonso de Lacerda, invadia Castela rumo à Tierra de

268

Cf. Fernando IV, pp. 26-30.

269 Cf. ibidem, p. 31. 270 Cf. ibidem, p. 31.

271 Crónica de Dom Fernando IV, p. 100. 272

Campos, provocando imensas destruições273. Não era por acaso que se dirigiam para Campos, uma vez que era precisamente aí que D. Maria e um dos seus principais partidários, Afonso de Meneses, tinham os seus principais domínios, tratando-se portanto de territórios tendencialmente favoráveis a Fernando IV. O exército avança para Leão, onde o infante D. João é proclamado rei de Leão, da Galiza e de Sevilha, e pouco depois acontecia o mesmo em Sahagún, com Afonso de Lacerda a ser aclamado rei de Castela, Toledo, Córdova, Múrcia e Jaén274. Planeiam apoderar-se de Mayorga de Campos, mas D. Maria fortifica a vila com numerosas gentes que conseguem resistir ao assédio inimigo, pelo que dirigem a atenção para Campos, onde tomam várias localidades, designadamente Tordehumos, Villagarcía de Campos, Tordesillas, Medina de Rioseco, Mota del Marqués e Villafáfila275. A rainha reúne a sua hoste em Valladolid, composta pela mesnada real, pelas gentes dos nobres fiéis ― entre os quais o infante D. Henrique e Diogo Lopes de Haro, que lideravam o exército ― e com uma forte presença das milícias da Extremadura276. Apesar de não ser citado pelas crónicas, também estaria ali presente Afonso de Meneses, sobretudo quando os confrontos se passavam numa zona onde detinha particular influência e a maior parte dos seus senhorios se localizava. Mas os ataques faziam-se em outras regiões: Jaime II entrava em Múrcia, apoderando-se de muitas vilas e castelos; os muçulmanos atacavam desde Granada, sendo combatidos pelas milícias andaluzes; e D. Dinis, desde Portugal, penetrava pela fronteira oeste277.

A situação de Fernando IV era verdadeiramente crítica, e apenas factores acidentais impediram que a grande frente de inimigos que se levantava contra si o derrotasse definitivamente. Mantendo-se o cerco de Mayorga de Campos, que resistia contra todas as previsões, um fulminante surto de peste ataca o exército sitiante, provocando a morte de muitos homens ― incluindo o infante D. Pedro de Aragão ― e a sua retirada278

. Apesar desta contrariedade, D. Dinis chega a Salamanca, continua a progredir e recusa encontrar- se com os emissários de D. Maria, após lhe terem sido prometidas recompensas territoriais pelo infante D. João e por Afonso de Lacerda279. Pára em Simancas no seu rumo a Valladolid, e aí, de forma um pouco surpreendente, opta por não atacar a cidade, tornando

273 Cf. Crónica de Dom Fernando IV, p. 102. 274 Cf. ibidem, p. 102.

275

Cf. Fernando IV, pp. 36-37.

276 Cf. ibidem, p. 37.

277 Cf. ibidem, p. 38 e Crónica de Dom Fernando IV, pp. 102-103. 278 Cf. Fernando IV, pp. 38-39.

279

a Portugal280. O regresso de D. Dinis a Portugal e a peste de Mayorga de Campos marcam um ponto de inflexão na tendência da guerra civil, que a partir daqui já permite a Fernando IV tomar a iniciativa.

A actuação de Afonso de Meneses ao longo destes primeiros anos do reinado de Fernando IV passou, mais uma vez, quase despercebida. De tal forma que não merece qualquer referência nas crónicas. Porém, é certo que a guerra se passava na sua área principal de implantação senhorial e que ele se tratava de um dos nobres fiéis ao rei, seu sobrinho, como se percebe pelo facto de testemunhar os diplomas reais durante esse conturbado período281. E apoiava D. Fernando apesar de não se conhecer nenhum benefício que tivesse então obtido. Bem pelo contrário, pois perdera na passagem de reinado a alferesia para Nuno Gonçalves de Lara, a quem era necessário atrair para o lado de Fernando IV282. A justificação para a sua opçã opolítica prende-se, obviamente, com a ligação familiar que o unia ao rei e à rainha.

É estranho que, ao contrário do que acontecia nos privilégios rodados, não esteja presente aquando da assinatura do tratado de Alcanizes, a 2 de Setembro de 1297283. É possível que se encontrasse em regiões onde fosse necessário manter uma vigilância apertada, mas mesmo assim causa alguma perplexidade que o irmão da rainha e um distinto cortesão não estivesse presente na assinatura de um tratado com a importância deste, que permitia a Fernando IV preocupar-se com a guerra em outras fronteiras.

Ao tratado de Alcanizes segue-se a captura de João Nunes de Haro, em Maio de 1299284; a reconciliação com o infante D. João, por iniciativa deste, a 26 de Junho de 1300285; as pazes com Granada, conseguidas em Agosto de 1303286; e finalmente as tréguas

280 Como justificações para esta aparentemente inesperada decisão do rei português César González

Dominguez identifica as exigências financeiras da guerra; o fortalecimento do partido de Fernando IV, que teria atraído para o seu lado vários nobres, com destaque para João Afonso de Haro ― tio da rainha ― com a cedência do senhorio de Cameros, que este requeria há muito; a habilidade política de D. Maria, ao ameaçar o monarca português com a ruptura do casamento já negociado entre D. Constança de Portugal e D. Fernando IV; e a fragmentação do bloco que se opunha ao rei castelhano. Cf. Fernando IV, pp. 39-40.

281 Além de em 1295 testemunhar vários documentos entre 3 de Agosto (cf. Memorias de Fernando IV,

2º vol., doc. VIII) e 30 de Agosto de 1295 (cf. Salazar y Castro, maço I-40, fls. 348 v. a 353), volta a aparecer na corte no ano seguinte, a 16 de Junho (cf. Memorias de Fernando IV, 2º vol., doc. LXIII), mantendo-se aí até ao final do ano (confirma documentos a 30 de Junho [cf. ibidem, doc. LXIV], 27 de Outubro [cf. ibidem, doc. LXXIII] e 12 de Dezembro [cf. ibidem, doc. LXXIX]).

282 Nuno Gonçalves ostenta o ofício de alferes logo em 3 de Agosto de 1295. Cf. ibidem, doc. VIII. 283 O texto do tratado é publicado em Monarquia Lusitana V, fl. 254-256. Contudo, no mês seguinte, a

13 de Outubro, testemunhava um diploma de Fernando IV, em Toro (cf. Memorias de Fernando IV, 2º vol., doc. CII), o que demonstra que não tinha e não se afastou do partido do rei. Apesar disso, a Crónica de 1419 (ed. crítica, introd. e notas de Adelino de Almeida Calado, Aveiro, Universidade de Aveiro, 1998, p. 174) indica que esteve presente: «e vinha com ele [Fernando IV] (…) dom Afonso, filho do iffante dom Afonso de

Molina».

284 Cf. Fernando IV, p. 67, e Crónica de Dom Fernando IV, pp. 115-117. 285

com Afonso de Lacerda e Jaime II de Aragão, assinadas a 15 de Abril de 1304287. As pazes definitivas seriam firmadas em Torellas, a 8 de Agosto de 1304, após intensas conversações e arbitragem de D. Dinis, colocando um fim à guerra civil castelhana e ao conflito castelhano-aragonês288. Faziam-se amizades sólidas entre os dois reinos e procedia-se a determinações fronteiriças nos locais mais controversos, como o reino de Múrcia. Afonso de Lacerda renunciava aos seus direitos sobre o trono castelhano, devolvendo a Fernando IV algumas praças tomadas e recebendo uma série de vilas e lugares cujas rendas ascendiam a 400.000 maravedis anuais289.

A paz era conseguida mas as ambições da nobreza não desapareciam e viriam a fazer-se sentir em outros episódios ao longo do reinado. Sobressaem os conflitos de 1307 entre o rei, João Nunes de Lara e Diogo Lopes de Haro290, instigados, em grande medida, pelo infante D. João, que se tornará no nobre mais influente junto do rei mas que na realidade lidera um poderoso bloco nobiliárquico que buscava incessantemente o reforço do seu poder à custa da coroa291. Não há notícias do senhor de Meneses no âmbito destes conflitos ou em outros acontecimentos no reino. A sua existência é apenas denunciada pelos documentos da chancelaria real, onde está sempre presente e que revelam a sua elevada posição na hierarquia nobiliárquica: figura geralmente em segundo ou terceiro lugar, logo abaixo de D. João Manuel e de Diogo Lopes de Haro, na coluna dos nobres castelhanos292.

Apesar da sua discrição, a lealdade que oferecia à irmã era para esta extremamente útil e viria a sê-lo dentro em pouco, quando, uma vez mais, a ascensão ao trono de um rei menor proporcionava um novo assalto ao poder por parte da nobreza. A 7 de Setembro de 1312, falecia D. Fernando IV. O seu curto reinado foi marcado, como se viu, por longos períodos de violentas disputas que muito empobreceram o reino, agravados pelo facto da paz, sobretudo com os nobres, ter sido paga com inúmeras doações retiradas dos bens da coroa. O espectro de um novo período de agitados conflitos surgia perante todos na medida em que, mais uma vez, se vivia uma menoridade régia. Acontecera assim nas menoridades

286

Cf. Fernando IV, pp. 117-121.

287 Cf. Memorias de Fernando IV, 2º vol., doc. CCLXIII.

288 Cf. Fernando IV, pp. 130-140 e Crónica de Dom Fernando IV, pp. 134-136. 289 Cf. Fernando IV, pp. 136-138.

290 Cf. Crónica de Dom Fernando IV, pp. 143-150. 291

Cf. Fernando IV, pp. 161 e 183-188.

292 O número de documentos, mesmo se se contarem apenas os publicados em Memorias de Fernando IV, são demasiados para se poderem aqui enumerar. Testemunha pela última vez um diploma de Fernando

IV em Valladolid, a 25 de Abril de 1312, quando é arrolado em primeiro lugar na coluna de confirmantes castelhanos, por baixo dos mestres das ordens (cf. Memorias de Fernando IV, 2º vol., doc. DLXXVIII).

de Afonso VIII, de Henrique I, de Fernando IV e agora tudo previa que viesse a suceder o mesmo com Afonso XI. A nobreza nunca deixaria de aproveitar a existência de um monarca frágil para retirar dividendos e aumentar o seu poder.

3.2.2.2. A luta pela tutoria de Afonso XI e a extinção da linha varonil dos senhores