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CAPÍTULO IV: A EXPERIÊNCIA DA UNIÃO EUROPÉIA

1. A GÊNESE DA CEE

Em 1º de julho de 1944 deu-se evento de singular importância como tentativa de neutralizar novos conflitos, qual seja, a já citada Conferência de Bretton Woods, realizada a partir do urgente anseio, por parte das nações aliadas capitaneadas por Estados Unidos e Inglaterra, pela instauração de novos fundamentos jurídicos, econômicos e políticos para o mundo pós-guerra.

Destacaram-se neste período de intensos debates, como já descrito, duas personalidades (Keynes e White108, dos Estados Unidos e da Inglaterra, respectivamente), que sugeriram a criação do Fundo Monetário Internacional – FMI e do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD. Tais instituições passariam a ser as “controladoras

do novo modelo liberal e internacionalista que, por força dos acordos

108 Relembrando, o Plano White pretendia, essencialmente, promover a estabilidade das taxas de câmbio, que teriam paridade com uma unidade monetária do FMI. Caberia aos Estados, nesse aspecto, diminuir as restrições ao câmbio e as práticas discriminatórias. Já o Plano Keynes pretendia compensar as influências inflacionárias e deflacionárias, instigando os países a equilibrar a balança de pagamentos. Os Estados sofreriam a mínima interferência possível em suas economias. Assim como o Plano White, rejeitava o bilateralismo, em favor da cooperação internacional.

firmados, se tornou o arcabouço jurídico-internacional para ‘a maior expansão econômica da história’.” 109

Os reflexos econômicos da guerra mundial faziam-se sentir de forma diversa na Europa e na América. Os Estados Unidos fortaleceram suas bases econômicas na medida em que atuaram como fornecedores de armas e alimentos aos seus aliados (Inglaterra e França), ao mesmo tempo em que grandes nações vencedoras e vencidas pelo confronto estavam devastadas e sedentas de recuperação.

Nesse quadro, o desafio do modelo Bretton Woods era a “reconceituação do Novo Padrão de Acumulação de Capital pela hegemonia

do dólar, como moeda referencial de cambialização necessária ao novo Modo de Produção Capitalista que, gradualmente, colocaria a MOEDA, e

não o trabalho, como centro de impulso do sistema produtivo.”110

Assim, a moeda passaria a ter rotatividade suficiente para atender às necessidades de financiamento para a reconstrução das economias afetadas pela guerra, sendo neste cenário inadequada a rigorosa e burocrática monitoração fiscalizatória desempenhada pelo FMI e pelo BIRD, pois tais

109 Rosemiro Pereira Leal et al, Curso de direito econômico comunitário..., p. 23. 110 Rosemiro Pereira Leal et al, Curso de direito econômico comunitário ..., p. 25.

instituições não facilitavam para que o dólar atuasse como dirigente das economias.

A primeira tentativa de solucionar a questão surgiu com o Plano Marshall111, lançado em 1948, com a instituição da Organização Européia de Cooperação Econômica – OECE, como a respectiva agência receptora de doações de recursos em dólar destinados a recuperar as economias destruídas pelo conflito mundial. Contemporaneamente, nasciam a Organização das Nações Unidas – ONU e a Organização dos Estados Americanos – OEA, instituições surgidas com propósitos de unionistas em nível mundial.

O Plano Marshall partiu da constatação de dois fatores de risco para os Estados Unidos: primeiro, o fato de as nações vencidas no conflito mundial encontrarem-se economicamente destruídas e as vencedoras acumularem vultosas dívidas; segundo, a ameaça representada pela formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, com pretensões expansionistas.

111 Não se pode olvidar, porém, ter havido, em tempos anteriores, movimentos no sentido de real integração, como o que se deu no Império Romano, da era Napoleão Bonaparte e nas prelações de Winston Churchill: “É

certo que todos os esforços do Velho Mundo possibilitaram a prévia criação de uma expectativa coletiva no espírito dos cidadãos europeus sobre o que deveria ser a integração, até do ponto de vista normativo. Todavia, durante a votação do projeto de lei que criava o Plano Marshall, o Congresso Norte-americano exigiu que os países interessados em receber a ajuda pecuniária fossem agrupados em uma organização econômica, para assegurar que as medidas de reconstrução fossem assumidas em comum.” (Rosemiro Pereira Leal et al, Curso de direito econômico comunitário..., p. 66).

O Tratado de Washington - que instituiu a OECE e foi firmado por Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países-Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia, além de Estados Unidos e Inglaterra, estes associados responsáveis pela logística dos recursos doados - sucedeu o Tratado de Bruxelas, que criara a Organização de Cooperação Militar entre Grã-Bretanha, França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo (BENELUX). Essa última organização é considerada preparatória da assinatura do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, em 1949, que possibilitou que os Estados Unidos da América se posicionassem como líder da defesa comum européia.

Já três anos após a criação da OECE, a Europa iniciou um processo de institucionalização de seu espaço econômico, criando a Comunidade Européia do Carvão e do Aço - CECA, por tratado subscrito por Alemanha, França, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Países-Baixos, que propunha que a produção franco-alemã das duas matérias fosse submetida a uma autoridade comum, em uma organização aberta à participação de outros países. Essa iniciativa foi o primeiro golpe na intenção dos Estados Unidos de levar ao cabo seu verdadeiro propósito de possibilitar a globalização ditada pelos seus próprios padrões culturais, tecnológicos e monetários.

A CECA representou, portanto, a liberalização das economias européias ao controle dos Estados Unidos e a busca da preservação dos estoques reguladores e multilaterais de atendimento das necessidades recíprocas de carvão e de aço, sinalizando com a intenção unionista dos países europeus.

Nessa linha vieram a lume, em 1957, os Tratados de Roma, que instituíram a Comunidade Econômica Européia – CEE, com o objetivo de alcançar estabilidade integrada e crescente, e a Comunidade Européia de Energia Atômica – CEEA, esta tratando do uso pacífico da energia nuclear.

Em 1968 evidenciou-se a conversão, pelos países-membros, da Organização Européia de Cooperação Econômica – OECE em Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, com propósitos de gerenciamento do apoio aos países em desenvolvimento e expressando novamente os objetivos comerciais de dominação do comércio europeu pelos Estados Unidos. Sob o pretexto de contribuir para o desenvolvimento de todos os países europeus, membros ou não da OCDE, a Convenção de Paris deu início à dolarização do mundo, reafirmada pela quebra, em 1971, da paridade ouro e conseqüente flutuação da moeda dólar.

Foi nesse cenário de dominação da economia pelos Estados Unidos que cresceu no mundo europeu o anseio pela criação de um Espaço Político-Econômico Supranacional, dirigido por órgãos que tivessem poderes para se sobrepor à vontade de cada um dos Estados-membros e, desta forma, instituir a proteção regional.

O propósito integracionista ganhou força e, em 1965, foi assinado o Tratado de Fusão, que criou um único Conselho e uma única Comissão para as três Comunidades (CECA, CEEA e CEE), tendo-se registrado as adesões à CEE da Grécia, em 1975; de Portugal e Espanha, em 1977; e de Áustria, Finlândia e Suécia, em 1995.

O Ato Único Europeu, de 1986, trouxe novidades em relação à integração política e o Tratado de Maastrich, de 1992, proporcionou expansão das proposições comunitárias até então abordadas, a elas atribuindo intenções de integração política, como ressalta a doutrina:

“... as modificações introduzidas pelo Tratado de Maastrich implicam, caso se concretizem, um claro aprofundamento do processo de integração política. A União Européia, tendo por pilares fundamentais as Comunidades Européias, e dentro da Comunidade Européia (nova designação da CEE, após Maastrich), a União Econômica e Monetária e a cidadania da União, a política externa e de segurança comum (PESC) e a cooperação no domínio da justiça e dos assuntos internos, e por

missão organizar de forma coerente e solidária as relações entre os Estados membros e entre os respectivos povos, poderá, a prazo, transformar-se num instrumento decisivo de integração política, de

modelo ainda indefinido.” 112

Por fim, o Tratado de Amsterdã, de 1997, trouxe outras inovações.

O grande desafio que ora se impõe à Comunidade é alcançar o processo comunitário, como forma de garantia de igualdade e de liberdade do cidadão comunitário, pois

“O unionismo não é resultado apenas de uma sucessão de fases da qual a zona de livre comércio é a primeira etapa. Mais que ultrapassar a situação de zona de livre comércio, é necessário recepcionar o referencial jurídico indutivo da supranacionalidade, do qual os princípios de controle de jurisdicionalidade são demonstração.” 113