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CAPÍTULO VI: OS EFEITOS POSSÍVEIS DA UNIFICAÇÃO DA MOEDA

5. MECANISMOS DE CONTROLE DE CAPITAL

Resta-nos, por fim, traçar algumas linhas acerca dos reflexos da adoção da moeda unificada sobre os mecanismos de controle de capital.

Os países, em seus regimes particulares, empregam mecanismos de controle do volume de capital estrangeiro ingressado no mercado nacional, seja por conta dos seus efeitos na política econômica, seja por conta dos impactos nas reservas em moedas estrangeiras, seja em razão da limitação da atuação do capital estrangeiro no país.

Nessa medida, podem-se encontrar exigências formais de registro do investimento estrangeiro, produtivo ou especulativo, como se dá com o Brasil, em que o ingresso do capital estrangeiro no país é objeto de procedimento junto ao Banco Central do Brasil, culminando com o registro como Investimento Direto (aquele efetuado em empresas nacionais, com

ânimo de permanência) ou como Portfólio (aquele efetuado com interesse meramente especulativo, nos mercados financeiro e de capitais). 151

George K. Zestos152 também aborda esse tema, ilustrando a variação das contas corrente e financeira:

A conta financeira inclui mudanças nos recursos financeiros líquidos de um país no exterior e mudanças nos recursos financeiros estrangeiros no país. A conta financeira é principalmente dividida em duas subcontas principais: investimento estrangeiro direto (IED) e investimento de portfólio (PI).

Para muitos países, a conta financeira é quase espelho da conta corrente. A conta financeira indica as fontes de financiamento da conta corrente. Por exemplo, nos EUA a conta corrente é negativa enquanto a conta financeira é positiva. Isto significa que estrangeiros trouxeram mais recursos financeiros e reais para os EUA com seus dólares ganhos do que recursos financeiros e reais comprados por cidadãos, negócios e governos americanos no exterior. Nos EUA, as duas contas movem-se em direções opostas, criando uma situação difícil já que um crescimento adicional da conta corrente dos EUA requer um aumento na conta financeira. Um aumento na conta financeira implica que estrangeiros estão disposto a investir seus dólares ganhos, de volta nos EUA.

A posição do Japão é oposta à posição dos EUA (até 2002). O Japão gerou persistentemente grandes superávits de contas correntes e déficits de conta financeira, porém menores; por este motivo, ele tem comprado recursos financeiros nos EUA com os dólares ganhos dos superávits de conta corrente. Uma exceção foi o ano de 2003 quando a conta

151 Ao capital ingressado ao largo da regulamentação do Banco Central do Brasil – Resolução CMN nº 2.689 – e oriundo de país que não tribute a renda, ou o faça com alíquota inferior a 20%, não se aplica o tratamento fiscal privilegiado previsto na legislação, concernente às alíquotas reduzidas de imposto de renda. Ver, nesse sentido, a Lei nº 8.981/95 e a Medida Provisória nº 2.189/01.

financeira japonesa ficou positiva. A Área do Euro difere do Japão e dos EUA porque a conta corrente e a conta financeira são espelho uma da outra e porque elas alternam de positiva para negativa e vice-versa, permanecendo simétricas. A situação da China é única já que a sua conta corrente e sua conta financeira estão aumentando e permanecendo positivas desde 1999. Faz sentido para a conta corrente da China ser positiva e crescente, mas não é óbvio porque a conta financeira da China é positiva e crescente. Tal fenômeno é raro, mas foi observado no passado em outros países.

Tem-se, ainda, restrições à participação do capital estrangeiro em empresas no país, como se dá também no mercado brasileiro, v.g., com relação às instituições financeiras estrangeiras.153

É possível, ainda, o controle da entrada e saída do capital estrangeiro, como instrumento de política monetária, efetuado por meio do estabelecimento de limites à participação do capital estrangeiro154 ou da taxação dos lucros por ele produzidos. 155

A doutrina exemplifica:

152 European monetary..., p. 156.

153 ADCT, art. 52: “Até que sejam fixadas as condições do art. 192, são vedados: I – a instalação, no País, de novas agências de instituições financeiras domiciliadas no exterior; II – o aumento do percentual de participação no capital de instituições financeiras com sede no País, de pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior. Parágrafo único. A vedação a que se refere este artigo não se aplica às autorizações resultantes de acordos internacionais, de reciprocidade, ou de interesse do Governo Brasileiro.” 154 Vide arts. 170 e segs. da Constituição Federal de 1988.

“We have seen that the external interest rates on a particular currency will be constrained by the domestic spread. With de capital controls this may no longer be true. Controls on international capital flows could include quotas on foreign lending and deposits or taxes on international capital flows. For instance, if Switzerland limits inflows of foreign money, then we could have a situation where the domestic Swiss deposit interest rate exceeds the external rate on Swiss franc deposits in other nations. Although foreigners would prefer to have their Swiss franc deposits in Swiss banks in order to earn the higher interest, the legal restrictions on capital flows might prohibit such a response.” 156

Estas e outras formas de controle do capital estrangeiro pelos órgãos reguladores ficam parcialmente desprovidas de sentido a partir do momento em que o país ingressa no sistema de moeda unificada. Isso porque desaparece o pressuposto “ingresso de moeda estrangeira” que possa motivar a ação do Estado-regulador, ao menos no que respeita aos reflexos nas contas de reserva de recursos estrangeiros.

O capital oriundo de outro país integrante do bloco econômico, porém, não obstante seja cursado na mesma moeda, não deixa de trazer a origem estrangeira. A atuação dos órgãos reguladores será afetada pela

155 Nesse sentido, por força da Lei nº 4.131/62 os lucros e dividendos remetidos a investidor estrangeiro, que excedessem a 12% do valor do investimento registrado no Banco Central do Brasil, eram tributados em até 60%.

156 Michael Melvin, International money and finance. Fifth edition. United States: Addison – Wesley, 1997, p. 234. Tradução livre: “Vimos que as taxas de juros externos sobre uma determinada moeda será limitada pelo spread interno. Com os controles de capital isso pode não ser mais verdade. Controles sobre fluxos internacionais de capital podem incluir quotas em empréstimos estrangeiros e depósitos ou taxas em fluxos de capital internacional. Por exemplo, se a Suíça limitar entradas de capital estrangeiro, podemos ter uma situação onde a taxa de juros sobre depósitos domésticos excederá a taxa externa para depósitos em francos

adoção de pacto entre os países integrantes do bloco, relativos aos limites de participação no mercado nacional. É o que se deu na Comunidade Econômica Européia, em que se privilegiou os princípios do reconhecimento mútuo das

legislações e do controle dos estabelecimentos bancários pelo país de origem,

como bem ressalta a doutrina:

“Na seqüência do AUE, a Comunidade estabeleceu um programa de construção de um espaço financeiro europeu (EFE). Este implicou a

eliminação de entraves e discriminações à liberdade de circulação de capitais, a liberalização do mercado de serviços financeiros prestados por bancos, seguradoras, bolsas de valores, etc., e, sobretudo, a realização de um mercado comum bancário até o fim de 1992. Como

corolário da criação do EFE surgiu a necessidade de uma harmonização mínima das regras de supervisão dos estabelecimentos financeiros e de protecção dos depositantes (aforradores). Esta seria efectuada essencialmente através de dois princípios em que assenta o mercado comum bancário, o do reconhecimento mútuo das legislações e o do controlo dos estabelecimentos bancários pelo país de origem. Com efeito,

a segunda Directiva de Coordenação Bancária (89/646/CEE), que introduziu a figura da licença comunitária única, com base na qual uma autorização dada pelo país de origem de uma instituição bancária terá efeitos automáticos válidos para toda a Comunidade, podendo assim esta instituição prestar livremente serviços em todo o território comunitário, tornou-se um instrumento decisivo de aceleração de todo este processo.”157

suíços em outros países. Apesar de os estrangeiros preferirem depositar seus francos suíços em bancos suíços, para ter juros melhores, as restrições legais sobre o fluxo de capitais pode proibir esta prática.” 157 António Carlos Santos; Maria Eduarda Gonçalves; Maria Manuel Leitão Marques. Direito económico, p. 479, grifos do original.

Mais adiante os autores ilustram o tema, em abordagem que vale ser transcrita pelo efeito esclarecedor da dimensão do reflexo desta diretriz no mercado português158:

“Ficam habilitadas para o exercício da actividade, entre nós, através de

sucursais, sem necessidade de qualquer autorização prévia do Banco de Portugal, as instituições de crédito autorizadas no país de origem, quanto este seja um país da CE (princípio do reconhecimento mútuo da autorização).

Basta, para esse efeito, que o Banco de Portugal receba da autoridade de supervisão do país de origem uma comunicação contendo certas informações relevantes (programa de actividade, identificação dos responsáveis, montante dos fundos próprios e rácios de solvabilidade da instituição-mãe, sistemas de garantia).

A supervisão da actividade destas instituições compete às autoridades do país de origem (home country-control). No entanto, elas devem ainda

observar a lei portuguesa, designadamente as normas reguladoras das operações com o exterior e das operações sobre divisas, bem como normas determinadas por razões de interesse geral, entre as quais as relativas à supervisão da liquidez, à execução da política monetária ou ao dever de informação sobre operações efectuadas no território português.”

CAPÍTULO VII: REFLEXOS DA UNIFICAÇÃO DA MOEDA