• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO V: ALGUMAS LINHAS SOBRE O MERCOSUL

1. MERCOSUL E MOEDA UNIFICADA

O fato de a América Latina vir sendo marcada pela instabilidade política e econômica motivou o nascimento de iniciativas com vistas à promoção do desenvolvimento, por meio de associações dos países que a integram.

Nesse sentido pode-se citar o Congresso Anfictiônico do Panamá, de 1826, que pretendia a reunião das ex-colônias espanholas da América; os tratados políticos assinados no Congresso de Lima, em 1947 e 1948 (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru), e no Congresso de Santiago do Chile, em 1856 (Chile, Equador e Peru).

Data de 1948 a Carta de Organização dos Estados Americanos, criada com o objetivo de promover a solidariedade entre os Estados da

América, incrementando a colaboração mútua, a defesa da soberania, a integridade territorial e a independência.

Nesse mesmo ano surgiu a CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, que apoiava a necessidade de ser criada uma união aduaneira entre os países. Com o apoio da CEPAL, Brasil, Argentina, Chile e Uruguai cogitavam, em meados de 1950, o estabelecimento de uma zona de livre comércio, firmando um tratado para a formação de um Mercado Comum latino-americano que fundaria as bases do Tratado de Montevidéu.

O contexto histórico trazia fatores que contribuíram para a integração econômica, dentre os quais o custo da tecnologia de bens e serviços monopolizados pelas empresas multinacionais; o interesse na diversificação de mercados; a mão-de-obra barata e os recursos minerais abundantes na América latina; e a necessidade de criação de entidades econômicas supranacionais para fazer face à competitividade da economia mundial.

Diante desse quadro, foi assinado, em 1960, o Tratado de Montevidéu, que estabeleceu a Carta da Associação Latino-Americana de

Livre Comércio – ALALC. Integravam o documento Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Peru, México e Paraguai, seguidos por Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela. Esse Tratado, com enfoque meramente mercantil, foi prejudicado pela instabilidade política por que passava a região.

Em 1980 surgiu a Associação Latino-Americana de Integração - ALADI, desta vez em iniciativa voltada para a liberação do comércio regional por meio de mecanismos de redução tarifária.

Data de 1991 o Tratado de Assunção, assinado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, que instituiu o Mercosul e estabeleceu prazo até 1994 para a implantação do mercado comum. Protocolos adicionais autorizaram a formação gradativa de uma união aduaneira.

Segundo Maria de Fátima Ribeiro124, o Tratado de Assunção teria novamente tornado evidente que a adoção de medidas político- econômicas não mais se pode fazer no âmbito de um Estado, exigindo-se a concretização de um novo espaço econômico que possibilite incrementar e dar agilidade ao intercâmbio entre os países integrantes. Para tanto é necessário

adotar novas políticas econômicas, que levem em conta não apenas aspectos quantitativos, mas também qualitativos, a fim de que se alcance uma integração comercial, política, social e econômica. Conclui a autora, assim, que

A formação desse bloco econômico segue a tendência mundial, em vista do fenômeno da globalização e da regionalização da economia, tendo como objetivos, com a implementação de um mercado comum, a união de forças econômicas e comerciais em benefício dos países integrantes. Com isso, deve consolidar-se sobre a abertura externa das economias nacionais, definindo normas que irão delinear o sistema de comércio de bens, serviços, investimentos e tecnologia.”

Ainda segundo a doutrina,125

“Optaram, os signatários, por fomentar a livre circulação de bens, serviços e dos chamados fatores produtivos, no espaço intra-regional, através da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente. Comprometeram-se ao estabelecimento de uma tarifa externa comum e à adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados, além da coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-partes, harmonizando suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.”

124 O EURO e as perspectivas ..., p. 17.

Em 1994, com a definição de uma Tarifa Externa Comum, chegou-se ao estágio de união aduaneira, mas há, no âmbito do Mercosul, a preocupação com o desenvolvimento de políticas macroeconômicas comuns, no que tange à política cambial, à política monetária e à política fiscal.

Os movimentos de cunho integratório pretendidos pelo Mercosul, porém, não vêm logrando êxito, em parte em razão dos regimes autoritários que se instalaram nos países latino-americanos, em parte por outras razões, tais quais a falta de complementariedade das economias envolvidas; a dependência dos centros econômicos mais avançados e excluídos da área de integração; o desnível socioeconômico e cultural existente entre os países-membros e, por fim, a falta de vontade política dos governos e a instabilidade institucional.126

Mas, como ressalta Leal127,

“os países latino-americanos, embora distantes dos centros comerciais formados pelas nações mais desenvolvidas do mundo, assistiram ao surgimento de regiões formadas por blocos de países, podendo, então, antever a nova conformação geo-política-econômica que o mundo viria a presenciar com o passar dos anos, em face da realidade de que o espaço

126 Celso Ribeiro Bastos & Ives Gandra da Silva Martins. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1998, p. 465-466.

mundial se tornaria ocupado por grupos de nações movidas por ideais de cooperação, e não de isolamento.”

A adoção da moeda única no âmbito do MERCOSUL foi discutida pelos Estados-membros na Reunião do Conselho do Mercado Comum que, em julho de 1998, assinaram, em Ushuaia, documento que prevê sua criação. Embora não haja data definida para essa unificação monetária, os ministros da economia e os presidentes dos Bancos Centrais dos Estados- membros acordaram em realizar reuniões periódicas com vistas à coordenação de políticas macroeconômicas entre os países do bloco, além de Bolívia e Chile, tendo em mente a necessidade de aprimorar o processo de integração com iniciativas relacionadas a aspectos que podem facilitar, no futuro, a adoção da moeda única.

A proposta inicial de Ushuaia previu a circulação gradativa da moeda única, com sua instituição definitiva e global no prazo máximo de catorze anos. Há, porém, uma série de aspectos pendentes de negociação que entravam sua adoção, como, por exemplo, a definição dos critérios de convergência macroeconômica128, a moeda a ser utilizada, a sede e a direção

128 Maria de Fátima Ribeiro informa que o BNDES, por meio do economista Fábio Giambiagi, sugere a adoção, para o MERCOSUL, de critérios de convergência econômica mais rígidos do que os adotados para os países europeus: em 2006, déficit nominal máximo de 2,5% do PIB; dívida pública máxima de 40% do PIB; e teto inflacionário máximo de 4%, antes da adoção da moeda única, reduzido para 3% após sua adoção. (O EURO e as perspectivas ...., p. 19).

do Banco Central unificado e a forma como as decisões serão tomadas por esta última instituição.

Há previsão de criação desse Banco Central supranacional e independente para a região, a quem competirá executar a política econômica do MERCOSUL, além de administrar o valor da moeda, interna e externamente.

A criação da moeda comum reduziria os custos de transação e de conversão de moedas, além de eliminar incertezas cambiais. Sua implantação propiciaria a promoção do crescimento harmônico e integrado dos países que o compõem, diminuindo, ao longo prazo, a desigualdade regional. Porém, os obstáculos são muitos129, o que leva a concluir que a união monetária não poderá ser feita imediatamente. Há que se tomar toda cautela, sob pena de implantar a instabilidade, pois, conforme muito bem adverte Maria de Fátima Ribeiro130,

Embora sendo ainda as decisões tomadas pelo consenso de todos os países, a implantação de uma moeda única deve ser tratada com cautela, para alcançar uma moeda estável. Com a estabilidade da moeda haverá

129 Maria de Fátima Ribeiro arrola as características do sistema monetário de cada um dos países, para concluir que “as diferenças existentes entre a legislação argentina, uruguaia e paraguaia são insignificantes

quando comparadas com a legislação brasileira, com referência ao controle de câmbio, por exemplo. A harmonização entre os primeiros países demonstra ser mais fácil e bem mais complexa em se tratando do alcance da legislação brasileira.” (O EURO e as perspectivas..., p. 19-21).

estímulo a novos investimentos, inclusive estrangeiros, favorecendo a economia do bloco. No entanto, o êxito dessa experiência futura requer uma atuação gradual, sem medidas bruscas e desestabilizadoras.”

Parece, porém, inevitável que se caminhe para a moeda única no âmbito do MERCOSUL pois, como preleciona Letácio Jansen131,

“A instituição de uma moeda única regional no Mercosul tornou-se,

afinal, uma prioridade, que nos ajudará a superar, inclusive, problemas financeiros internos que ainda nos ameaçam.”

O autor pondera, entretanto, argumentos favoráveis e contrários à adoção da moeda única no Mercosul. Dentre os primeiros aponta que a moeda única poderia ser vista como:

a) solução para as inconsistências de uma integração incompleta;

b) forma de evitar riscos de retrocesso no processo de integração;

c) oportunidade de ganho de credibilidade; e

d) combinação de interesses nacionais complementares.

a) o Mercosul foi constituído 1994 de modo voluntariamente anêmico, do ponto de vista jurídico, e como tal permanece;

b) não obstante tenha sido positivo para Brasil e Argentina, há dúvida se uma maior integração no Mercosul resolve ou cria mais problemas;

c) a importância da coordenação de políticas econômicas, inclusive cambial e monetária, é hoje maior do que a da moeda;

d) uma moeda única depende de um mercado totalmente unificado e integrado;

e) é importante que o Mercosul constitua um espaço econômico verdadeiramente unificado e com pleno funcionamento da concorrência e o alinhamento dos objetivos de todas as políticas macroeconômicas de seus países-membros, inclusive na área cambial;

f) o Mercosul não está “maduro” o suficiente para a adoção da moeda única, que constitui a etapa final de um processo de convergência de políticas

131 A retórica do Mercosul e a moeda única regional. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 354, p. 383.

macroeconômicas e de coordenação de políticas cambiais, que só tem sentido numa fase mais avançada do mercado comum.

Comungamos com a opinião do autor, no sentido de que

“Os defensores da idéia da moeda única devem deixar de pensar na sua instituição como última fase de um processo, e passar a vê-la da perspectiva de início apontada, como norma de nível constitucional, nacional e internacional. Em conseqüência, deve-se dar partida, desde logo, aos estudos para a implantação da moeda única, de modo que as providências políticas e econômicas, que também se impõem, possam correr paralelamente.

Não estamos presos, necessariamente, ao exemplo europeu de criação da moeda única, específico daquela região e de uma determinada conjuntura histórica e sistema político. Não há caminhos ‘inevitáveis’ a serem seguidos pelos países do Mercosul.

A instituição e uma moeda única no Mercosul – que poderia chamar-se ‘sul’ ou ‘sur’ – constitui não só uma alternativa à dolarização da nossa economia, como a melhor garantia da estabilidade duradoura do Real.”132

CAPÍTULO VI: OS EFEITOS POSSÍVEIS DA UNIFICAÇÃO