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CAPÍTULO II: A MOEDA NO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E INTERNACIONAL

1. MOEDA E SISTEMA FINANCEIRO

O conjunto de moedas utilizadas num país, por imposição legal, chama-se Sistema Monetário. Compõem esse conjunto:

a) a moeda metálica, que são as reservas de barras de ouro retidas no Banco Central e utilizadas para saldar dívidas com o comércio exterior ou outras liquidações internacionais;34

b) o papel-moeda, que são as cédulas e moedas emitidas pelo governo; e

c) a moeda escritural, ou seja, a moeda dos bancos, constituída pelos lançamentos a crédito dos correntistas, que se concretizam apenas em seus registros e circulam em forma de cheques e ordens de pagamento.

34 Essa prática, ao que nos parece, encontra-se em desuso em face da ampla circulação de ordens de pagamento internacionais, da moeda escritural e do papel-moeda.

Ao lado das moedas estão as quase-moedas, que são os ativos do sistema financeiro não monetário: ORTN, LTN, BTN, NTN, depósitos de poupança, depósitos a prazo, todos compromissos assumidos pelo governo, com alta liquidez.

Um sistema monetário é caracterizado pela presença de alguns fatores35: unidade básica (entre nós, o Real); símbolo (R$); a divisão da unidade (cada Real divide-se em cem centavos de Real); a emissão (efetuada por meio do BACEN, nos termos da CF/88); as espécies representativas e suas características (as cédulas e moedas de Real); o valor de equivalência (em relação à moeda anterior); a circulação (curso forçado); prazo de vigência (indeterminado); o recolhimento (conforme regulamentação pelas autoridades monetárias).

O sistema financeiro36 compõe-se das instituições financeiras que o operacionalizam, fazendo uso de instrumentos financeiros para viabilizar a transferência de recursos dos poupadores (que têm volume de recursos maior do que seu dispêndio) aos tomadores (que têm perfil de consumo maior do que a renda disponível). Tais instituições são responsáveis, ainda, por criar condições de liquidez de títulos financeiros no mercado.

35 José Nabantino Ramos. Sistema brasileiro..., p. 168, tratando, porém, do Cruzeiro, moeda em vigor quando da edição da obra.

As instituições financeiras que atuam no meio bancário são agrupadas em instituições financeiras bancárias (ou monetárias) e instituições

financeiras não-bancárias (ou não-monetárias). As primeiras têm a faculdade

de criar moeda (conforme mecanismo já descrito), enquanto as segundas, por não ostentarem autorização para receber depósitos à vista, não o fazem. As instituições financeiras bancárias (Banco Central e bancos comerciais) emitem ativos financeiros monetários (papel-moeda e depósitos à vista em bancos comerciais) e as instituições financeiras não-bancárias emitem ativos financeiros não-monetários (depósitos de poupança, letras de câmbio, certificados de depósito bancário, etc., alguns também emitidos pelas instituições financeiras bancárias).

As operações do mercado financeiro são segmentadas conforme suas características em:

1) mercado de crédito, em que atuam os bancos comerciais, bancos de investimento e financeiras, voltados a financiamentos e empréstimos de curto e médio prazo para aquisição de bens de consumo correntes e duráveis, além de capital de giro;

2) mercado de capitais, integrado por bolsas de valores e instituições financeiras (especialmente não bancárias) que atuam na compra e venda de ações e títulos da dívida em geral, financiando capital de giro e capital fixo das sociedades anônimas de capital aberto;

3) mercado monetário, onde o Banco Central atua para controlar o nível de liquidez da economia, caracterizado pelas operações financeiras de curto e curtíssimo prazo (operações de overnight e financiamento de desencaixes dos bancos); e

4) mercado cambial, onde se dão operações de compra e venda de moeda estrangeira, por meio de bancos comerciais e empresas, intermediados pelas corretoras de câmbio ou por bancos múltiplos com carteira de câmbio.

Alexandre Galvão e Érico Ribeiro37 diferenciam o setor primário do setor real, para ressaltar que, enquanto no primeiro se realizam as operações de geração de bens e de serviços não financeiros, no segundo se dão as operações de custódia, intermediação e compensação de ativos “não reais” (moeda, títulos de crédito, ações e outros papéis negociáveis).

e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências.

37 Mercado financeiro. Uma abordagem prática dos principais produtos e serviços. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2006, p. 1-2.

Citam os autores três condições para que ocorra a intermediação financeira, propiciando a evolução até os níveis de implantação de um sistema financeiro. Primeiro, o sistema de trocas deve ser desenvolvido, maduro e complexo, de modo a possibilitar o abandono do estágio primitivo do escambo, em que não há a intervenção monetária. Depois, é necessário que haja agentes, naquele sistema, que possuam déficit e que possuam superávit, dispostos a financiar deficiências de caixa e ofertar excedentes, respectivamente. Por fim, é essencial a criação de instituições responsáveis por regular o funcionamento do mercado de intermediação. É digno de transcrição o comentário que fazem acerca destas condições:

“A primeira condição destaca uma obviedade. Em um sistema econômico em que as trocas se estabelecem por meio de escambo, não existe moeda nem mesmo na forma primitiva de mercadoria. As trocas são diretas, sem intervenção de quaisquer bens que as facilitem. E, não havendo moeda, não há intermediação de ativos que atendam a necessidades de liquidação das operações praticadas, O ato de troca é, por ele mesmo, um ato de liquidação. As atividades dos agentes econômicos restringem-se à produção, ao intercâmbio direto, ao consumo e à estocagem de ativos reais. A poupança assume a forma de aumento de estoques de ativos produzidos e não consumidos: é uma reserva real. E os investimentos definem-se pela produção e acumulação de determinados tipos de ativos reais, cuja destinação é servir como novos instrumentos de produção. Tudo se passa, assim, em um único setor. Da produção às trocas, tudo se limita ao mundo real.

Trata-se, na realidade, de uma forma primitiva de interação dos agentes econômicos. O sistema é de eficiência precária. Há bloqueios naturais à especialização e à divisão do trabalho. Mas as forças impulsoras do

desenvolvimento, que se estabelecem quando as trocas se avolumam, sobretudo na presença de crescente e cada vez mais diversificado número de bens transacionáveis, levam ao aparecimento da moeda (em um primeiro estágio), ao uso da moeda que se estabeleceu como reserva de valor (em um segundo estágio) e, finalmente, junto com o sistema monetário criado (em um terceiro estágio), ao aparecimento de uma nova forma de transação, a de intermediação das reservas de valor. É nesse estágio que, enquanto uns agentes acumulam essas reservas e outros a procuram, cria-se um mercado em que a transferência do poder de compra se processa mediante ganhos para os poupadores e custos para os que financiam suas operações.

Estabelece-se, assim, a segunda condição definida: a existência de agentes superavitários e deficitários. (...)

Claro que, teoricamente, em uma economia em que todos os agentes econômicos operam em rigorosas situações de equilíbrio, quanto aos seus dispêndios correntes e às suas projeções orçamentárias, não há lugar para um mercado de excedentes financeiros. Por outro lado, ainda no plano teórico, mesmo que existam agentes com superávits e outros com déficit, podem ser estabelecidas transações diretas de financiamento entre eles, ainda sem a intervenção de um intermediário. Daí, então, a terceira condição: para que existam intermediários, exige-se a criação de bases institucionais para que esse tipo de agente possa operar. É nesse caso que se estabelece um sistema financeiro com canais de captação de excedentes de caixa e de sua destinação para agentes que se encontram em situação deficitária.” 38

Os entes intermediantes das operações financeiras obtêm seus ganhos pela diferença entre os juros cobrados dos entes deficitários, que lhes geram operações ativas, e os juros pagos aos entes superavitários em operações passivas. Essa diferença entre taxas de captação e de aplicação – o

spread – destina-se à cobertura dos custos operacionais e de risco do intermediário, consistindo o excedente na remuneração de sua atividade empresarial.

Não obstante a crítica dirigida à remuneração do banqueiro, cabe destacar os seguintes benefícios da sua atividade de intermediador39 :

a) a eficiência operacional, em face do desenvolvimento de um mercado institucionalizado para as transações com os ativos disponíveis;

b) a especialização, gerada da exigência que recai sobre os agentes no sentido da aguçada capacidade de julgamento e previsão, a fim de que os excedentes sejam administrados com maior profissionalismo;

c) a diluição dos riscos, ocasionada pela abrangência do processo de intermediação, que se estende por diferentes regiões e atividades;

d) o ganho de eficácia na alocação dos excedentes financeiros, decorrente do desenvolvimento da capacitação dos agentes para selecionar empreendimentos financiáveis conforme critérios comparativos de rentabilidade e risco;

e) o descasamento seguro de prazos40, uma vez que os agentes intermediários captam os recursos de agentes superavitários a prazos diferentes, possibilitando que o giro das captações permita-lhes a realização de operações de empréstimo e financiamento a prazos médios superiores aos que ocorreriam nas operações diretas; e

f) a expansão dos fluxos reais, já que a intermediação financeira possibilita a conversão dos excedentes dos agentes superavitários em operações de crédito, para o giro do processo produtivo, para o consumo ou para a formação de capital fixo.

Não deixam, porém, os autores de destacar os pontos negativos da intermediação41:

“Obviamente, aos benefícios evidentes da intermediação financeira contrapõem-se custos privados e sociais. Já destacamos que o spread, suportado pelos mutuários, é um desses custos. Quando ele atinge níveis muito altos, pode-se desencadear, em direção oposta à do desenvolvimento do mercado financeiro, um lento e inexorável processo de desintermediação, destrutivo do próprio sistema, caso não seja interrompido. Praticamente tudo o que foi destacado como justificativas

39 Alexandre Galvão e Érico Ribeiro. Mercado Financeiro. Uma abordagem …, p. 7-9.

40 As operações ativas e passivas dos agentes intermediários são realizadas em quantidades tais que permitem a administração do fluxo de recursos de maneira mais eficiente do que o que ocorreria sem o seu envolvimento.

sociais das funções de intermediação pode ser negativamente atingido por spreads avantajados.

Entre os custos sociais mais evidentes dessa situação, pode-se destacar pelo menos três: 1. a postergação de projetos de investimento produtivo, sob a expectativa de rebaixamento das taxas cobradas dos tomadores de financiamentos; 2. a inviabilização de vários projetos pela comparação clássica entre a eficiência marginal do capital (seqüência de rendimentos líquidos em períodos futuros a valor atual) e os juros praticados no mercado financeiro; e 3. a incapacidade de negócios que passem por situações conjunturais difíceis de superarem as contingências momentâneas, dada a agressividade das taxas praticadas nas operações financeiras de socorro temporário.”

A demanda de moeda é determinada por três fatores: demanda

por motivo transacional, qual seja, aquela voltada para pagamento de bens e

serviços); demanda por motivo precaucional, motivada pela necessidade de proteção contra eventos inesperados; e demanda por motivo de especulação, fundada na taxa de juros em confronto com custos de oportunidade e consistente em operações de mercado com o objetivo de ganhos, decorrentes desses juros ou da valorização dos ativos reais representados por papéis negociáveis.

Quando a demanda total de moeda, formada pelo somatório dos três tipos arrolados, equivaler a oferta de moeda, haverá equilíbrio no mercado monetário, que estará pautado pela taxa de juros de equilíbrio. O

aumento da oferta de moeda desequilibrará a equação e gerará diminuição da taxa de juros, e vice-versa.

A decisão de investir toma em conta a taxa de juros vigente no mercado, na medida em que o empresário, no momento de decidir acerca do investimento, comparará o custo de aquisição do bem de capital e a renda dele esperada com a taxa de juros do mercado. Como regra geral, será vantajoso o investimento produtivo sempre que a taxa de retorno do investimento no bem de capital exceder a taxa de juros praticada no mercado. Caso contrário, a tendência é de que o empresário opte pelo investimento especulativo (realizado nos mercados financeiro ou de capitais).

Tais fatos evidenciam de que forma as autoridades monetárias podem atuar no estímulo ao crescimento da economia. Se houver aumento da oferta monetária, a taxa de juros reduzirá e o investimento produtivo crescerá, o que poderá elevar o nível de renda da população. No caminho inverso, se for reduzida a oferta monetária, a taxa de juros aumentará e o investimento

produtivo cairá, o que poderá, também, diminuir o nível de renda da população. 42

Compete ao Estado, portanto, assegurar a liquidez ideal da economia, via formulação de adequada política monetária, ou seja, adoção de medidas com o objetivo de controlar a oferta de moeda e a taxa de juros.43 Os principais instrumentos utilizados para interferir nas reservas bancárias e nas taxas de juros são44:

1. controle direto na quantidade de moeda em circulação, via restrições à emissão;

2. operações no mercado aberto, ou seja, compra e venda de títulos públicos, pelo BACEN;

42 Geraldo Camargo Vidigal chama a atenção para o reflexo da oferta de moeda nos preços dos bens (Teoria

geral ..., p. 187). Parece-nos que o problema todo se focaliza na identificação do ponto de equilíbrio do sistema. Isso porque o aumento da oferta monetária e a redução da taxa de juros com o intuito de estimular o investimento produtivo e o conseqüente acréscimo no nível de renda traz o aumento do poder de consumo que, se não incrementado na mesma medida da produção, muito provavelmente desencadeará o fenômeno inflacionário via aumento de preço dos produtos e serviços.

43 Geraldo Camargo Vidigal bem acentua a necessária atuação do Estado para garantir, via estabilidade da moeda, o desenvolvimento da economia: “Embora o regime de múltiplos padrões internos de valor permita a

convivência dos processos inflacionários com a perseguição do desenvolvimento e do bem-estar, a disciplina jurídica da moeda há de dedicar-se ao esforço de criar padrão de valor estável. O privilégio emissor e o controle da rede bancária pelo Banco Central permitem ao Estado a escolha do caminho a percorrer. A consciência dos mecanismos da moeda evidenciará a necessidade ética da resistência à sedução, aos equívocos e aos vícios das soluções inflacionárias.” (Teoria geral..., p. 189).

3. fixação da taxa de reserva, ou seja, da quantidade de recursos depositados à vista nos bancos que devem ser recolhidos ao BACEN (o chamado depósito compulsório); e

4. fixação da taxa de redesconto, ou seja, aumento ou diminuição da taxa de juros cobrada pelo BACEN dos bancos comerciais em razão dos empréstimos a eles concedidos para cobrir eventuais problemas de liquidez, decorrentes da insuficiência das reservas voluntárias.

N. Gregory Mankiw elenca os seguintes instrumentos de controle monetário utilizados pelo Federal Reserve - Fed45: operações no mercado aberto, exigência de reservas e taxa de redesconto, para concluir dizendo que

“... em um sistema bancário de reservas fracionárias, a quantidade de moeda da economia depende em parte do comportamento de depositantes e banqueiros. Como o Fed não pode nem controlar nem prever perfeitamente esse comportamento, ele também não pode controlar perfeitamente a oferta de moeda. Contudo, se o Fed estiver atento, esses problemas não serão grandes. O Fed levanta informações semanais a respeito dos depósitos e das

reservas dos bancos, de modo que em pouco tempo está ciente de quaisquer mudanças no comportamento de depositantes e banqueiros. Deste modo, pode atuar em função das alterações registradas, mantendo a oferta de moeda próxima aos níveis desejados.” 46

Mediante o uso de tais instrumentos, o Estado interfere na oferta de moeda e, portanto, atua na taxa de juros; no custo e na disponibilidade de crédito; na expectativa acerca da futura taxa de juros; e na riqueza privada.