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CAPÍTULO II: A MOEDA NO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E INTERNACIONAL

3. O SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL

3.1. Moeda e direito internacional

3.1.2. O período pós-Bretton Woods

No período de 1944 a 1970, a estabilidade da paridade e a liberdade de câmbio pautaram o cenário internacional, cabendo aos Estados Unidos defender a paridade dólar-ouro. O sistema financeiro internacional apoiou-se na solidez e na estabilidade da economia norte-americana.

O país, porém, perdeu o controle sobre a inflação, o que gerou seu endividamento externo até o ponto em que a quantidade de ativos que possuía no estrangeiro equivalia ao total das reservas em ouro.

A cooperação internacional estende-se aos Bancos Centrais, não se limitando, portanto, ao Fundo Monetário Internacional. A título exemplificativo veja-se que, no século XIX, França e Inglaterra já prestavam auxílio excepcional e recíproco, via remessa de ouro. Nos dias de hoje há acordos de troca (os chamados swaps), que traduzem venda de moeda nacional com o compromisso de recompra a termo, com prazo e câmbio pré- fixados.

Em 1930 criou-se o Banco Internacional de Pagamentos60, sociedade anônima regida pelo direito suíço cujos acionistas são bancos centrais, bancos norte-americanos que participaram de sua criação, estabelecimentos financeiros de terceiros países e particulares que adquiriram ações vendidas ao público pelos acionistas citados. A finalidade do Banco Internacional de Pagamentos é efetivar pagamentos financeiros que lhe tenham sido confiados por acordos específicos.

Destaca-se, ainda, a União Monetária do Oeste Africano, criada em 1962, e a conclusão, em 1965, pelos Estados da ALALC, de um tratado multilateral de clearing, pelo qual os bancos podem conceder “linhas de

crédito recíproco sob as garantia mútua de convertibilidade e transferibilidade.” 61

3.1.3. As décadas de 70 e 80

A década de 70 se iniciou com uma crise do sistema financeiro internacional, que afetou primeiramente as moedas européias e, depois, o dólar, de forma que, em 1971, o presidente norte-americano suspendeu a convertibilidade do dólar em ouro.

Envidou-se, ainda, esforços para afastar a crise, que culminaram com a formulação de um acordo que previa a desvalorização do dólar, a valorização do marco, do florin, do franco belga e do yen, autorizando-se margens de variação de índice de paridade em torno de 2,25%.

Pôs-se em evidência a necessidade de reforma do sistema monetário internacional, iniciando-se uma etapa de desorganização do sistema, que conduziu a nova desvalorização do dólar, em 1973, o que manteve o eixo monetário entre os países europeus.

As paridades fixas propostas nos acordos de Bretton Woods foram substituídas pelo regime de paridades flutuantes em 1976, nos acordos de Kingston, na Jamaica, ocasião em que também se abandonou o padrão câmbio-ouro.

A partir de então, abandonaram-se os acordos internacionais e a cooperação dos bancos centrais e se passou a obedecer ao impulso dos fenômenos de desenvolvimento espontâneo que marcaria a década: os eurodólares e os petrodólares.

Os petrodólares surgiram em razão dos excedentes financeiros em mãos dos países exportadores de combustível, decorrentes da alta de preços do barril do combustível verificada nos anos de 1973 e 1979.

As economias desses países, porém, eram incipientes para absorver tais excedentes. Os bancos comerciais passaram, com certas práticas e feições jurídicas, a encontrar soluções para a aplicação dos petrodólares na economia dos mercados industrializados, países importadores de petróleo.

Como descreve Ileana Di Giovan Battista62,

62 Derecho..., p. 44. Tradução livre: “... quando os bancos norteamericanos se viram impedidos por sua legislação de outorgar créditos aos países da Europa Oriental, fizeram-no através de suas filiais na Europa. Sendo a regulamentação bancária de direito público e de aplicação estritamente territorial, os juristas

“... cuando los bancos norteamericanos se vieron impedidos por su legislación nacional de otorgar créditos a los países de Europa Oriental, lo hicieron a través de sus fíliales en Europa. Siendo las regulaciones bancarias de derecho público y de aplicación estrictamente territorial, los juristas entendieron que las mismas no regían sobre los dólares que no se encontraban dentro de la jurisdicción territorial de los Estados Unidos. Y empezaram a otorgarse entonces préstamos en ‘eurodólares’ – dólares inscriptos en los registros bancarios situados en Europa – a los países comunistas.

Surgieron así los conceptos de ‘eurodólar’, ‘eurodivisa’ y ‘euromercado’.

El ‘eurodólar’ es el dólar depositado, objeto de transacciones o escrituras contables, fuera del territorio de Estados Unidos.

‘Eurodivisa’, por analogia, es todo depósito en moneda convertible efectuado en bancos que se encuentran fuera de la zona de circulación legal de la moneda en cuestión (fuera del territorio del país que la emite).

El ‘euromercado’ es el mercado integrado por eurodivisas, distinguiéndose el ‘euromercado monetario’ (depósitos y créditos a corto plazo es decir plazos menores de 18 meses) y el ‘euromercado de capitales’ (operaciones a mediano y largo plazo).”

Seguiu-se uma explosão de liquidez internacional, já que um volume muito grande de recursos ficou concentrado nos bancos comerciais, o

entenderam que as mesmas não se aplicavam aos dólares que não se encontravam dentro da jurisdição territorial dos Estados Unidos. E começaram-se a outorgar então empréstimos em ‘eurodólares – dólares inscritos nos registros bancários situados na Europa – aos países comunistas.

Surgiram assim os conceitos de ‘eurodólares’, ‘eurodivisa’ e ‘euromercado’.

O ‘eurodólar ‘ é o dólar depositado, objeto de transações ou escrituração contábil, fora dos Estados Unidos. ‘Eurodivisa’, por analogia, é todo depósito em moeda conversível efetuado em bancos que se encontram fora da zona de circulação da moeda em questão (fora do território do país que a emite).

‘Euromercado’ é o mercado integrado por eurodivisas, distinguindo-se o ‘euromercado monetário’ (depósitos e créditos a curto prazo, isto é, prazos menores que 18 meses) e o ‘euromercado de capitais’ (operações a médio e longo prazo).”

que fez com que os referidos bancos iniciassem uma ferrenha competição para conceder empréstimos aos países industrializados e aos países em desenvolvimento.

Os países industrializados, porém, vinham aplicando políticas deflacionárias e de restrição monetárias que, aliadas ao regime de condicionalidade aplicado pelo Fundo Monetário Internacional para a concessão de empréstimos e à facilidade de sua obtenção junto aos bancos comerciais a altas taxas de juros, terminou por formar as origens da crise da dívida verificada na década de 80.

Mais uma vez, é Ileana Di Giovan Battista quem sintetiza63:

“Em síntesis, a partir de la década del 70 el sistema monetário y financiero internacional experimenta uma expansión considerable. El hemisfério norte se transforma en un âmbito en el que proliferan los productos de la creación jurídico-financiera; sobrevienen en él câmbios de magnitud y proyecciones no siempre previsibles o controlabes y puede hablarse de la evolución del sistema monetário hacia la integración en un único, vasto y multiforme ‘sistema financiero internacional. “

63 Derecho..., p. 46. Tradução livre: “Em síntese, a partir da década de 70 o sistema monetário e financeiro internacional experimenta uma expansão considerável. O hemisfério norte se transforma em um ambiente em que proliferam os produtos da criação jurídico-financeira; sobrevêem nos câmbios de magnitude e projeções nem sempre previsíveis ou controláveis e pode-se falar da evolução do sistema monetário até a integração em um único, vasto e multiforme ‘sistema financeiro internacional’.

De fato, a década de 80 foi marcada, de início, pelos problemas relacionados ao pagamento da dívida externa de México e Brasil. A crise, então, generalizou-se.

As práticas restritivas que vinham sendo adotadas pelos países em desenvolvimento cumpriram sua função de controlar a inflação; porém, o custo foi altíssimo: uma intensa recessão, que teve seu ponto alto em 1982, quando se registrou índice negativo no crescimento do comércio internacional.

Nesse mesmo ano, era alto o índice de endividamento externo dos países em desenvolvimento, impulsionado pela disponibilidade de créditos comerciais e pelo crescimento dos níveis de depósito de petrodólares. No entanto, a expansão dos créditos outorgados pelos bancos comerciais a esses países, a crescente proporção das carteiras dos bancos, a alta porcentagem de créditos concedidos em curto prazo e a persistência das altas taxas de juros passaram a incomodar os próprios credores.

Os bancos, então, diante desses receios, passaram a reduzir severamente os níveis de crédito a tais países, o que gerou o achatamento dos movimentos de capital.

Nesse cenário é que o México, em 1982, anunciou que não poderia honrar com suas obrigações, o que resultou na imposição de um plano econômico draconiano, acompanhado da disponibilidade dos recursos financeiros necessários, mas com permanência da dívida mexicana ativada nos balanços dos bancos, geradoras de grandes distorções.

Assim tomaram evidência as suspeitas de que outros países não pudessem honrar suas dívidas, com a cessação generalizada dos pagamentos, afetando a estabilidade do sistema internacional e o comércio mundial.

A segunda parte da década de 80 foi marcada pela desregulamentação do sistema, cuja manifestação mais expressiva foi o big

bang: em outubro de 1986, a praça financeira de Londres eliminou as barreiras existentes entre os jobbers (tomadores de posição nas Bolsas) e os

brokers (intermediários que não podem tomar posições nas Bolsas); e entre os

agentes de Bolsa e os bancos e outras entidades financeiras, permitindo a sua associação.

Esse fenômeno, que se estendeu para os Estados Unidos, Japão, Alemanha, Hong Kong, Singapura e Austrália, trouxe alguns efeitos:

a) o ingresso dos bancos nos negócios bursáteis, com o conseqüente afluxo de capitais em negócios não bancários e operacionais dos bancos, as operações “fora de balanço”, ou seja, excluídas das obrigações e garantias exigidos pelos Bancos Centrais;

b) a explosão dos negócios bursáteis, com a saturação do sistema de informática utilizado para controle;

c) a miscigenação entre os mercados de moeda e de títulos ou ações, e entre os mecanismos tradicionais de mercado de capitais e a especulação, com o entrelaçamento das atividades dos bancos, dos agentes bursáteis, das tesourarias das grandes empresas multinacionais e dos detentores de capital para ingresso na ciranda financeira;

d) o surgimento e o crescimento de novos instrumentos financeiros e de espécies de estabelecimentos financeiros para atender à demanda desse tipo de atividade; e

e) o surgimento da geofinanças, representada pela integração financeira e pela constituição de um mercado mundial de capitais.

Por conta do traço desregulamentador evidenciado na época, deu-se a queda das barreiras até então existentes entre o euromercado e os mercados financeiros americanos e europeus e, ainda, entre os mercados de capitais e a intermediação bancária.

Formou-se, então, um mercado de não-residentes, que não era regulado por nenhuma lei nacional, mas apenas por práticas consuetudinárias dos bancos e dos agentes financeiros. Havia uma enorme massa monetária móvel e sensível a fatores externos políticos - especulativos ou psicológicos - que ameaçavam o controle soberano das moedas e das políticas monetárias.

A década de 80 assistiu, assim, ao crescimento acentuado dos instrumentos criados com vistas à captação financeira e aumento da velocidade de circulação dos recursos. Eles veicularam as operações “fora de balanço”, pelas quais os bancos recebem comissões, mas têm responsabilidades reduzidas.

3.1.4. Os anos 90

O ano de 1989 foi marcado pelo crescimento, diversificação e reconstrução das reservas oficiais dos Estados Unidos, que comprou grandes

quantidades de yens e marcos. Tratava-se do primeiro passo para consolidar um sistema multi-divisas, estabelecendo uma desvinculação entre o déficit na balança de pagamentos americana e a debilidade do dólar e o crescimento das reservas mundiais.

Também há incremento do mercado de câmbio, sugerindo que o comércio internacional gera apenas parte das operações cambiais, já que se faziam fortemente presentes o fluxo internacional de capitais, as tomadas de posição, as arbitragens e as coberturas inerentes à gestão de riscos. Tendo em vista que as operações se concentraram nos países com forte expansão bancária, constatou-se a relação com os negócios puramente financeiros.

A inversão de fundos no mercado financeiro em 1989 foi expressiva, bem como o volume de créditos. Estes estiveram concentrados em empresas privadas dos Estados Unidos e do Reino Unido, e eram destinados a financiar fusões e aquisições de companhias, a altas taxas de juros e comissões, e oportunidades nos mercados secundários.

O mercado de euro-obrigações, por sua vez, retrocedeu ao mesmo tempo em que as obrigações comerciais dos mercados nacionais cresceram, o que evidencia a revitalização dos mercados nacionais, sob os

efeitos positivos da desregulamentação financeira imposta pelos governos dos principais países.

O fenômeno dos fluxos invertidos – consistentes na transferência dos fundos dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos em montante superior aos novos empréstimos – que caracterizou a década de 80 persistiu nos anos 90. México beneficiou-se do Plano Brady e reduziu sua dívida externa e seu estoque de ouro. O endividamento dos demais países latino-americanos também foi reduzido.