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Origens, conceito, evolução histórica, teorias

CAPÍTULO III: MECANISMOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAL

1. DA ZONA DE LIVRE COMÉRCIO À UNIFICAÇÃO MONETÁRIA

2.1. Origens, conceito, evolução histórica, teorias

Telma Berardo75 aponta que a origem do termo soberania é duvidosa, advindo do baixo latim superanitas ou do latim vulgar superanus.

Enrique Ricardo Lewandowski76 caminha no mesmo sentido:

75 Soberania: um novo conceito? Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 40, 2002, p. 22.

“Nem mesmo quanto à origem da palavra ‘soberania’, que se incorporou

ao vocabulário dos principais idiomas europeus, a exemplo de

souveranité, no francês, sovereignty, no inglês, sovranità, no italiano, Souveranität, no alemão, existe unanimidade. Ao que parece, ela teria

surgido de superamus, expressão empregada na Idade Média,

proveniente do baixo latim, que designava qualquer funcionário investido de autoridade superior, embora alguns mencionem também o vocábulo superaneitas ou ainda supremitas, de cujo sentido preciso

pouco se conhece.”

O conceito de soberania é objeto de divergência doutrinária77 e, por se constituir num dos elementos fundamentais do Estado, vem-se alterando ao longo do tempo. Como ressalta Maria de Fátima Ribeiro78, citando Oldemar Azevedo, “o conceito de soberania está condicionado à

história e espelha as circunstâncias de cada época histórica, suas idéias, seus

sucessos, enfim, os fatos acontecidos no tempo e no espaço.”

Telma Berardo79 expõe que a divergência doutrinária existente acerca da teoria monista e da teoria dualista80 influencia a soberania, o que, no seu entender, explicaria, de certo modo, a existência de defensores da idéia de soberania bipartida (interna e externa).

76 Globalização, regionalização e soberania. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 200. 77 Telma Berardo, Soberania..., p. 22.

78 O euro e as perspectivas de implantação de uma moeda única no Mercosul. Revista de Direito

Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 31, 2000, p. 23. 79 Soberania..., p. 22.

80 Para os adeptos da teoria monista, as normas de direito interno e as normas de direito internacional compõem uma única ordem jurídica, subsumindo-se o direito interno ao direito internacional, ou vice versa. Já os adeptos da teoria dualista tratam-nas como ordens jurídicas distintas, dependendo aplicabilidade das normas de direito internacional de mecanismos de integração à ordem jurídica interna.

Lewandowski81 indica que foi Max Weber que produziu clássico estudo sobre o poder, no começo do século XX, que serviu de referência para todas as posteriores análises do tema. Segundo o autor, Weber cogitou que o uso da força, única e exclusivamente, não poderia dar base às relações de mando e obediência, ao longo do tempo: fazia-se necessário o apoio na legitimidade do poder.

Weber identificara, então, três tipos de poder:

1) o poder legal, próprio das sociedades modernas, cuja legitimidade advém do ordenamento jurídico, que cuida do processo de escolha do seu detentor e das formas com que pode ser exercido;

2) o poder tradicional, que se arrima na tradição, na premissa de que o poder é exercido desde tempos imemoriais; e

3) o poder carismático, que se fundamenta nas características pessoais do chefe (a personalidade do líder), destacando seus dons religiosos, suas habilidades militares ou seu prestígio político (o profeta, o guerreiro ou o demagogo, respectivamente).

Destaca, então, o autor que na Antiguidade predominavam os tipos puros ou mistos de poder tradicional ou carismático, enquanto, no Estado Moderno,

“... a legitimidade do poder passou a repousar crescentemente sobre a lei. E, nesse contexto, a soberania, entrevista como summa potestas,

atribuída primeiro ao monarca, depois à nação e finalmente ao Estado, foi pouco a pouco adquirindo contornos jurídicos, que iriam constituir limites objetivos à sua atuação.” 82

Venilto Paulo Nunes Júnior83 argumenta que “o conceito de

soberania aflora, tal como hoje o conhecemos, no final do século XVI,

visando dar legitimidade ao absolutismo monárquico”, lembrando que o

poder político, na Idade Média, alicerçou-se no tripé Igreja, Império Romano e grandes senhores e corporações. Porém, com o enfraquecimento do poder da Igreja, entre os séculos X e XII, a transferência dos Papas para Avignon (1309), o Cisma do Ocidente (1378-1429) e a Reforma Protestante (1517), fundou-se um vazio político na Europa Medieval, no seio do qual emergiram a rivalidade entre Estados e as lutas armadas.

81 Globalização..., p. 198. 82 Globalização..., p. 200.

83 O conceito de soberania no século XXI. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 42, 2003, p. 146.

Segundo o autor84, foi nesse cenário que surgiu o conceito de soberania, visando a dar legitimidade e significância ao poder político dos reis:

“Foi Jean Bodin que, em Os seis livros da República (1583), deu especial

atenção ao tema, e formulou o conceito de soberania (souveraineté), atribuindo o poder absoluto e perpétuo ao Rei, estando este apenas sujeito à lei natural e a mais ninguém. ‘O soberano, vitalício, podia renunciar ao poder, transferindo a prerrogativa a quem lhe aprouvesse. O Rei só prestava juramento a Deus, a quem estava em consciência obrigado a prestar contas.’

Bodin assim definiu república: ‘Republique est um droit gouvernement de plusiers mesnages et de ce qui leur est comum avec puissance souveraine’ (República é o justo Governo de muitas famílias, em perfeita identidade com o que lhes é substancialmente comum com a essência do próprio poder soberano).

Sob o espeque de tal conceito, o soberano procedeu à substituição do poder pulverizado dos senhores feudais e passou a ocupar uma posição de destaque no panorama político. O surgimento histórico do conceito de soberania significou a negação de subordinação ou limitação do Estado por qualquer outro poder, passando este a encerrar um poder supremo e independente.

Carla Amado Gomes85 ressalta que, na versão latina da obra de Bodin, consta que a summa potestas não se limita por nenhum poder superior: “é o poder mais alto sobre os indivíduos e não está sujeito às leis.” Entende, porém, que não se pode concluir, do pensamento de Bodin, que o soberano

está acima de qualquer lei, pois cabe a distinção: “o soberano está acima das

leis particulares do país que governa, mas enquanto membro da comunidade geral da raça humana, está sujeito à lei divida e à lei das nações.”

Ainda segundo a autora, a soberania de Bodin deveria ser independente (“absoluta”) internamente, na medida em que a regulação jurídica por ela imposta se torna efetiva independentemente da concordância dos súditos; e, externamente, com as limitações da lei divina e da lei das nações.

José Fernando Cedeño de Barros86 traz de forma interessante a mesma observação sobre esses limites do poder soberano:

“Bodin conclui que o Príncipe não tem compromissos com o direito das

gentes (Direito Internacional), senão com seus próprios editos, e se o Direito das Gentes está eivado de iniqüidades, o Príncipe pode derrogá- lo por seus editos em seu reino e proibir aos seus súditos de utilizá-los. O Príncipe pode fazer o que quiser, como, por exemplo, estabelecer o direito à escravidão (lícita, na época), desde que ele não faça nada contra a lei de Deus. Pois se a Justiça é o fim da lei, a lei é obra do Príncipe e o Príncipe é a imagem de Deus, é preciso, por essa mesma razão, que a lei do Príncipe seja feita conforme o modelo da lei de Deus.”

85 A evolução do conceito de soberania. Tendências recentes. Revista de Direito Mercantil, Industrial,

Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros Editores, v. 111, 1998, p. 58.

86 Soberania: contribuição para a construção de uma teoria geral do direito da integração econômica. Revista

A soberania, portanto, no conceito de Bodin, sustenta que a essência do Estado é a unidade de poder, que transforma uma mera associação de seres humanos em entidade Estatal e manifesta-se no poder de fazer leis e impô-las aos subordinados, independentemente de sua concordância:

“A soberania implica o poder discricionário que o soberano exerce

sobre o conjunto de instrumentos normativos que coordenam o convívio social em direção a uma sociedade juridicamente organizada.” 87

Depois de Bodin, Thomas Hobbes desenvolveu o conceito de soberania, atribuindo-lhe uma visão jusnaturalista, acompanhando o surgimento do Estado Contratual.88 Para a corrente jusnaturalista, a soberania encontra-se intimamente ligada aos limites do poder do Estado, de forma que “o grau da outorga dos direitos dos súditos ao soberano, seja maior ou

menor, influi diretamente na existência de limites mais ou menos abrangentes do poder estatal.”

Posteriormente evidenciou-se a divisão da teoria clássica da soberania em duas vertentes: a corrente francesa, integrada por Leon Dugüit e Charles Rousseau, e a corrente alemã, de Jellinek.

87 Patrícia Luíza Kegel. Soberania e supranacionalidade dos Estados-membros da União Européia: o “point of no return” da integração regional. In: Direito da integração – estudos em homenagem a Welter R. Faria. Curitiba: Juruá, v. 2, 2001, p. 274.

Para os adeptos da corrente francesa, da soberania bipartida, deve-se focar o tema sob duas óticas:

a) do ponto de vista do direito interno, a significar que os Estados são, dentro de seu território, soberanos na medida em que não se atribui a nenhum outro ordenamento superioridade em relação a eles; e

b) do ponto de vista das relações entre os Estados, pressupõe-se que cada Estado é soberano e a relação entre eles é de igualdade, ou seja, não há subordinação entre um e outro. Por conta disso, a subordinação de cada um deles às normas de direito internacional depende da expressão de sua concordância, e os Estados só se obrigam entre si por mútuo consentimento.

Os defensores dessa teoria acreditam que há, externamente, relação de autonomia entre os Estados e, internamente, a consideração de dois aspectos: um positivo, expresso no poder de dar ordens incondicionadas, e outro negativo, consistente no direito de não receber ordens de ninguém. Deflui, portanto, dessas considerações que a soberania seria incondicionada, pois não encontraria limites além daqueles que impõe a si mesma.

Essa teoria da soberania absoluta passou a ser criticada no início do século XX, sob o fundamento de, por pressupor um mundo de Estados isolados, não encontrar correspondência com a realidade.

Em contraposição à corrente francesa, a corrente alemã parte do princípio de que a soberania é una, devendo ser vista sob uma só ótica, seja internamente, seja externamente.

Encabeçada por positivistas, essas novas idéias sobre a soberania pregam que ela seja vista “sob o aspecto estritamente jurídico e,

consequentemente, submetida aos limites postos pelo direito; deste modo a soberania encontra nas normas jurídicas os seus limites.” 89

Essa teoria também não escapou às críticas, especialmente sob o fundamento de que a imposição de limites, mesmo que jurídicos, implicaria a destruição do próprio conceito de soberania.

Das teorias clássicas da soberania se extrai algumas características essenciais: a soberania é absoluta, já que não há poder maior que o seu; a soberania é indivisível, pois se aplica a todos os fatos ocorridos no Estado; e a soberania é inalienável, sob pena de seu desaparecimento.

Nas palavras de Lewandowski90, a unidade “significa que não

pode existir mais de um poder supremo num mesmo âmbito territorial, sob

pena de incorrer-se em verdadeira contradictio in terminis.” Já a

indivisibilidade “significa que a soberania, sob pena de desaparecer, não

pode perder nenhuma de suas distintas competências, não se admitindo tampouco a transferência destas a outra entidade, porquanto integram um todo único.” E, por fim, a inalienabilidade “significa que a soberania não

pode ser cedida ou transferida a outra pessoa, sob pena de desaparecer.”

Conforme chama a atenção Venilto Paulo Nunes Júnior91, a grande maioria da doutrina aborda o tema soberania sob a ótica de duas teorias: as teorias democráticas e as teorias teocráticas. Arrola o autor:

a) Teoria da soberania absoluta do rei, com origem no absolutismo

monárquico, na França, e patrocinada por Bodin. Para essa corrente, a essência da soberania reside no poder supremo de editar e derrogar leis. A soberania é vista como poder perpétuo, absoluto e indivisível, mas que, não obstante, limita-se pelo direito natural;

89 Telma Berardo. Soberania..., p. 25. 90 Globalização..., p. 236-237. 91 O conceito de soberania..., p. 147.

b) Teoria da soberania popular, patrocinada por Hobbes e Rousseau, com o intuito de justificar o poder monárquico, apoiada no contrato social e compatível com todas as formas de governo. A soberania é vista como soma das frações de soberania de cada indivíduo como membro da comunidade estatal, que detém parcela do poder soberano fragmentado e participa da escolha dos governantes. Essa teoria se ampara, portanto, no sufrágio universal e na igualdade natural dos cidadãos. Sustenta, ainda, a igualdade natural dos Estados e identifica um “direito estatal ilimitado de apreciar as

situações e determinar suas conseqüências.” 92;

c) Teoria da soberania nacional, surgida em resposta à preocupação dos

revolucionários franceses com o despotismo e a onipotência das multidões, abordando o tema via solução jurídica, política e social e aceitando a limitação da participação da vontade popular. A legitimidade do exercício da soberania pela burguesia extrai-se do povo, de modo que a parcela de soberania detida por cada um do povo, conforme a teoria da soberania popular, cede passo à soberania da Nação: Povo e Nação constituem uma só entidade, dotada de vontade própria e destino, corpo político vivo e atuante, que exerce a soberania por meio de seus representantes. Esta teoria trouxe a gênese da teoria sobre o poder constituinte, dominou toda a França pós-

revolução e cristalizou-se na Declaração dos Direitos do Homem e na Constituição Francesa de 1791;

d) Teoria da soberania do Estado, de origem germânica e austríaca, que

caminha em sentido oposto à teoria da soberania nacional. Jellinek e Ihering pregavam que a soberania consiste na capacidade de autodeterminação do Estado por direito próprio e exclusivo, e não como extensão do direito do povo, exercido por meio de seus representantes. O Estado antecede o direito e é sua fonte, de forma que a soberania é um poder de direito com origem e justificativa na vontade do próprio Estado, teoria que deu certo grau de legitimidade aos Estados totalitários. Esta soberania ignora o direito natural e se apresenta como poder ilimitado e absoluto, legitimando toda forma de coação estatal, que nada mais é do que a realização da vontade soberana de que detém esse poder;

e) Teoria negativista da soberania, defendida por Preuss e Duguit, que enfoca a soberania como dado histórico e qualidade do poder do Estado, mas não seu elemento essencial. Defende tratar-se de conceito abstrato e identifica Estado, direito, nação e governo como uma só realidade, negando a existência do direito natural ou de qualquer outra ordem jurídica;

f) Teoria realista ou institucionalista da soberania, que defende a

soberania como atributo do Estado. Sustenta que Estado e Nação compõem uma só personalidade, aquele representando a realidade jurídica e esta, a realidade sociológica. “Soberania e poder constituinte encontram-se com uma

simetria inarredável, posto que é a própria soberania que permite que o poder constituinte seja acionado para reverter uma situação de desconforto dos fatores reais de poder com relação aos ditames da Constituição vigente.” 93

Telma Berardo94 também apresenta a posição de diversos autores, conforme abaixo se sintetiza.

a) Jean Bodin

Primeiro autor a tratar do tema de forma sistemática, Bodin desenvolve-o em quatro capítulos de sua obra “Os seis livros da República”, assim definindo soberania:

“Sovereignty is the perpetual power of a commonwealth, wich the Latins

call maiestas; the Greeks akra exousia, kurion arche, and kurion politeuma; and the Italians segnioria, a word they use for privite persons as well as for those who have full control of the state, while the Hebrews call it tomech shévet – that is, the highest power of command. We must

93 Venilto Paulo Nunes Júnior. O conceito de soberania..., p. 150. 94 Soberania... , p. 26-35.

formulate a definition of sovereignty because no jurist or political philosopher has defined it, even though it is the chief point, and the one that needs most to be explained, in a treatise on the commonwealth.” 95

Não obstante as obras que citam Bodin passem a idéia de que, para esse jusnaturalista, a soberania é ilimitada, essa não é a sua visão, pois o poder absoluto e perpétuo do Estado sujeita-se à lei natural e à lei divina. É dizer, para Bodin a soberania é absoluta, dentro dos limites postos pela lei natural e pela lei divina.

O poder soberano existe na medida em que o povo o conceda e transfira, por generosidade, ao soberano. O poder conferido ao soberano é, ainda, reflexo do poder divino, de forma que os súditos devem obediência a ele, que, por sua vez, edita as leis, que têm por modelo as leis divinas.

A obra de Bodin traz, ainda, a gênese das idéias de consentimento e interesse público, na medida em que preceitua que os acordos celebrados pelo soberano em nome do Estado e que a ele tragam benefício devem ser respeitados pelos sucessores, especialmente se houve

95 Ressalta a autora que não foi encontrada tradução para o português da obra de Bodin. A citação foi extraída do livro On sovereignty – Four chapters from the six books of the Commonwealth, Combridge: Cambridge University Press, 1992. Arriscamos a seguinte tradução livre: “Soberania é o poder perpétuo de uma

commonwealth, que os latinos chamam maiestas; os gregos akra exousia, kurion arche e kurion politeuma; e os italianos segnioria, uma palavra que eles usam tanto para indivíduos como para quem controla o estado, enquanto que os Hebreus a chamam de tomech shévet – isto é, o maior poder de comando. Devemos formular uma definição para soberania porque nenhum filósofo, jurista ou politico a definiu, mesmo sendo ela peça- chave, e aquela que mais precisa ser explicada, num tratado sobre a commonwealth.”

consentimento dos Estados. Se, porém, se fizer ausente esse consentimento, o acordo não será válido, mas será cumprido se for proveitoso para o público.

b) Thomas Hobbes

Jusnaturalista, Hobbes acredita que os homens se submetem às leis e ao poder de forma tal que torne a desobediência desvantajosa, tudo com o intuito de alcançar a convivência pacífica. A criação do Estado, então, para Hobbes, é artificial, e sua concepção visa a trazer segurança por meio da renúncia, pelos homens, da parcela de poder que detêm, em favor de uma única pessoa. Trata-se do “Pacto de União”, pelo qual os homens são obrigados a obedecer ao que o detentor do poder ordenar e concordam em ceder seus poderes ao soberano, desde que todos os outros também o façam. A conquista do poder soberano pode ocorrer pela força – Estado de aquisição – ou pelo consenso – Estado por instituição.

A soberania de Hobbes, porém, parece ser mais absoluta do que a de Bodin, pois nunca residiu no povo, mas surge da união do poder que se encontrava fragmentado em cada súdito. O poder soberano de Hobbes tem a função de regular a propriedade, o direito de declarar a guerra e a paz e de escolher ministros; tem autoridade judicial; e pode executar normas, recolher impostos, organizar exércitos e atribuir títulos de honra.

Para Hobbes, a soberania é absoluta, pois houve total transferência dos poderes dos súditos para o soberano, de tal forma que não se poderia falar em limites ao poder soberano em razão da reserva de direitos aos cidadãos, porque apenas com o pacto surgem a soberania e o povo. Assim, a soberania é absoluta, ilimitada e perpétua, idéia que permeou os Estados absolutistas.

c) Leon Duguit

Este autor parte das transformações ocorridas com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e nega a idéia de soberania conforme o modelo anterior. Para Duguit, a soberania está no seio da nação (soberania nacional) e o seu exercício não pode ser atribuído ao povo. A luta pela liberdade individual e os valores afirmados na Declaração constituem valores anteriores e limitadores da soberania nacional. A nação é a fonte e o titular da soberania:

“La soberanía es una voluntad que tiene em sí el carácter propio y exclusivo de no ser impulsada más que por sí misma (...) Jamás una voluntad soberana puede ser impulsada a obrar porque otra voluntad quiera que obre en tal o cual sentido. El soberano no puede ser impulsado jamás a obrar porque existan hechos o actos extraños a su propia voluntad que ello le obliguen. Todas las ampliaciones, todas las

definiciones que se han dado de la soberanía, todas conducen a esta fórmula.” 96

A soberania de Duguit é una, porque não há, num território, mais de um poder soberano; inalienável, sob pena de suicídio da nação; e indivisível, porque não pode ser fragmentada sem que disso restem apenas vontades individuais.

O autor não acredita que a vontade soberana da nação seja oriunda da soma das vontades parciais dos indivíduos que a compõem, pois o todo é superior à união das partes. Se a nação não possui vontade, menos ainda a ficção “soberania”.

No que diz respeito ao relacionamento entre os Estados, a teoria da soberania da nação se divide: numa primeira corrente, defende-se a