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A Gestão do Sistema Único de Saúde: Características e Tendências

No documento SaudenoBrasil (páginas 45-48)

V – Eqüidade na forma de participação no custeio. VI – Diversidade da base de financiamento.

VII – Caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comu- nidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados (Brasil, 1988)”.

Neste contexto de articulação e integração das políticas sociais, estabeleceram-se os funda- mentos que orientaram a seção sobre a saúde, alvo de ataques sucessivos a partir dos anos 90. O conceito será desmontado, na prática, pela divisão administrativa e orçamentária que se seguirá, com a diminuição da proteção previdenciária, o estrangulamento financeiro da assistência social e a substituição de um caráter universal pelo desenvolvimento crescente de ações focalizadas de transferência de renda.

Contudo, o art. 196, sobre a saúde, servirá de ferramenta para a construção normativa que se seguirá à Constituição e permitirá a formação de uma aliança significativa de atores em defesa des- ses princípios. Reza o artigo que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido median- te políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

O SUS conforma o modelo público de prestação de ações e serviços de saúde brasileira, incorpo- rando novos instrumentos gerenciais, técnicos e de democratização da gestão. Em sua concepção ori- ginal, visa a integrar os subsistemas de saúde pública e de assistência previdenciária – os ramos da medicina preventiva e curativa – assim como os serviços públicos e privados, em regime de contrato ou convênio em um sistema único e nacional, de acesso universal e igualitário. Para concretização des- tes objetivos, propõe-se a organização do sistema de saúde de forma regionalizada e hierarquizada, sob o comando único em cada nível de governo, segundo as diretrizes da descentralização adminis- trativa e operacional, do atendimento integral à saúde e da participação da comunidade (Brasil, 1988).

2. Considerações sobre a década de 90

A implementação do SUS inicia-se nos primeiros anos da década de 90, após a promulgação das leis federais da saúde (8.080 e 8.142 de 1990) e de várias portarias emitidas pelo Ministério da Saúde como instrumentos de regulamentação do sistema. Posteriormente, reformulam-se os papéis e funções dos entes governamentais na gestão de unidades e do sistema de saúde, ado- tam-se novos critérios de distribuição e transferência de recursos, criam-se e ampliam-se as ins- tâncias colegiadas de negociação, integração e decisão, envolvendo a participação dos gestores, prestadores, profissionais de saúde e usuários.

No entanto, é preciso considerar que implementar o SUS, em sua concepção original significa romper com o modelo sobre o qual o sistema de saúde brasileiro foi estruturado ao longo de vá- rias décadas, em uma conjuntura político-econômica internacional e nacional bastante desfavorá- vel à consolidação de políticas sociais abrangentes e redistributivas. Se por um lado o contexto de crise econômica e democratização nos anos 80 favoreceu o debate político na área da saúde, que se refletiu nos avanços da Constituição de 1988 e em mudanças objetivas no sistema, nos anos 46

90, a concretização dos princípios do SUS será continuamente tensionada por diversos obstáculos estruturais e conjunturais (Levcovitz & cols., 2001).

Os obstáculos estruturais estão relacionados, para alguns autores, a dois grupos básicos de pro- blemas que se colocam para os sistemas de proteção social latino-americanos: (1) um primeiro grupo relacionado ao alto grau de exclusão e heterogeneidade (que não é plenamente resolvido por programas sociais) e aos conflitos entre esforços financeiros, sociais e institucionais para cons- truir sistemas de políticas sociais em confronto as restrições impostas pela estrutura socioeconô- mica dessas sociedades; e (2) um segundo grupo de ordem institucional e organizacional, repre- sentado pelas características predominantes desses sistemas – centralização excessiva, fragmen- tação institucional, frágil capacidade regulatória e fraca tradição participativa da sociedade (Drai- be, 1997).

Entretanto, esses empecilhos não podem ser analisados apenas sob a perspectiva interna, pois como nos mostra Fiori (1997): “Em 1989, um economista norte-americano chamou de Con- senso de Washington ao programa de políticas fiscais e monetárias associadas a um conjunto de reformas institucionais destinadas a desregular e abrir as velhas economias desenvolvimen- tistas, privatizando seus setores públicos e enganchando seus programas de estabilização na oferta abundante de capitais disponibilizados pela globalização financeira. Chegava desta ma- neira à periferia capitalista endividada, e em particular à América Latina, uma versão adaptada das idéias liberal-conservadoras que já se difundiam pelo mundo desde o início da ‘grande res- tauração’. (.…) em pouco tempo, também estas regiões do espaço hegemônico norte-america- no encontravam-se perfeitamente enquadradas pelas novas idéias e submetidas às novas re- gras e formas de administração coletiva das suas políticas econômicas”. Os constrangimentos externos gerados pela aplicação do “Consenso de Washington” foram responsáveis pelo apro- fundamento da desordem econômica com conseqüente agravamento da crise, forçando restri- ções econômicas e orçamentárias que impediram maiores avanços nas políticas sociais.

No Brasil, os obstáculos estruturais, acima ressaltados, se expressam nas profundas desigual- dades socioeconômicas e culturais – inter-regionais, interestaduais, intermunicipais, nas caracterís- ticas do próprio federalismo brasileiro e nos traços do modelo médico-assistencial privatista sobre o qual o sistema foi construído.

Um dos principais desafios para a consolidação do SUS, portanto, é resolver os problemas his- tórico-estruturais do sistema de saúde, com destaque para a superação das profundas desigualda- des em saúde, compatibilizando a afirmação da saúde como direito de cidadania nacional com o respeito à diversidade regional e local. Isso implica uma mudança substantiva no papel do Estado nas três esferas de governo, o fortalecimento da gestão pública com finalidades diferenciadas no âmbito nacional, estadual e municipal, a definição de competências para cada esfera de governo e o desenvolvimento de ações coordenadas, buscando articular princípios nacionais de política com decisões e parâmetros locais e regionais.

Em relação aos obstáculos conjunturais, ressalta-se a repercussão no Brasil da onda conserva- dora de reformas em vários países, no plano político, econômico e social, a partir da década de

1980, com graves conseqüências e retrocessos históricos no processo de construção da cidadania social. Noronha e Soares (2001) chamam a atenção para o forte conteúdo político-ideológico e ne- oliberal das reformas implementadas, conduzidas por políticas de ajustes, que seguiram a uma agenda elaborada pelos organismos multilaterais de financiamento.

Essas tendências se expressam nos anos 90 no País por meio da adoção de políticas de aber- tura da economia e de ajuste estrutural, com ênfase, a partir de 1994, nas medidas de: (a) esta- bilização da moeda; (b) privatização de empresas estatais; (c) adoção de reformas institucionais orientadas para a redução do tamanho do Estado e do quadro de funcionalismo público, incluindo a agenda de reforma da previdência e a reforma do aparelho do Estado; (d) mudanças nas rela- ções de trabalho, com aumento do segmento informal, do desemprego estrutural e fragilização do movimento sindical; (e) desregulamentação dos mercados.

Tais mudanças tornam bastante complexa a manutenção de políticas sociais universais mesmo nos países desenvolvidos e, em países como o Brasil, onde não existem sistemas de proteção social consolidados, têm repercussões ainda mais graves. Desta forma, pode-se dizer que o projeto de se- guridade social para o Brasil e os princípios da reforma sanitária brasileira, inscritos na Constituição de 1988, são construídos na contracorrente das tendências hegemônicas de reforma dos Estados nas duas últimas décadas e sua implementação nos anos 90 sofre a influência dessas tendências.

3. A implantação do SUS nos anos 90: aspectos críticos

No documento SaudenoBrasil (páginas 45-48)

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