• Nenhum resultado encontrado

As Conferências de Saúde e os Con selhos de Saúde

No documento SaudenoBrasil (páginas 71-74)

Transferência de responsabilidades e construção de capacidades gestoras

10. As Conferências de Saúde e os Con selhos de Saúde

Com o intuito de concretizar a diretriz do SUS de participação da comunidade, a Lei nº 8.142/90 ins- tituiu duas importantes instâncias colegiadas: as conferências de saúde e os conselhos de saúde. A existência dessas instâncias é coerente com pelo menos três idéias principais: (1) a necessidade de concretização do controle social, que expressa o ob- jetivo de controle da sociedade sobre o Poder Públi- co e as políticas de saúde (o ideal da democracia participativa)19; (2) o esforço de construção de uma

gestão participativa, que pressupõe que o processo

de formulação e implementação da política de saúde pelos gestores deva ser compartilhado com a sociedade e (3) a necessidade de acúmulo de capital social, para propiciar um círculo virtuoso en- tre a sociedade organizada a as instituições públicas na saúde, que rompa com os padrões tradicio- nais de comportamento político de nossa sociedade (clientelismo, patrimonialismo, personalismo) e com a corrupção institucionalizada20.

A origem das conferências de saúde precede a publicação das Leis Federais da saúde em 1990, uma vez que já haviam sido realizados eventos desse tipo mesmo antes da década de 1980. Des- taca-se como um marco para a Reforma Sanitária brasileira a realização da 8aConferência Nacional

de Saúde em 1986, no contexto de democratização do país, que reuniu cerca de 4.000 pessoas de diversos segmentos da sociedade brasileira, para discutir os problemas e propor soluções para a área da saúde. No bojo dessa Conferência se fortaleceram os princípios e diretrizes que deveriam orientar a construção do novo sistema de saúde e nortearam os debates na Comissão Nacional da Reforma Sanitária e na Assembléia Constituinte, sendo finalmente incorporados ao texto constituci- onal de 1988.

A Lei Federal de nº 8.142/90 veio, portanto, reafirmar e legitimar o papel das Conferências de saúde como eventos que têm como objetivo principal a definição de diretrizes gerais para a polí- tica de saúde, devendo ser realizados nacionalmente a cada quatro anos e contar com ampla par- ticipação da sociedade, sendo a representação dos usuários paritária a dos demais segmentos (re-

71

19 Costa & Noronha (2003) enfatizam outras alter- nativas de importância estratégica para a efetiva- ção do controle social, por participação direta da sociedade ou através de voto. Entre eles:(a) o voto sufragado na escolha dos governantes (executivos e legislativos) das diversas esferas de governo; (b) Plebiscito criado pela Constituição Federal; Art. 14 – I; (c) Projeto de Lei de iniciativa popular, criado pe- la Constituição Federal; Art. 27 § 4º e Art. 29 inciso XI; (d) Ministério Público, definidas suas atribuições na Constituição Federal, Cap. IV, Seção I e respecti- vos artigos; (e) Órgãos de Defesa do Consumidor, regulamentados nos termos da Constituição Fede- ral, Art. 5º – XXXII e Art. 170 – V; (f) Mobilização Po- pular, através dos mecanismos próprios das entida- des populares e sindicais e (g) Meios de comunica- ção próprios dos Conselhos e a mídia em geral. 20 Numa apreciação crítica sobre o tema, Labra (2002 a) evidencia as diversas interpretações e concepções ideológicas associadas ao conceito de capital social. Por outro lado, recupera as contribui- ções de Robert Putnam que afirma que o capital social se refere às redes de intercâmbio social (as- sociações comunitárias, cooperativas, partidos polí- ticos, entre outros), cujas características centrais – confiança, reciprocidade e cooperação – contribuem para o melhor desempenho das instituições públi- cas e fortalecem a democracia, pois facilita a solu- ção dos dilemas da ação coletiva.

presentantes do poder público, dos profissionais de saúde, dos prestadores de serviços). Posterior- mente, a 9aConferência Nacional de Saúde recomenda a periodicidade de realização das Confe-

rências em cada esfera de governo: as conferências municipais devem ser bianuais e as estadu- ais, à semelhança das nacionais, a cada quatro anos, por convocação do Poder Executivo corres- pondente. A adoção desta recomendação, fica a critério das instâncias locais e estaduais.

Nos municípios maiores, muitas vezes é necessária a realização de conferências locais/distri- tais antes da conferência municipal. Em estados com grande número de municípios podem ser re- alizadas conferências regionais antes da estadual e a representatividade das diversas regiões de- ve ser assegurada na conferência estadual.

É importante que os gestores da saúde mobilizem esforços na organização das conferências de saúde, visando assegurar a participação ampla e, conseqüentemente, a legitimidade das Confe- rências. Para isso, é fundamental investir na divulgação desde o início de sua preparação, mobili- zar diversos setores da sociedade, organizar o processo de seleção de delegados e de definição dos temas e, posteriormente, assegurar a divulgação das deliberações por intermédio de um re- latório final.

Se as conferências de saúde apresentam caráter periódico, os conselhos de saúde são colegi- ados de caráter permanente e deliberativo, formados em cada esfera por representantes do go- verno, profissionais de saúde, prestadores de serviços e usuários, sendo que este último grupo de- ve constituir no mínimo metade dos conselheiros.

Os conselhos de saúde têm como atribuições atuar na formulação de estratégias e no contro- le da execução das políticas de saúde (Brasil, Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, 2000). A atuação na formulação de políticas deve ser exercida mediante uma postura propositiva criadora do novo modelo de atenção à saúde, o mais articulada possível com o gestor do SUS na- quela esfera (que tem assento no conselho de saúde) e com o Poder Legislativo. Já a atuação no controle da execução diz respeito a uma postura defensiva, contra desvios e distorções, que deve ser exercida por meio do acompanhamento permanente das políticas e ações prioritárias do SUS, por intermédio de indicadores de saúde e, sempre que possível, de pesquisas por amostragem junto a usuários, profissionais e prestadores.

O objetivo principal dos conselhos é contribuir para a garantia dos princípios do SUS, enfatizan- do em sua atuação as seguintes dimensões relevantes: (a) diagnóstico da situação de saúde da população, considerando os direitos de cidadania e os riscos sociais e epidemiológicos dos diver- sos grupos populacionais e indivíduos; (b) definição de modelo de atenção e de prioridades de ações no âmbito da promoção, proteção e recuperação da saúde; (c) formulação das diretrizes e estratégias de intervenções do SUS/oferta de serviços, considerando a relação custo-benefício; (d) formulação de diretrizes e estratégias gerais para os processos de planejamento, estabelecimento de metas, financiamento, orçamentação e execução orçamentária e (e) acompanhamento e ava- liação do processo de execução dos planos, orçamento e do cumprimento de metas pelos gesto- res, em função dos resultados e impacto na saúde da população.

Para que os conselhos possam exercer adequadamente suas atribuições, é fundamental que os gestores no âmbito nacional, estadual e municipal valorizem e respeitem o seu papel, e procurem trabalhar de forma articulada com os conselheiros, considerando os espaços diferenciados de atua- ção do gestor e dos conselhos. Isso implica que os conselheiros recebam todas as informações, sub- sídios e apoio necessário ao cumprimento de suas atribuições. Os conselhos devem ainda dispor de alguma estrutura física e de pessoal para o seu funcionamento, conforme definido na Resolução n° 33 do Conselho Nacional de Saúde de 23/12/1992: “os organismos de governo estadual e muni- cipal deverão dar apoio e suporte administrativo para a estruturação e funcionamento dos Conse- lhos, garantindo-lhes, inclusive, a dotação orçamentária. O conselho de saúde deverá ter como ór- gãos, o plenário ou colegiado pleno e uma secretaria executiva com assessoria técnica”.

Quanto à composição e formação dos conselhos, a lei ou decreto de sua criação (enquanto não houver lei) em cada esfera de governo deve respeitar a representatividade de cada segmento, ao explicitar os critérios para habilitação das entidades e instituições que pleitearem a participação no conselho. Também devem ser explicitadas a duração dos mandatos das entidades e conselheiros e as estratégias do processo de representação. Isso porque o caráter democrático do conselho, identificado com os interesses populares, se consolida por meio de uma composição ampla e re- presentativa.

Ainda que a composição dos conselhos deva ser o mais plural possível, é importante que os conselheiros trabalhem para construir consensos efetivamente voltados para a consolidação dos princípios do SUS, evitando que prevaleçam interesses de segmentos específicos que compõem a instância, ou que ocorram polarizações e confrontos político partidários, corporativos e particu- lares.

No que diz respeito aos temas e forma de deliberação pelos conselheiros, é importante que os conselhos construam e sigam uma agenda de temas prioritários para a implementação do SUS na sua esfera, de forma a acompanhar ou até antecipar a agenda do gestor correspondente. O ges- tor, por sua vez, também deve reconhecer e respeitar o papel legítimo do conselho na formula- ção de políticas e de agendas de prioridades para o setor, procurando trabalhar de forma articula- da com esse órgão colegiado e evitando procurar o conselho somente para referendar decisões previamente tomadas. Cabe destacar que muitas vezes os conselhos podem precisar de mais de uma reunião para deliberar, sendo importante buscar a adequada compreensão sobre o tema, a negociação e as deliberações por consenso.

As deliberações do conselho no campo de formulação de políticas que impliquem a adoção de medidas administrativas da alçada privativa da gestão devem ser homologadas, ou seja, transfor- madas em ato oficial do gestor do SUS naquela esfera. Entretanto, em algumas situações especí- ficas o conselho de saúde deve ter autonomia perante o gestor, sem que suas decisões depen- dam de homologação, como no caso de deliberações referentes a: (a) controle da execução das políticas, verificação da coerência dos atos do gestor com os princípios do SUS e acompanhamen- to dos gastos públicos e resultados das políticas e (b) articulação do conselho com outros conse- lhos, com o Poder Legislativo e outras instituições da sociedade.

Atualmente existem conselhos de saúde constituídos e atuantes, que se reúnem mensalmen- te, no âmbito nacional, estadual e em milhares de municípios brasileiros. Entretanto, a atuação desses conselhos é bastante diferenciada. Em recente estudo sobre os conselhos de saúde no pa- ís, a partir de ampla revisão bibliográfica e da produção acadêmica sobre o tema, Labra (2002 b) destaca vários problemas relacionados à dinâmica do seu funcionamento, entre eles: (a) a baixa adesão popular aos conselhos, devido a desconhecimento, desinteresse das associações comuni- tárias e falta de maturidade para uma participação ativa; (b) a utilização dos conselhos como es- paços para reivindicações específicas ou denúncias e a ausência de discussões substantivas; (c) a falta de apoio político, ou mesmo o boicote por parte das autoridades e a interferência do gestor no sentido de neutralizar as discussões, tornando-as meramente informativas e alheias aos inte- resses da comunidade; (d) a atuação nociva ou desrespeitosa do gestor, na qualidade de presiden- te do conselho; (e) as dificuldades para a manutenção da paridade frente à representação de gru- pos específicos e dos prestadores privados e (f) as dificuldades de relacionamento existentes en- tre os representantes dos usuários e a associação que os escolheu.

Estes resultados apontam imensos desafios a serem enfrentados na consolidação destes espa- ços como instrumentos efetivos de controle social e de gestão participativa. Por outro lado, como conclui Labra (2002), para além de um requisito ou um resultado das políticas públicas, o capital social expresso na experiência brasileira por intermédio dos conselhos de saúde, demonstra que a reciprocidade do poder público nas relações de intercâmbio com os cidadãos é uma condição si- ne qua non para o bom relacionamento entre a sociedade e as instituições públicas na saúde e para o seu aprimoramento.

11. Balanço da relação público-privada no Brasil e seus impactos para a

No documento SaudenoBrasil (páginas 71-74)

Outline

Documentos relacionados