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A Vigilância Epidemiológica no Brasil 5 : evolução histórica e tendências

No documento SaudenoBrasil (páginas 158-162)

Vigilância Epidemiológica

3. A Vigilância Epidemiológica no Brasil 5 : evolução histórica e tendências

Na primeira metade da década de 60 consolidou-se, internacionalmente, uma conceituação mais abrangente de vigilância epidemiológica, em que eram explicitados seus propósitos, funções, ativi- dades, sistemas e modalidades operacionais. Vigilância epidemiológica foi, então, definida como:

“O conjunto de atividades que permite reunir a informação indispensável para conhecer, a qual- quer momento, o comportamento ou história natural das doenças, bem como detectar ou prever alterações de seus fatores condicionantes, com o fim de recomendar oportunamente, sobre bases firmes, as medidas indicadas e eficientes que levem à prevenção e ao controle de determinadas doenças.”

No Brasil, esse conceito foi inicialmente utilizado em alguns programas de controle de doen- ças transmissíveis coordenados pelo Ministério da Saúde, notadamente a Campanha de Erradica- ção da Varíola (CEV), de 1966 a 1973. A experiência da CEV motivou a aplicação dos princípios de vigilância epidemiológica a outras doenças evitáveis por imunização, de forma que, em 1969, foi organizado um sistema de notificação semanal de doenças, com base na rede de unidades per- manentes de saúde e sob a coordenação das secretarias estaduais de saúde. As informações de interesse desse sistema passaram a ser divulgadas regularmente pelo Ministério da Saúde, por meio de um boletim epidemiológico de circulação quinzenal. Tal processo propiciou o fortaleci- mento de bases técnicas que serviram, mais tarde, para a implementação de programas nacionais de grande sucesso na área de imunizações, notadamente na erradicação da transmissão autócto- ne do poliovírus selvagem na região das Américas.

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2 Barreto ML. Papel da epidemiologia no desen- volvimento do Sistema Único de Saúde no Brasil: histórico, fundamentos e perspectivas. Rev. Bras. Epidemiol., 2002; 5 (supl. 1): 4-17.

3 Guimarães, R; Lourenço, R; Cosac, S. A pesquisa em epidemiologia no Brasil. Rev. Saúde Públ. 2001; 35: 321-40.

4 Goldbaum M. Epidemiologia e serviços de saú- de. Cad. Saúde Públ. 1996; 12 (Supl. 2): 95-98. 5 Segundo o Guia de Vigilância Epidemiológica Ce- nepi/FNS/MS (4ª edição).

Em 1975, por recomendação da 5ª Conferência Nacional de Saúde, foi instituído o Sistema Naci- onal de Vigilância Epidemiológica (SNVE). Este sistema, formalizado por meio da Lei nº 6.259, do mesmo ano, e Decreto nº 78.231, que a regulamentou, em 1976, incorporou o conjunto de doenças transmissíveis então consideradas de maior relevância sanitária no País. Buscava-se, na ocasião, com- patibilizar a operacionalização de estratégias de intervenção desenvolvidas para controlar doenças específicas, por intermédio de programas nacionais que eram, então, escassamente interativos.

A promulgação da Lei nº 8.080, que instituiu em 1990 o Sistema Único de Saúde (SUS), teve importantes desdobramentos na área de vigilância epidemiológica. O texto legal manteve o SNVE, oficializando o conceito de vigilância epidemiológica como:

“Um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção ou prevenção de qual- quer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos.” Embora essa definição não modifique a essência da concepção até então adotada pelo SNVE, ela faz parte de um contexto de profunda reorganização do sistema de saúde brasileiro, que pre- vê a integralidade preventivo-assistencial das ações de saúde, e a conseqüente eliminação da di- cotomia tradicional entre essas duas áreas que tanto dificultava as ações de vigilância. Além dis- so, um dos pilares do novo sistema de saúde passou a ser a descentralização de funções, sob co- mando único em cada esfera de governo – federal, estadual, municipal –, o que implica o direcio- namento da atenção para as bases locais de operacionalização das atividades de vigilância epide- miológica no País.

Dessa forma, a orientação atual para o desenvolvimento do SNVE estabelece, como priorida- de, o fortalecimento de sistemas municipais de vigilância epidemiológica dotados de autonomia técnico-gerencial para enfocar os problemas de saúde próprios de suas respectivas áreas de abran- gência. Espera-se, assim, que os recursos locais sejam direcionados para atender, prioritariamen- te, às ações demandadas pelas necessidades da área, em termos de doenças e agravos que lá se- jam mais prevalentes. Nessa perspectiva, a reorganização do SNVE deve pautar-se nos seguintes pressupostos, que resultaram de amplo debate nacional entre os técnicos da área, com base nos preceitos da reforma sanitária instituída e implementação no País: heterogeneidade do rol de do- enças e agravos sob vigilância no âmbito municipal, embora apresentando, em comum, aquelas que tenham sido definidas como de interesse do sistema nacional e do estadual correspondente; distintos graus de desenvolvimento técnico, administrativo e operacional dos sistemas locais, se- gundo o estágio de organização da rede de serviços em cada município; incorporação gradativa de novas doenças e agravos – inclusive doenças não transmissíveis – aos diferentes níveis do siste- ma; fluxos de informações baseados no atendimento às necessidades do sistema local de saúde, sem prejuízo da transferência, em tempo hábil, de informações para outros níveis do sistema; construção de programas de controle localmente diferenciados, respeitadas as bases técnico-cien- tíficas de referência nacional.

A relação de doenças de notificação nacional tem sofrido revisões durante as últimas décadas, em função de novas ações programáticas instituídas para controlar problemas específicos de saú-

de. Em 1998 foi procedida, pelo Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi), ampla revisão do assunto, que resultou na explicitação de conceitos técnicos sobre o processo de notificação, bem como dos cri- térios utilizados para a seleção de doenças e agra- vos notificáveis. Essa orientação servirá de base pa- ra a atualização da relação de doenças de notifica- ção compulsória em âmbito nacional.

Em 2003, as atividades de vigilância epidemio- lógica e de controle de doenças6foram retiradas da

Funasa e colocadas na recém-criada Secretaria de Vigilância da Saúde, órgão da administração direta do Ministério da Saúde. Esta medida administrativa segue uma tendência mundial de reunir todas as ações de vigilância numa só entidade. Até então, a vigilância e os programas de controle da Aids, da tuberculose e da hanseníase não estavam agrupa- dos, ficando separados em áreas distintas do Minis- tério da Saúde. Com a criação da SVS, todas essas atividades foram reunidas numa só entidade admi- nistrativa, incluídas a vigilância das doenças e agra- vos não transmissíveis e a vigilância ambiental, du- as vertentes até então virtualmente ignoradas7.

4. Diferenças regionais e particularidades

O Brasil é um país de contrastes, com claras diferenças regionais. Não poderia ser diferente com relação à vigilância epidemiológica. A descentralização das ações de vigilância e controle de doenças, proposta pela criação do SUS, demorou em se realizar, ao contrário do que aconteceu com a assistência médico-hospitalar, que, não obstante diferenças regionais, passou por um processo de estadualização e municipalização em todo o País, sem dúvida pela ausência de uma sistemá- tica clara de financiamento das ações de vigilância e controle de doenças e pela escassez de re- cursos humanos devidamente preparados, diferentemente do que se verifica com assistência mé- dico-hospitalar, em que uma sistemática de ressarcimento aos estados e municípios existiu desde o início, ao lado de uma quantidade de profissionais, muitos dos quais foram repassados aos es- tados e municípios juntamente com os serviços em que trabalhavam.

A vigilância e o controle das doenças, com exceção do estado de São Paulo e de alguns pro- gramas isolados em outros estados, sempre foi uma atividade federal, que contou, ao longo da história, com diferentes órgãos, serviços e programas. Recentemente estes estavam reunidos na Fundação Nacional da Saúde, com exceção da tuberculose, da hanseníase e da Aids, que conta- vam com estruturas próprias.

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6 Nunca é demais ressaltar que a abordagem bra- sileira de estruturação dos sistemas de vigilância epidemiológica tem vinculado as ações de vigilân- cia e controle, de modo a ser impossível analisar uma sem incluir a outra. Essa abordagem não é universal. Nos EUA, por exemplo, as ações de vi- gilância epidemiológica costumam ser separadas dos programas e ações de controle.

7 Recentemente parece ter sido criado um fator de confusão na política unificadora do Ministério da Saúde. A criação da Secretaria de Vigilância em Saúde, em junho de 2003, colocou nesse órgão as ações de vigilância e controle de doenças, como já foi visto. A recente (8/9/2003) publicação do re- gimento interno da Funasa (Portaria n° 1.776 do Gabinete do Ministro da Saúde) atribui também à Funasa essa responsabilidade:

Art. 1º A Fundação Nacional de Saúde (Funasa), fundação pública vinculada ao Ministério da Saúde, instituída com base no disposto no art. 14 da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, tem sede e foro em Brasília-DF e prazo de duração indeterminado. Art. 2º À Funasa, entidade de promoção e prote- ção à saúde, compete:

I – Prevenir e controlar doenças e outros agravos à saúde;

II – Assegurar a saúde dos povos indígenas; e III – Fomentar soluções de saneamento para pre- venção e controle de doenças

A criação e implantação de uma sistemática de repasse de recursos para as ações de vigilância e controle de doenças, a Programação Pactuada Inte- grada de Epidemiologia e Controle de Doenças (PPI- ECD), é que veio viabilizar esse processo. Na realida- de, muitos municípios de maior porte e mais recur- sos começaram gradativamente a assumir ações de vigilância epidemiológica e de controle de doenças, com destaque ao estado de São Paulo. A coincidên- cia, no tempo, de três fatores a implantação da PPI- ECD, o projeto Vigisus I e a determinação administra- tiva e política de estadualização e municipalização rápida da Funasa catalisou um processo que, possi- velmente, levaria muitos anos para se concretizar. O Vigisus I, um empréstimo do Banco Mundial destina- do à construção de serviços de vigilância epidemio- lógica e de controle de doenças nos estados e mu- nicípios, como também no governo federal, se en- cerrou no ano de 2003. Uma avaliação do impacto do programa e do efetivo aproveitamento dos recur- sos despendidos ainda está em curso, daí que qual- quer posição, a esta altura, seria meramente suposi- ção. Mesmo incorrendo em subjetividade, é impor- tante destacar que, independentemente da eficiên- cia e efetividade do financiamento Vigisus, este per- mitiu aparelhar e capacitar os serviços municipais e estaduais para assumir as ações de vigilância epide- miológica.

No estado de São Paulo, a vigilância epidemioló- gica sempre esteve integrada a programas específi- cos, como tuberculose, malária ou doença de Cha- gas, ou sob a responsabilidade dos órgãos gerencia- dores da informação. Em 1985, foram criados na Se- cretaria Estadual da Saúde os centros de vigilância epidemiológica e sanitária. Este último a partir de uma série de organismos de fiscalização dispersos

pela estrutura que não trabalhavam sob uma lógica de saúde pública.

A criação do Centro de Vigilância Epidemiológica8 foi um importante marco da implantação de

serviços de vigilância epidemiológica de caráter amplo, não ligados a programas específicos de controle9.

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8 Mais tarde recebeu o nome de Centro de Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac”, em homenagem ao seu fundador e primeiro diretor.

9 Veja em: http://www.cve.saude.sp.gov.br – O Centro de Vigilância Epidemiológica foi criado em 1985 para coordenar o Sistema de Vigilância Epidemiológica no Estado de São Paulo. Provê orientação técnica na in- vestigação epidemiológica e controle de doenças de interesse para a saúde pública. Conceitua-se Sistema de Vigilância Epide- miológica (SVE) como o conjunto de ativida- des que proporcionam a informação indis- pensável para conhecer, detectar ou prever qualquer mudança que possa ocorrer nos fa- tores condicionantes do processo saúde-do- ença, com a finalidade de recomendar, opor- tunamente, as medidas indicadas que le- vem à prevenção e ao controle das doenças. Trata-se de um subsistema de informações, voltado às enfermidades específicas, que serve de base para a tomada de decisões relativas à prevenção e controle destas do- enças, bem como subsídio ao planejamen- to e avaliação em saúde.

O SVE foi implantado no Estado de São Pau- lo em 1978, após reestruturação formulada pelo nível federal (Lei nº 6.259/75, que dis- põe sobre a organização do Sistema Nacio- nal de Vigilância Epidemiológica). A coorde- nação do SVE foi delegada às Secretarias Es- taduais de Saúde. De início, o nível central do SVE em nosso Estado foi alocado no Cen- tro de Informações em Saúde (CIS), que se responsabilizava pela normatização e coor- denação do Sistema; sua execução ficava sob a responsabilidade da Coordenadoria de Saúde da Comunidade (CSC) em seus dife- rentes níveis hierárquicos.

Com a reforma administrativa da Secretaria de Estado da Saúde de 85/86 a coordena- ção do SVE em nível estadual passou a ser feita pelo Centro de Vigilância Epidemiológi- ca (CVE), que assumiu as antigas atividades do CIS e do nível central da CSC (Decreto nº 24.565/85).

5. Visão crítica das políticas em curso

No documento SaudenoBrasil (páginas 158-162)

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