• Nenhum resultado encontrado

As Comissões Intergestores na Saúde

No documento SaudenoBrasil (páginas 66-69)

Transferência de responsabilidades e construção de capacidades gestoras

8. As Comissões Intergestores na Saúde

Face à necessidade de conciliar as características do sistema federativo brasileiro e as diretri- zes do SUS, foram criadas na área da saúde as comissões intergestores. A estratégia associada à criação destas instâncias é a propiciar o debate e a negociação entre os três níveis de governo no processo de formulação e implementação da política de saúde, devendo submeter-se ao poder fis- calizador e deliberativo dos conselhos de saúde.

A CIT, em funcionamento desde 1991 no âmbito nacional17, tem 15 membros, sendo formada

paritariamente por representantes do Ministério da Saúde, representantes dos secretários estadu- ais de Saúde indicados pelo Conass e representantes dos Secretários Municipais de Saúde indica- dos pelo Conasems, segundo representação regional.

Ao longo da década de 1990, a CIT se consoli- dou como canal fundamental de debate sobre os temas relevantes da política nacional de saúde, promovendo a participação de estados e municí- pios na formulação desta política por meio dos seus conselhos de representação nacional e incen- tivando, ainda, a interação permanente entre ges- tores do SUS das diversas esferas de governo e uni- dades da federação. Essa instância desempenha 66

17 Instituída por meio da Portaria Ministerial n° 1180, de 22 de julho de 1991, em conformidade com a recomendação do Conselho Nacional de Sa- úde, possuiu funcionamento assistemático nos anos de 1991/1992 e vem se reunindo rotineiramente desde 1993. Do início do ano de 1993 até dezem- bro de 1994, a CIT reuniu-se quinzenalmente. A partir de 1995, vem-se reunindo ordinariamente um dia a cada mês (Lucchese & cols., 2003).

papel relevante, particularmente, na decisão sobre temas relacionados à implementação descen- tralizada de diretrizes nacionais do sistema e aos diversos mecanismos de distribuição de recursos financeiros federais do SUS.

A CIT foi de fundamental importância no processo de elaboração das normas operacionais do SUS que, por sua vez, afirmaram o papel das comissões intergestores na formulação e implemen- tação das políticas de saúde. Vale também assinalar que é comum a formação de grupos técnicos compostos por representantes das três esferas, que atuam como instâncias técnicas de negocia- ção e de processamento de questões para discussão na CIT. Sua dinâmica tem favorecido a expli- citação e o reconhecimento de demandas, conflitos e problemas comuns aos três níveis de gover- no na implementação das diretrizes nacionais, promovendo a formação de pactos intergoverna- mentais que propiciam o amadurecimento político dos gestores na gestão pública da saúde (Luc- chese & cols, 2003).

As CIBs foram formalmente criadas pela Norma Operacional Básica de 1993. Esta norma esta- belece a CIB como “instância privilegiada para de negociação e decisão quanto aos aspectos ope- racionais do SUS”, ressaltando os aspectos relacionados ao processo de descentralização no âmbi- to estadual (Brasil, Ministério da Saúde, GED, 1993). Implantadas a partir de 1993, em cada esta- do há uma CIB, formada paritariamente por representantes do governo estadual indicados pelo se- cretário de estado da saúde e representantes dos secretários municipais de saúde indicados pelo Conselho de Secretários Municipais de Saúde daquele estado (Cosems).

Essas instâncias, cujas reuniões em geral apresentam periodicidade mensal, discutem tanto questões relacionadas aos desdobramentos de políticas nacionais nos sistemas estaduais de saú- de (a questão da distribuição de recursos federais do SUS é um tema freqüente) quanto referen- tes a agendas e políticas definidas no âmbito de cada estado18. Atualmente, percebe-se uma am-

pliação gradativa da abrangência da pauta dessas reuniões, envolvendo temas relacionados à re- gionalização e hierarquização da assistência, mas também da organização de políticas de promo- ção e prevenção – plano de combate ao dengue, vigilância sanitária, entre outros. As discussões cada vez mais freqüentes sobre os elementos próprios, constitutivos dos sistemas estaduais e lo- cais de saúde, fazem com que as CIBs se estabeleçam também como espaços de formulação da política estadual e planejamento de ações.

Assim como na CIT, o processo decisório nas CIBs se dá por consenso, visto que é vedada a uti- lização do mecanismo do voto, visando estimular o debate e a negociação entre as partes. A par- ticipação nas reuniões mensais geralmente é aberta a todos os secretários municipais e às equi- pes técnicas das secretarias, embora o poder de decisão se limite aos membros formais da Comis- são. Desta forma, muitas vezes as reuniões da CIB são momentos de intenso debate e interação entre as equipes municipais e destas com a esta-

dual. As CIBs vêm se tornando para os municípios a garantia de informação e atualização dos instru- mentos técnico-operativos da política de saúde, de implementação dos avanços na descentralização do sistema de saúde e de fiscalização das ações do

67

18 Um estudo de caso da CIB do estado do Rio de Janeiro mostrou uma tendência da pauta e tem- po de discussão desta instância ser dominado por questões definidas nacionalmente, com repercus- sões nas políticas estaduais (Lima, 2001).

estado na defesa de seus interesses, principalmente com relação à distribuição dos recursos trans- feridos pelo nível federal.

Em grande parte dos estados, há câmaras técnicas bipartites que também se reúnem mensal- mente, antes da reunião da CIB, visando debater e processar as questões com vistas a facilitar a decisão dos representantes políticos na CIB. Em outros estados essas câmaras não existem de for- ma permanente, mas é comum a formação de grupos técnicos para a discussão de temas espe- cíficos.

Como já ressaltado neste artigo, as CIBs permitiram uma adaptação das diretrizes nacionais do processo de descentralização, vivenciado na década de 1990, em nível estadual, propiciando a for- mação de acordos sobre a partilha da gestão dos sistemas e serviços de saúde entre os diferen- tes níveis de governo. Estes arranjos – relativamente descentralizantes, mais ou menos organiza- tivos para os sistemas – refletem não só a capacidade gestora, a qualificação gerencial das secre- tarias estaduais de saúde (SES) e das secretarias municipais de saúde (SMS), como também o grau de amadurecimento das discussões e as particularidades locais e regionais do relacionamento en- tre as diferentes instâncias de governo.

Mais recentemente, tem-se discutido em que medida as decisões da CIT e da CIB tendem a colidir ou ultrapassar as decisões dos Conselhos de Saúde, pois se percebe que, gradativamente, devido ao seu caráter mais especializado e restrito, as Comissões Intergestores passam a influen- ciar a agenda de discussão no âmbito dos conselhos e a tomada de decisão nestas instâncias.

Outro ponto que merece uma reflexão mais aprofundada é se as Comissões Intergestores têm se tornado, nestes últimos anos, espaços de deliberação importante sobre a política de saúde. As comissões, por seu caráter paritário, podem colocar em situação de igualdade gestores de diferen- tes níveis de governo. No âmbito nacional, estados e municípios são responsabilizados por inter- ferir em questões mais amplas que ultrapassam a sua esfera de ação. No âmbito estadual, a re- presentação de municípios se equipara à estadual. Sabe-se que a União e os governos estaduais têm se respaldado pelas negociações e consensos formados no âmbito das Comissões Intergesto- res para a formulação e implementação de suas políticas próprias. No entanto, não se tem clare- za ainda do poder de influência destas instâncias sobre a agenda política dos governos e se elas, de fato, podem repercutir na autonomia de gestão própria do Executivo nacional, estaduais e mu- nicipais, no sistema federativo brasileiro.

Por outro lado, na área da saúde, é tarefa bastante complexa separar de forma tão nítida os espaços territoriais de influência política de cada esfera de governo. Não por acaso, a perspectiva de construção de sistema sempre foi uma dimensão importante na análise do processo de des- centralização da gestão do sistema de saúde, já que existem outros princípios que devem ser ob- servados. A regionalização, hierarquização e integralidade da atenção à saúde, demandam a for- mação e gestão de redes de atenção à saúde não diretamente relacionadas a uma mesma uni- dade político-administrativa da Federação, tais como as redes interestaduais de ações e serviços de saúde (que envolvem mais de um estado) e as redes intermunicipais (que envolvem mais de um município). Tais sistemas estão submetidos à negociação e ao comando dos diferentes níveis 68

gestores do SUS e apontam para a necessidade da existência e funcionamento das Comissões In- tergestores.

Isto porque, na maioria das vezes, os fatores que determinam os problemas de saúde não res- peitam as fronteiras dos territórios político-administrativos. Além disso, como já enfatizado ante- riormente, a maior parte dos municípios brasileiros e muitos estados não possuem condições de prover em seu território todas as ações e serviços necessários à atenção integral de seus cidadã- os e possuem recursos (financeiros, materiais e humanos) bastante diferenciados entre si.

Por último, ressalta-se que, no SUS, os estabelecimentos de saúde que conformam um deter- minado sistema municipal (ou estadual), não são, obrigatoriamente, de propriedade da prefeitura (ou do governo estadual). O mais importante, portanto, é que as ações ali desenvolvidas, quer se- ja em unidades públicas (municipais, estaduais ou federais) ou privadas (contratadas ou convenia- das ao SUS), situadas ou não no território do município ou do estado, estejam organizadas e co- ordenadas de forma adequada, sob comando do Poder Público. Desta forma, as relações de com- pra e venda de serviços devem respeitar a relação gestor-gestor nas diferentes esferas de gover- no, evitando a relação direta entre um gestor e um prestador de serviços situado em outra unida- de político-administrativa. Frente ao número e a diversidade dos municípios no país, a relação ges- tor-prestador tende a favorecer a desintegração do sistema de saúde, o fortalecimento do presta- dor, a especialização na oferta e a formação de diferentes mercados de ações e serviços de saú- de no Brasil.

No documento SaudenoBrasil (páginas 66-69)

Outline

Documentos relacionados