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Desenvolvimento e adoção da avaliação de tecnologia em saúde no mundo

No documento SaudenoBrasil (páginas 184-187)

Avaliação de tecnologia em saúde

8. Desenvolvimento e adoção da avaliação de tecnologia em saúde no mundo

Os gastos com a saúde passaram a crescer de maneira significativa após a Segunda Guerra Mundial nos países desenvolvidos paralelamente ao desenvolvimento tecnológico (Warner e Lu- ce, 1982). A contenção de gastos implica a necessidade de se avaliar os custos decorrentes do em- prego de tecnologias. Por outro lado, a difusão e a utilização de tecnologias sem adequada avali- ação teve em muitos casos conseqüências adversas (Lambert, 1978).

A resposta inicialmente dada por diferentes governantes à elevação dos gastos em saúde foi a contenção de custos. Enquanto este tema dominava os formuladores de política em saúde em muitos países, os profissionais de saúde começaram a enfatizar a necessidade de avaliar os resul- tados de suas práticas. Cresce o reconhecimento de que muitas intervenções da prática comum eram lesivas ou pouco efetivas para a saúde da população e que grandes variações na prática clí- nica eram encontradas em algumas áreas da atenção.

Beeson (apud Banta, 2003) comparou as recomendações terapêuticas de um livro texto de 1927 com as de outro de 1975, tendo encontrado que 60% dos medicamentos recomendados em 1927 eram perigosos, duvidosos ou meramente sintomáticos e apenas 3% eram efetivos. Nas re- comendações de 1975, o autor observou que o número de medicamentos efetivos cresceu 7 ve- zes e os duvidosos reduziram em dois terços. Progressivamente os profissionais concordaram que, se os gastos em saúde deveriam ser contidos, então as intervenções efetivas deveriam ter priori- dade no sistema. Esta idéia tem como expoente Archie Cochrane, que sugeriu que a seleção de intervenções tendo por base sua efetividade seria também um meio de obter eficiência na aloca- ção dos escassos recursos para a saúde (McDaid, 2003).

Deste posicionamento resultou a utilização dos ensaios clínicos randomizados (do inglês ran- domized clinical trials) como o padrão-ouro para obtenção de evidência sobre segurança e eficá- cia clínica, capaz de, com sucesso, desafiar a opinião da mais respeitável autoridade clínica. Con- tudo cresce a preocupação de que, na prática clínica, persistia o uso de intervenções inapropria- das, mesmo depois de ter sido demonstrado por ensaios clínicos que eram inefetivas ou mesmo nocivas à saúde dos pacientes. Surge então o movimento da Medicina Baseada em Evidência, que busca sistematicamente transferir a evidência científica para a prática clínica. Os Centros da Cola- boração Cochrane (2003) têm sido um dos principais catalizadores deste movimento desde o iní- cio dos anos de 1990.

No entanto, para o gestor, que deveria decidir sobre a alocação de recursos limitados frente a uma demanda cada vez maior de intervenções, o problema não se resolve apenas com a iden- tificação da efetividade clínica, mas necessita também identificar pelo menos o que é custo efe- tivo. Uma distribuição de recursos, atendendo a princípios de eqüidade, deveria considerar: quem irá se beneficiar, quem deveria arcar com os custos envolvidos e, inevitavelmente, quem ficaria sem cobertura para seu problema de saúde. Paralelamente ao movimento anterior, os economistas em saúde desenvolvem métodos sistemáticos de associar efetividade e eficiência, trazendo a variável custo para o processo de decisão e tornando a alocação de recursos limita- dos explícita.

O reconhecimento de que os custos deveriam ocupar um papel importante no processo de alo- cação de recursos tendo por objetivo social maximizar a saúde da população com eqüidade não tem sido uma tarefa simples. Inicialmente cabe considerar que o princípio ético social de maximi- zar a saúde da população parece entrar em conflito com o juramento de Hipócrates, ameaçando a autonomia dos médicos e requerendo que eles assumam um novo paradigma. Por outro lado, as reformas do sistema de saúde deveriam estar baseadas na evidência científica e novos méto- dos de financiamento e fornecimento de cuidados necessários deveriam ser avaliados com o mes- mo rigor que as intervenções clínicas.

Finalmente, estas avaliações necessitam de recursos extras para a pesquisa, tanto por parte dos gestores públicos e privados quanto por parte da indústria de medicamentos e equipamentos. En- quanto a indústria tem percebido isso como um obstáculo à colocação do produto no mercado, al- guns gestores experientes têm reconhecido que, enquanto o custo da geração e disseminação do conhecimento é alto, o custo da ignorância e da oferta de serviços de baixa qualidade à popula- ção é ainda maior (McDaid, 2003).

Resumidamente pode-se dizer que a ATS ao redor do mundo tem seu início marcado por uma forte ênfase na realização de estudos de síntese da literatura. Passa a focar mais a necessidade de fortalecer as relações com os agentes de decisão em meados de 1985 e se dedica cada vez mais à disseminação e implementação de seus achados na prática clínica e na gestão dos serviços de saúde no final dos anos 1990. É interessante notar que, apesar das preocupações iniciais com as questões sociais e éticas que cercam o desenvolvimento e difusão da tecnologia em saúde, so- mente neste século é que está de fato surgindo um movimento no sentido de considerar estes impactos. Este movimento recebeu o nome de Avaliação do Impacto em Saúde (AIS, do inglês He-

alth Impact Assessment) e vem recebendo destaque na comunidade européia. Scott-Samuel e Bar- nes (apud WHO, 2001) descrevem a AIS como “… uma ferramenta de suporte à decisão sobre a formulação de uma política baseada em evidência sobre o potencial impacto em saúde, ao mes- mo tempo contribui para ampliar a conscientização dos impactos em saúde do agente de decisão em todos os níveis de formulação de políticas públicas”. Assim a AIS busca avaliar os impactos das alternativas de políticas para além dos tradicionais impactos clínicos e econômicos, considerando também os impactos éticos, sociais e ambientais na saúde da população de toda e qualquer po- lítica pública. Seria a AIS um amadurecimento da ATS ou um retorno aos objetivos da avaliação de tecnologia dos anos 1970 da OTA?

Em 1975, o Congresso dos Estados Unidos estabeleceu um programa de avaliação de tecnologias em saúde com a criação da OTA, do inglês Office of Technology Assessment, sendo reconhecida como o marco inicial da avaliação formal de tecnologia em saúde (Banta e Luce, 1993). Contudo, a preocu- pação com as conseqüências inesperadas ou lesivas das tecnologias na sociedade tem início em mea- dos de 1960, quando o termo Avaliação de Tecnologia (AT) é apresentado por Emilio Daddario (apud Goodman, 1998), que enfatizou que o propósito da AT era subsidiar o processo de decisão política:

“Informação técnica é necessária no processo de decisão e freqüentemente não está disponível ou não se apresenta da forma confiável. Um formulador de política não pode julgar o mérito ou as conseqüências de um projeto envolvendo tecnologias num contexto estritamente técnico. É necessário considerar as implicações sociais, éticas e legais envolvidas no curso da ação a ser tomada.”

Atualmente, a ATS está estabelecida, mas ainda em evolução em diversos países, notadamen- te os países desenvolvidos, e mais recentemente foi adotada por muitos dos governos do leste europeu. Perry et al. (1997) realizaram uma pesquisa mundial sobre as atividades de ATS nos paí- ses e concluíram, à época, que vinte e quatro países possuíam programas oficiais de avaliação de tecnologia em saúde, a maior parte deles criados no final dos anos 80 e início dos anos 90. Na maioria dos países, com exceção dos Estados Unidos, há um grande compromisso do governo com a ATS, com programas ativos no âmbito nacional ou regional (Banta, 2003).

As atividades de ATS são conduzidas por diversas entidades, incluindo agências governamen- tais, companhias de seguro, indústria médica, associações profissionais, hospitais, instituições pri- vadas com fins lucrativos ou não e instituições universitárias. Segundo dados da Rede Internacio- nal de Agências de Avaliação de Tecnologia em Saúde (do inglês International Network of Agen- cies for Health Technology Assessment – INAHTA), das 40 agências filiadas à instituição, apenas três estão localizadas em países em desenvolvimento – Chile, Cuba e Letônia (Inahta, 2003).

Este quadro é lastimável, uma vez que a limitação de recursos nestes países é mais dramáti- ca do que nos países desenvolvidos. Desta forma, é importante usá-los racionalmente – obter o máximo de benefício dos recursos disponíveis. Os países em desenvolvimento compartilham, em geral, dos seguintes problemas (Panerai e Mohr, 1985; Levi, 1997): gastos irracionais com recur- sos em saúde; difusão indiscriminada de tecnologias dispendiosas sem garantia de benefício pa- ra o paciente; falsa crença de que as tecnologias em saúde irão resolver todos os problemas de saúde; persistência de problemas de saúde relacionados à pobreza, como doenças infecciosas e 186

altas taxas de mortalidade infantil; sistemas de saúde pouco eficientes, nos quais as decisões re- lativas à incorporação de tecnologias em saúde não são usualmente baseadas em evidências vá- lidas quanto ao benefício ou o custo associado; os métodos de diagnóstico e terapia, em sua mai- oria, são gerados nos países desenvolvidos e exportados para os países em desenvolvimento, sem considerar as reais necessidades epidemiológicas e a infra-estrutura operacional desses países; e dificuldade de implementar os princípios de racionalização na incorporação de tecnologia no setor de saúde privado destes países, dado que busca realizar as intervenções que trarão o maior retor- no financeiro independentemente dos benefícios reais obtidos pelo paciente.

O Brasil tem enfrentado todos os problemas acima listados. No entanto, apesar de esforços iso- lados desde 1983 (Opas, 1983) por parte de organizações internacionais, universidades e centros de pesquisa, associações de profissionais e sociedades científicas, diferentes secretarias e departamen- tos do Ministério da Saúde e secretarias estaduais e municipais, não foi ainda estabelecida uma co- ordenação nacional das atividades de ATS no País de forma a subsidiar o estabelecimento de políti- cas na área de saúde e a disseminação da cultura de ATS entre os gestores dos serviços de saúde.

No documento SaudenoBrasil (páginas 184-187)

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