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3 UM POUCO DA HISTÓRIA: AS TENDÊNCIAS TEÓRICAS NO ESTUDO DA ALFABETIZAÇÃO E NO ENSINO DAS RELAÇÕES

3.3 A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO E A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA

De acordo com alguns pesquisadores (BERNARDINO; FREITAS SOUZA; MARANHE; BARDENINI, 2006; MORAIS, 2004, 2006, 2012; FREITAS, 2004; LOPES, 2004; NASCIMENTO, 2009; SANTOS; MALUF, 2007; MELO, 2006; VIANA, 2006), a consciência fonológica seria a capacidade metalinguística que permite ao aprendiz analisar e refletir, de “forma consciente”, sobre a estrutura fonológica da linguagem oral. Desse modo, essa capacidade envolveria outras que seriam as capacidades de identificar, isolar, manipular, combinar e segmentar mentalmente, e de forma deliberada, os segmentos fonológicos da língua.

Segundo Nascimento (2009), a consciência fonológica é uma “competência” que acontece em dois níveis: 1º) consciência de que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas – frase em palavras, palavras em sílabas e sílabas em fonemas; e 2º) consciência de que estas unidades podem se repetir em palavras diferentes. Já Freitas (2004) explicita que as manifestações dessa consciência é que se expressam em dois níveis, assim, num nível implícito, estaria a sensibilidade do aprendiz para o sistema de sons da língua e para o conhecimento fonológico funcional, que se manifestaria durante jogos espontâneos com os sons das palavras, como, por exemplo, na identificação de rimas; num nível explícito,

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Neste momento, estamos apenas enfatizando as tendências as quais evidenciamos sem nos colocarmos valorativamente acerca delas.

estaria a análise consciente dos sons das palavras, o que se nomearia de atividades de isolamento de fonemas de uma palavra.

Morais (2012, p. 84) enfatiza que “[...] hoje, existe um relativo consenso de que aquilo que chamamos de ‘consciência fonológica’ é, na realidade, um grande

conjunto ou uma ‘grande constelação’66 de habilidades de refletir sobre os

segmentos sonoros das palavras”. Por essa via, o autor ressalta que essa consciência engloba desde a percepção de unidades fonológicas mais globais – como a sílaba – até a consciência de segmentos menores, como os fonemas. Entretanto, isso não é algo dado, nato, algo “[...] que se tem ou não, mas um conjunto de habilidades que varia consideravelmente”. Logo, dentro dessa variação, está o tipo de “operação cognitiva” que fazemos ao pronunciarmos as partes das palavras em voz alta e o fato de que essas partes (segmentos) podem estar em posições diversas (início, meio e fim das palavras). Portanto, o autor explicita que há um grande leque de possibilidades que se constituem em habilidades de consciência fonológica, desde a comparação das palavras por seu tamanho (dizer que uma palavra de quatro sílabas é maior do que outra de duas sílabas porque a primeira tem mais pedaços que a segunda) até a identificação de determinada sílaba ou fonema de uma palavra em outras palavras diferentes (pote: capota – copo –

pobre).

Na perspectiva colocada por Morais (2004, 2006, 2012), Aquino, Bezerra e Leite (2012, p. 111), ao enfatizar a necessidade de um trabalho de reflexão fonológica com os aprendizes desde a educação infantil, destacam que

[...] a organização de uma prática pedagógica que insira jogos que favoreçam a reflexão sobre sons das palavras, bem como apresente às crianças um trabalho com parlendas, trava-línguas, poesias, músicas, parece contemplar atividades que estimulem a consciência fonológica no processo de apropriação do SEA67.

As autoras ressaltam que um trabalho nesse sentido favoreceria a reflexão de que a escrita tem relação com a pauta sonora da fala e não com os significados ou propriedades físicas dos objetos e, assim, seria um grande auxílio na compreensão de nosso sistema de escrita. É importante pontuar que documentos oficiais, como o

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Grifos do autor. 67

Referencial Curricular para a Educação Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998), ressaltam a necessidade do trabalho com a linguagem oral e escrita com a criança no sentido da ampliação de sua competência linguística.

Não obstante a pontuação dos trabalhos descritos, é necessário destacar que os estudos sobre consciência fonológica podem enfatizar uma tendência a um treino mecânico e enfático das relações sons e letras e letras e sons, nossa temática de estudo, indo ao encontro de proposições que reivindicam os métodos fônicos como os “salvadores” no que tange aos problemas enfrentados na alfabetização. Mais especificamente no Brasil, os trabalhos de Capovilla & Capovilla (2002) defendem um ensino mais “diretivo” da alfabetização, com a “volta” do ensino das correspondências entre letra e som, que, segundo esses autores, ficou em segundo plano devido a um enfoque demasiado no contexto, assim, entendem que a

decodificação deve ter um papel central na leitura e escrita e, dessa forma, estudam

o papel das habilidades metalinguísticas na alfabetização, especificamente as pesquisas sobre a consciência fonológica.

Nesse contexto, torna-se importante destacarmos a diferença colocada por alguns autores, como por exemplo Morais (2012), entre consciência fonológica e consciência fonêmica, dessa forma, a segunda denominação faria apologia ao método fônico e, portanto, traria que algumas habilidades ligadas a essa consciência seriam requisitos para o aprendiz ser alfabetizado, logo, para aqueles que não possuíssem tais requisitos, deveria haver um treino mecânico no sentido de “internalizá-las”. Ao encontro dessa ênfase, Morais (2012, p. 89) pontua que “não reduzir consciência fonológica a consciência fonêmica parece-nos um bom princípio para entendermos como algumas habilidades fonológicas participam, efetivamente, da bela empreitada que é a reconstrução do alfabeto por cada aprendiz”. Sobre esse aspecto, o autor pontua que, diferentemente do que é colocado pelo método fônico, o desenvolvimento de habilidades de consciência fonológica é uma condição necessária, mas não suficiente para a apropriação do sistema de escrita alfabética pela criança, e que essas habilidades, como já colocado, não são, de modo algum, requisitos para que alguém se alfabetize, pois “[...] ninguém precisa ser treinado a pronunciar /b/ /i/ /k/ /a/ para a palavra bica, a fim de tornar alfabetizado. [...] É só nos cursos de fonética e fonologia [...] que adultos já superletrados aprendem a segmentar palavras em seus fonemas” (MORAIS, 2012, p. 88).

De acordo com Zaccur (2011, p. 111), “o conceito de consciência fonológica foi criado a partir de estudos de fonoaudiólogos que se ocupam de desvios no processo de aprendizagem da fala, sendo usado como instrumento para emprestar consistência teórica ao velho método fônico [...]”. Nesse sentido, conforme nos aponta, ainda, a referida autora, a volta a esse método “[...] é um retrocesso lamentável que [...] situa tanto o ensinar como o aprender na esfera da reprodução e, mais que tudo, estreita a possibilidade do diálogo que estende a leitura da palavra

à leitura da ‘palavramundo’68” (ZACCUR, 2011, p. 112).

Mediante o que nos apontam os estudos tomados, faz-se relevante pontuarmos que uma alfabetização por meio do que apregoa o método fônico traria de “volta” uma tendência de ensino e aprendizagem da língua conforme a que nos coloca o “ensino tradicional”, ou seja, uma concepção empirista que trata a língua como um código visando a um ensino transmissivo e mecânico deste. Ainda, ao buscarmos os

estudos que balizam a procedência da consciência fonológica, temos a “palavra”69

como a unidade essencial da qual se distinguem sílabas ou fonemas, logo, torna-se necessário relativizarmos até que ponto o texto, em sua integridade sintática e semântica, faz parte dessa tendência teórica, ou seja, o texto enquanto enunciado, no que se refere à produção de sentidos, é levado em conta (ou não) nos estudos que tomam a consciência fonológica como grande aliada na apropriação do sistema de escrita.

Assim, nossa intenção é problematizar se a consciência fonológica, com a ênfase na escrita logográfica, por meio de textos conhecidos das crianças (cantigas, parlendas, poemas, etc.), estaria utilizando esses textos como pretexto para deles extrair palavras por meio das quais se trabalhariam as unidades fonológicas da língua, deixando em segundo plano um trabalho significativo com esses ou outros textos, buscando a interlocução e o sentido social da escrita. Portanto, é na perspectiva desse sentido social da escrita que seguimos para o enfoque da próxima tendência teórica de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita.

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Grifo da autora. 69

Ou textos conhecidos dos aprendizes (cantigas, parlendas, poemas, etc.), dos quais se retiram/apreendem palavras conhecidas (que fazem parte do repertório fonológico dos alunos).

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