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6 O TRABALHO COM AS RELAÇÕES SONS E LETRAS E LETRAS E SONS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE ALFABETIÇÃO

6.2 AS ORIENTAÇÕES DESTINADAS AO PROFESSOR

O livro didático A Escola é Nossa – Letramento e Alfabetização Linguística – Manual

do Professor159 - 1º ano possui 239 páginas, sendo as quinze últimas destinadas às

Letras Móveis, Jogo de Dominó (com animais e seus nomes) e Montagem de Fantoches para teatro. O livro do 2º ano apresenta 232 páginas com as oito últimas

também destinadas às Letras Móveis e à seção “Fazendo arte”, que traz orientações para a produção de fantoches e com estes brincar de teatro. Ambos os livros apresentam, a partir da última página destinada ao aluno - página 240 no livro do 1º ano e página 233 no livro do 2º ano - o apêndice “Assessoria Pedagógica” destinado ao professor.

O referido apêndice traz a mesma “Apresentação” nos livros do 1º e 2º anos e busca dialogar com o professor no sentido de explicitar-lhe o principal objetivo do livro e a(s) concepção(ões) que o permeiam. O segundo parágrafo traduz essa intencionalidade da autora:

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Nesta subseção, ao nos reportarmos aos livros analisados, utilizaremos a denominação “Manual do Professor”, uma vez que os apêndices (anexos) destinados ao professor encontram-se nesses livros, conforme denominação na capa dos mesmos. Voltaremos a utilizar essa denominação, em outras subseções ou seções, quando nos referirmos especificamente a informações retiradas desses apêndices.

Compreender a natureza e o funcionamento da língua – concebida como

um sistema de representação160 por meio do qual ocorre a interação entre os sujeitos – e dominar os diversos níveis de linguagem, tanto na modalidade oral quanto na escrita, são condições essenciais para a plena participação na sociedade (LIVRO A ESCOLA É NOSSA – LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO LINGUÍSTICA – ASSESSORIA PEDAGÓGICA – MANUAL DO PROFESSOR - 1º e 2º ANOS –APRESENTAÇÃO, 2009, p. 3).

Ao tratar a língua como sistema de representação, a autora nos infere a influência

da teoria da psicogênese da língua escrita161 na produção de seu livro didático, uma

vez que, de acordo com Ferreiro e Teberosky (1985), pela visão dessa teoria, a língua escrita deixa de ser encarada como mera apropriação de um código ou como meros atos de codificação e decodificação de palavras, sílabas e letras, passando a ser concebida como sistema de representação. Esses estudos evidenciam o caminho que as crianças percorrem no aprendizado da língua, definido por elas de psicogênese ou gênese (origem, geração) do conhecimento da escrita. Tais estudos, como já colocado, foram baseados na epistemologia genética de Jean Piaget.

Após a apresentação, o apêndice traz, nas “Orientações Gerais”, tanto no livro do 1º ano como no do 2º, o enfoque na Lei Federal nº 11.274 de 06/02/2006 e, nesse sentido, no “Ensino Fundamental de nove anos”. Em seguida, são trazidos os seguintes temas: “Ensino e aprendizagem da língua materna”, “Alfabetização e Letramento”, “Ensino-aprendizagem da leitura”, “Ensino-aprendizagem da escrita”, “Ensino-aprendizagem da linguagem oral”, “Ensino-aprendizagem da ortografia”, “O erro”, “Letra cursiva e de forma”, “Interdisciplinaridade e transversalidade”, “A avaliação”, “O trabalho em grupo”, “O ambiente alfabetizador”, “O papel do educador-alfabetizador”, além de “Sugestões de leituras e sites para o professor”. Após a apresentação dessas temáticas, o livro traz, também, a “Organização do volume” e Orientações para cada unidade. No livro do 2º ano, aos temas apresentados é acrescido “Ensino-aprendizagem da gramática”, o que nos permite

inferir um trabalho com a gramática normativa162 já nesse ano.

160

Grifos nossos. 161

Trataremos, neste estudo, de construtivismo, os estudos de Ferreiro e Teberosky (1985) acerca da Psicogênese da Língua Escrita.

162

Entendemos que o fato de o livro inserir uma seção com um trabalho com a Gramática não, necessariamente, deveria e/ou poderia se referir a um trabalho específico com a Gramática Normativa, entretanto, ao chegarmos à essa seção, é a Gramática Normativa que encontramos, como apresentado na análise a seguir.

Logo, observamos que, por meio do apêndice “Assessoria Pedagógica”, o livro didático A Escola é Nossa – Letramento e Alfabetização Linguística – Manual do Professor - 1º e 2º anos busca, além de oferecer ao professor aportes tanto teórico quanto metodológicos para o trabalho com o livro, marcar sua abordagem e/ou concepção de linguagem, o que nos dá a ler no parágrafo que inicia a “Organização do volume”:

Como o professor notará ao analisar o livro-texto, organizamos o trabalho desta obra com base na abordagem silábica163, por meio da qual explora- se o valor fonêmico de cada letra. Ao mesmo tempo, procuramos desenvolver atividades em que o aluno explora mais livremente a escrita e seu funcionamento, trabalha em duplas ou em grupos, interage com o colega e o professor, manifesta opiniões, hipóteses e conhecimentos prévios, entre outras atividades, inspiradas na abordagem

socioconstrutivista164 [...] (LIVRO A ESCOLA É NOSSA – LETRAMENTO

E ALFABETIZAÇÃO LINGUÍSTICA – MANUAL DO PROFESSOR - 2º ANO

– ASSESSORIA PEDAGÓGICA – APRESENTAÇÃO, 2009, p. 21).

Nessa perspectiva, a autora traz para o livro em questão uma abordagem silábica aliada a uma abordagem construtivista com o objetivo de proceder ao processo de alfabetização dos estudantes. Torna-se, pois, importante destacar que as duas abordagens e/ou concepções mencionadas não se coadunam enquanto bases epistemológicas para o processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, uma vez que a teoria construtivista, apresentada por meio do livro “A Psicogênese da Língua Escrita” (1985), de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, desconsiderava o trabalho apresentado pelos métodos tradicionais de alfabetização, sejam eles

analíticos ou sintéticos.165 Logo, parece-nos que estamos diante de certa

“contraditoridade” de concepções que é justificada pela autora com a afirmação de que “[...] de acordo com nossa experiência em sala de aula, ambas as abordagens apresentam pontos positivos e, desde que utilizadas de maneira consciente e integrada, podem ser bastante proveitosas ao processo de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita” (LIVRO A ESCOLA É NOSSA – LETRAMENTO E

ALFABETIZAÇÃO LINGUÍSTICA – ASSESSORIA PEDAGÓGICA – MANUAL DO

PROFESSOR - 2º ANO – APRESENTAÇÃO, 2009, p. 21). 163 Grifo da autora. 164 Grifo da autora. 165

Torna-se importante ressaltar que, ao explicitarmos que as duas abordagens e/ou concepções não se coadunam, estamos entendendo que a concepção de língua escrita de ambas é a mesma (língua como representação exata da fala), entretanto a ênfase dos métodos tradicionais está no ensino e transmissão ao aluno, como se este não trouxesse conhecimentos prévios, ou seja, a sua visão como

tabula rasa, sendo que o trabalho com a leitura e a escrita se resume à decodificação e codificação

dos sinais gráficos; já a ênfase da teoria construtivista é no processo ativo da criança, passando a linguagem escrita de um sistema de decodificação e codificação para um sistema de representação.

Tal colocação da autora nos remete tanto à “segurança” de muitos professores com a utilização dos antigos métodos de alfabetização, como à necessidade e/ou imposição de mudanças teórico-metodológicas no que tange ao processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita trazidas oficialmente tanto na década de 1980, com os estudos sobre a psicogênese da língua escrita (FERREIRO e TEBEROSKY, 1985), como na década de 1990, com a consideração da leitura e da escrita como práticas de letramento (SOARES, 1998), que se presentificaram, de alguma forma, nos “novos” livros didáticos de alfabetização. Nesse sentido, a autora parece aliar esses aspectos, ancorando-se no que chama de atividades inspiradas

na abordagem socioconstrutivista.

Nessa perspectiva, Ferreira, Albuquerque, Cabral e Tavares (2009, p. 29) enfatizam que “as mudanças nos livros didáticos se relacionam, entre outros aspectos, com as alterações ocorridas no campo da produção dos saberes acadêmicos e escolares [...]”. Ao encontro dessas mudanças, as autoras citam pesquisa de Morais e Albuquerque (2004) acerca dos novos livros didáticos de alfabetização (PNLD 2004) e destacam que, de acordo com a análise desses autores, relativamente a esses livros, houve

[...] a adesão de seus autores, no plano do discurso, às mais recentes perspectivas teóricas nas áreas da linguística e psicologia. Assim, nos manuais do professor, os novos livros se declaravam construtivistas ou socioconstrutivistas e faziam referências explícitas ao papel da diversidade textual e da imersão no mundo letrado desde o início da escolarização, no processo de alfabetização. (...) Quanto ao sistema de escrita alfabética (SEA), os pesquisadores verificaram que os livros têm deixado a desejar tanto em relação ao número de atividades, quanto à natureza delas. As atividades dos livros analisados envolviam, no geral, a palavra ou letras como unidades principais e não promoviam a reflexão linguística dos alunos (FERREIRA, ALBUQUERQUE, CABRAL e TAVARES, 2009, p. 32).

Logo, parece-nos que a incorporação de novas perspectivas teóricas no que diz respeito à aprendizagem da leitura e da escrita também encontrou resistência dos autores dos livros didáticos que, querendo ir ao encontro dos “anseios” dos professores bem como se adequar ao que colocavam os documentos oficiais e aos estudos acadêmicos, acabaram por anunciar determinada perspectiva teórica e lançar mão de outra(s), no trabalho efetivo com o aluno. Entendemos que esse confronto de ideias e práticas acabou por trazer mais dificuldades do que clareza para o trabalho do professor, uma vez que, não se marcando uma concepção, seu

entendimento acerca do que trabalhar com o estudante e como trabalhar foi, muitas vezes, feito à lume de suas próprias experiências anteriores.

Quanto à possibilidade de uma abordagem discursiva de linguagem nos livros didáticos de alfabetização, percebemos que a entrada dos diferentes gêneros discursivos nesses livros pareceu contemplar a perspectiva bakhtiniana de linguagem, então já estudada na academia. Todavia, tal entrada não nos infere uma mudança significativa em termos metodológicos e, mesmo teóricos, no que tange ao processo de ensino e aprendizagem inicial da leitura e da escrita. Acerca dessa perspectiva e da presença dos diferentes gêneros discursivos nos livros didáticos, tematizaremos mais adiante, quando da análise dos textos presentes nos livros trazidos para análise.

O livro Porta Aberta – Letramento e Alfabetização Linguística – Manual do Professor - 1º ano possui 271 páginas, sendo as quatro últimas contidas de “Alfabeto móvel”. Já o livro do 2º ano apresenta 256 páginas, incluindo as referências bibliográficas. Após essas últimas páginas, nos dois livros, encontramos o apêndice “Anotações para o professor”. Ambos os livros, 1º e 2º anos, apresentam a mesma organização, iniciando com a apresentação, sob o título “Começo de conversa”, que, apesar de apresentarem algumas diferenças, têm textos muito semelhantes, tratando a aprendizagem da leitura e da escrita como “um direito de todo cidadão brasileiro” e, também, dando enfoque ao “Ensino Fundamental de Nove Anos”. Encontramos nos dois livros que o “[...] ensino fundamental de nove anos abre uma nova perspectiva no sentido de ajustar a quantidade de conteúdos apresentados às reais condições dos alunos nas diferentes faixas etárias [...]” (PORTA ABERTA - LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO LINGUÍSTICA – MANUAL DO PROFESSOR - 1º ANO - ANOTAÇÕES PARA O PROFESSOR, 2009, p. 2). Logo, os dois livros em análise trazem em destaque a criação do “Ensino Fundamental de Nove Anos”, assim como também enfatizado no Guia de livros didáticos – PNLD 2010 – letramento e

alfabetização – língua portuguesa – 2009. Entendemos que essa ênfase se deva ao

próprio Ministério da Educação (MEC) entender que essa edição do PNLD (2010) deva atender de forma especial aos estudantes de 06 anos que, agora, ingressam, de acordo com a nova lei, no Ensino Fundamental.

Diferentemente do livro A Escola é Nossa – Letramento e Alfabetização Linguística, não há uma assunção, no livro em questão, de uma abordagem e/ou concepção de linguagem que permeie as atividades propostas aos alunos. Assim, após a apresentação, no apêndice “Anotações para o professor”, o livro Porta Aberta – Letramento e Alfabetização Linguística segue com a seção “Organização da obra” por meio da qual aborda as temáticas “O começo... um espaço para reconhecer leituras”, “Linguagem oral”, “Linguagem escrita”, “Leitura”, “Sistema de escrita”, “Produção escrita” e “Critérios de avaliação do rendimento escolar”, além de sugestões de leitura para o professor. Tais sugestões e a bibliografia expõem tanto as obras oficiais do MEC (Parâmetros Curriculares e outros) quanto obras que trazem a teoria construtivista (FERREIRO E TEBEROSKY, 1986, 1992, 1996), quanto outras de perspectivas teóricas bem diversas.

Como o livro Porta Aberta – Letramento e Alfabetização Linguística - Manual do professor - 1º e 2º anos – não traz, de maneira explícita, uma abordagem teórica que balize o trabalho com a leitura e a escrita, buscaremos também nas atividades propostas aos alunos esse delineamento. Voltaremos, de maneira mais detida, à temática “Sistema de escrita”, uma vez que é nela que visualizamos o enfoque do livro para nossa temática de estudo: as relações sons e letras e letras e sons.

6.3 A ORGANIZAÇÃO DOS LIVROS DIDÁTICOS DO 1º ANO: OS SUMÁRIOS E

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