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A hora e a vez do traço: A Illustração Brasileira

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 143-147)

Capítulo 4. A mulher e a ilustração entram na redação: 1850-1865

4.3. A hora e a vez do traço: A Illustração Brasileira

Há publicações que marcam novos caminhos, abrem trilhas. O Museo Universal

(1837) e a Lanterna Mágica (1844) descortinaram o mundo da imagem e da ilustração, num veio que foi seguido por publicações como Gabinete de Leituras, Serões das Familias Brazileiras

(1837), Ostensor Brazileiro (1845), Museo Pittoresco, Historico e Litterario(1848)ou Illustração Brasileira (1854). Mesmo algumas publicações de corte mais erudito foram se adequando a esse novo modelo, passando a incluir imagens ou amenidades (EMPORIUM BRASILIS, 1999: 34). Teria sido o caso, por exemplo, das revistas Minerva Brasiliense, Íris, Guanabara.

Em artes gráficas, a formação de mão-de-obra, de artesãos, é trabalho lento, que requer um tempo de gestação e amadurecimento. Assim, ao chegar a década de 50, os alunos que aprenderam com Araújo Porto Alegre na Academia de Belas Artes ou os

aprendizes que estagiaram com Francisco de Paula Brito e nas muitas gráficas que funcionavam no Rio de Janeiro já estavam maduros para se lançar a novas empreitadas.

Ausentes das revistas durante algum tempo, as caricaturas reapareceriam na Marmota Fluminense em 1852, embora só em poucos números. Passados dois anos, elas res- surgiriam na Ilustração Brasileira, atribuídas ao artista plástico François René Moreau. Em 1855 o litógrafo Sebastien Auguste Sisson faria suas incursões nas revistas

L’ Iride ItalianaeO Brasil Ilustrado. Fechando a década, foi lançada Charivari National,

que persistiu de julho a setembro de 1859, publicando caricaturas anônimas. Com exceção de Sisson, que deu certa continuidade à veiculação de caricaturas nas pá- ginas do Brasil Ilustrado, as demais experiências foram esporádicas (EM PO RIU M BRASILIS, 1999: 36).

Vamos nos deter na análise da Illustração Brasileira, e de seu exemplar número 1, que circulou em fevereiro de 1854. Tem na capa a palavra “ilustração” grafada com “ll”, mas brasileira sem o “z” – embora no cabeçalho das lâminas que apresentam as figuras o “brazileira” do nome da publicação apareça com “z” – sinal de que na época a grafia estava em mutação. Mas o certo é que essa publicação inaugura uma série de títulos em que a palavra ilustração designa periódico com imagens. Haverá outras publicações com título idêntico: a Illustração Brasileira, jornal encyclopédico, de 1861; a Illustração Brasileira, de Henrique Fleiuss, de 1876; a Illustração Brasileira, da Editora O Malho, que circulará de 1901 a 1958 e que teve entre seus cronistas Mario de Andrade. Há ainda A Illustração do Brazil, lançada por Charles de Vivaldi em 29 de julho de 1876, a Illustração Pelotense e outras tantas que se disseminaram pelo país afora. Sem falar das duas revistas semanais ilustradas mais importantes, a Semana Illustrada, de Henrique Fleiuss, e depois a Revista Illustrada, de Angelo Agostini.

Há pouca informação sobre essa Illustração Brasileira, de 1854. Quem assina o editorial é Ernesto de Sousa e Oliveira Coutinho, que teria sido filho natural dos tempos de solteiro de Aureliano Sousa e Oliveira Coutinho, o Visconde de Sepetiba – e um dos fundadoresdo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, deputado e senador, ministro, presidente de província (Aureliano Coutinho foi o quarto presidente da Província de São Paulo). Cuidou do filho natural, Ernesto, que se formou em medicina.

Capa do nº 1 da Illustração Brasileira, de fevereiro de 1854: vista da Baía da Guanabara.

Capítulo 4

1850-1865

No alto, as figuras do jovem imperador e de Dona Theresa Christina. Mas a homenageada é a irmã mais velha do monarca, Maria da Glória, rainha de Portugal — por seu falecimento. À direita, as exéquias na Igreja de São Francisco de Paula, no Rio. Litografias de Heaton & Rensburg.

O filho certamente partilhava com o pai de idéias conservadoras e monarquistas. A leitura do exemplar de lançamento da Illustração Brasileira mostra uma publicação francamente favorável à monarquia. Escreve o redator, na terceira página de sua “introdução”:

O ra, cada systema de governo tem suas co nvençõ es: o governo verdadei- ramente mo narchico repo usa so bre esta: o príncipe é a imagem viva da patria e nesse caso o amo r pelo principe é uma virtude. O príncipe é a patria perso nificada [...] bem sabemo s que so b o sceptro das antigas mo narchias po pulares é que po deremo s só mente enco ntrar: - liberdade, glo ria e o rdem (PR SO R 02338 [1]).

A essa introdução segue-se um perfil. A figura escolhida do primeiro número é S.M. Fidelíssima, a Sra. D. Maria II de Portugal. Explica-se: a rainha de Portugal havia falecido e a revista abre seis páginas, duas delas com gravuras, para falar da rainha, nascida no Rio de Janeiro e irmã mais velha de Pedro II.

Dona Maria da Glória, a Maria II de Portugal e Algarves, era a filha primogênita de Dom Pedro I e Dona Leopoldina e nascera no Rio de Janeiro a 4 de abril de 1819. Uma rainha carioca, portanto. A revista conta, em tom de panegírico, as andanças da jovem, os muitos filhos que teve com o príncipe Fernando Augusto de Saxe-Coburg e Gotha, primo do príncipe Alberto, marido da todo-poderosa rainha Vitória da Inglaterra e soberana de meio mundo naquele 1854.

As gravuras utilizadas pela revista nesse número – uma imagem de D. Pedro II, outra da imperatriz Theresa Cristina, além da figura de Dona Maria II e uma cena das exéquias celebradas em sua memória pela colônia portuguesa do Rio de Janeiro na Igreja de São Francisco de Paula – são originais da Litografia de Heaton e Rensburg – a maior e mais famosa casa litográfica do Rio de então. Para ela trabalharam artistas como Auguste Sisson ou os irmãos Louis-Auguste e François-René Moreau, sendo este possivelmente o autor das gravuras publicadas pela revista.

Entre as seis páginas de homenagem à soberana defunta há um longo poema assinado pelo redator Ernesto de Souza e Oliveira Coutinho (que na assinatura da poesia grafa o Souza com “z”, quando assinara a abertura da revista dom “s”). Há um segundo poema, “Ao passamento”, assinado por Francisco Moniz Barreto, “natural da Bahia”.

Terminada a homenagem, a revista entra na seção “Revista Scientifica”,

publicando o que poderíamos chamar de uma miscelânea: de princípios da essência do thimo (o popular tomilho) aos nivelamentos contraditórios do istmo de Suez (estava em construção, na época, o canal que encurtaria em até 10.000 quilômetros a viagem de Marselha à Índia, esclarece o redator).

Após essas três páginas de divulgação científica, a revista publica o poema “Borboleta”, de Ernesto de Souza (“...pousa então a borboleta, beijando em negro atahude, minha gentil Julieta, no brilho da juventude”), para terminar com o folhetim “Fatima e Affonso Catan”, escrito por Julio Schroder. São cinco alentadas páginas, divididas em duas colunas, contando as aventuras e desventuras do catalão Affonso Catan, que zarpa com um navio de Barcelona com destino a Inglaterra. Pouco depois de deixar a costa espanhola, o navio é atacado por piratas tunisianos e Affonso acaba preso e vendido como escravo para o mouro Jessuf. Já envelhecido, tendo perdido seus dois filhos, Jessuf, um árabe rico, tem em Fatima sua mais preciosa jóia. Afeiçoa-se a seu escravo “hespanhol” e insiste para que ele abrace o islamismo e despose sua filha. Mas, como pede o folhetim, há muitas peripécias pelo caminho. E o feroz Alcaidi Abdrask flagra o namoro de Fatima com o infiel catalão, e os prende e leva à masmorra... Continua no próximo mês...

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 143-147)