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Um novo passo: as Marmotas de Paula Brito

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 119-127)

Capítulo 3. A vitalidade de novos rebentos: 1831-1850

3.6. Um novo passo: as Marmotas de Paula Brito

Francisco Paula Brito foi, nesse período de consolidação da imprensa na primeira metade do século X IX , o “primeiro editor digno desse nome que houve entre nós”, segundo Machado de Assis. Até ele, o mercado editorial fora dominado por livreiros e editores portugueses e, sobretudo, franceses. Mulato, filho do carpinteiro Jacinto Antunes Duarte e de Maria Joaquina da Conceição Brito, nasceu em 2 de dezembro de 1809, na então Rua do Piolho (hoje Rua da Carioca), no centro do Rio de Janeiro. Dos 6 aos 15 anos morou em Magé, interior do Rio de Janeiro, voltando à capital em 1824, em companhia do avô, o sargento-mor Martinho Pereira de Brito, que, além de comandante do Regimento dos Pardos, foi escultor e aluno do famoso Mestre Valentim. No Rio, Francisco de Paula teve de abandonar os estudos cedo, aos 15 anos, para ganhar a vida. Trabalhou como caixeiro em uma farmácia e, posteriormente, entrou como aprendiz na Tipografia Nacional, transferindo-se depois para a empresa impressora de René Ogier.

Em 1827 foi contratado pelo recém-fundado Jornal do Commercio, propriedade do impressor e editor francês Pierre René François Plancher de la Noé. De início trabalhou como compositor tipográfico, assumindo mais tarde o cargo de diretor das prensas, além de exercer as tarefas de redator, tradutor e contista. O Jornal do Commercio foi uma grande escola para Paula Brito: ali terminou dominando todas as etapas e processos de edição,

familiarizando-se com máquinas e procedimentos mais modernos do que os equipamentos que manuseara na Tipografia Nacional. Sobretudo, assimilou novas práticas mercadológicas

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do editor francês, como dar prêmios e cupons a clientes fiéis. No trabalho, conheceu Rufina Rodrigues da Costa, com quem se casou em 1830, tendo duas filhas.

No ano seguinte sai do Jornal do Commercio para iniciar vôo próprio. Adquire a loja de encadernação de livros de um primo, na Praça da Constituição, atual Tiradentes. Com as inovações que aprendera com Plancher de la Noé, consegue montar uma empresa

competitiva e se torna o primeiro editor brasileiro de importância. Em 1832, com a tipografia equipada com uma impressora a vapor, começa a imprimir livros de autores como Martins Pena, Nísia Floresta, Gonçalves Dias, Casemiro de Abreu, Araújo Porto- Alegre, Machado de Assis, mas também periódicos, com a ajuda de poucos empregados, entre eles o jovem Casemiro de Abreu. Segundo sua biógrafa Eunice Gondim, Paula Brito foi responsável pela publicação da mais extensa série de primeiras edições de que se tem notícia entre 1831 e 1861 (VAINFAS, 2002: 287). Editor entusiasta, publicou em 1843 o livro O filho do pescador, de Antonio Gonçalves Teixeira e Sousa, considerado o primeiro romance do romantismo brasileiro, além dos Prelúdios, de Juvenal Galeno, e, como se viu, deu emprego a Casimiro de Abreu (LAJOLO, 2002: 118).

A estréia de Paula Brito como revisteiro se dá com os jornais satíricos A mulher do Simplícioou A Fluminense Exaltada, em 1832. Em 1833 lança O Homem de Cor, considerado um dos primeiros jornais brasileiros a discutir o preconceito racial. Publicou ainda os pasquins

A Mineira no Rio de Janeiro; O Limão de Cheiro; O Trinta de Julho; O Saturnino, entre outros. Redigido em versos, e de circulação irregular entre 1832 e 1846, A mulher do Simplícioou A Fluminense Exaltada foi lançado em10 de marco de 1832 pela Typographia de Thomaz B. Hunt, e trazia como epígrafe a frase: “Fragil fez-me a Natureza, mas, com firme opinião, he justo que a Patria escute a voz do meo coração”. A publicação seguirá, com freqüência às vezes irregular, até 30 de abril de 1846, já então impressa na casa de Typographia Fluminense de Brito & Co (que num segundo momento passa a se chamar Typ. Imparcial de Brito para depois adotar, a partir de 1850, o dia de nascimento e o nome do proprietário: Typographia Dous de Dezembro de Paula Brito).

Já então seu estabelecimento havia se convertido em ponto de encontro, reunindo intelectuais, músicos, políticos e literatos da época, fazendo concorrência a outras livrarias. Esse ambiente de tertúlia, de conversas e de troca de informações deu origem à Sociedade Petalógica do Rossio, assim chamada por causa das histórias nascidas ali e espalhadas como verdade rapidamente pela sociedade carioca de então. A palavra “petalógica”, criada pelos poetas desse grupo, deriva de “peta”, um sinônimo de mentira. Humor, música e poesia reinavam nesses encontros promovidos por Paula Brito, com boa dose de fofoca, como convém a um encontro petalógico. O próprio Francisco compunha alguns dos lundus que animavam esses saraus: foi autor do Lundu da Marrequinha em parceria com Francisco Manuel da Silva (autor da letra do hino nacional), que chegou a ser muito tocado na época.

Mas o maior sucesso desse grande revisteiro da metade do século X IX foram as “marmotas”: A Marmota na Corte (1849), que depois passa a se chamar Marmota Fluminense

(1852-1857) e, finalmente, A Marmota (de julho de 1857 a abril de 1864). Essa terceira fase sobreviveu ao criador, que morrera em 1861 – ano em que A Marmota publica o folhetim de Machado de Assis: A queda que as mulheres têm pelos tolos.

As Marmotas tinham o formato tablóide, de quatro páginas, diagramação simples: era paginada em duas colunas, separadas por um fio vertical. O diagramador utiliza também fios duplos e fios simples horizontais para compor o cabeçalho ou logotipo e separar as matérias. Emprega apenas uma imagem, a de uma mão apontando o dedo, na página de abertura – que também faz as vezes de capa ao periódico (a Marmota Fluminense

dispensará a vinheta do dedo apontado).

A Marmota na Corte é a primeira de três versões da publicação: circulou de 7 de setembro de 1849 a 30 de abril de 1852, duas vezes por semana, somando 257 edições, com a chancela da Typografia de Paula Brito, produzida pelo editor em associação com Próspero Ribeiro Diniz.

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No alto, o logotipo da A Marmota na Corte: um dedo aponta. Acima, capa do nº 10 de A Marmota na Corte e o nº 258 da Marmota Fluminense.

A segunda versão, com o nome de Marmota Fluminense: jornal de modas e variedades,

circulará imediatamente a seguir, sem interrupção, de 4 de maio de 1852 a 30 de junho de 1857, impressa na então chamada Typographia Dous de Dezembro de Paula Brito. Nessa fase, tem apenas Paula Brito como editor, pois este se desentendera com o baiano Próspero Ribeiro Diniz (voltaremos a isso mais adiante). A primeira edição dessa segunda fase continua a numeração: é o exemplar de número 258 – e o periódico continua saindo duas vezes por semana, às terças e sextas-feiras.

Na terceira fase, a publicação volta a ganhar o artigo, mas perde o qualificativo, chamando-se apenas A Marmota. E circula de 3 de julho de 1857 a abril de 186422. O que soma quinze anos, totalizando quase 1.200 edições. Para aquele meado do século X IX foi um fato notável.

A seguir, nos deteremos na análise dos primeiros números da primeira versão, A Marmota na Corte.

O número 1 leva a data de “sexta-feira, 7 de setembro”. O ano é 1849. Abaixo do título “A Marmota na Corte”, separado com fios duplos, as informações: “Publica-se às terças e sextas-feiras, na Typ. De Paula Brito, rua dos Ourives n. 21, onde se recebem

assignatuas a 2$000 rs. por 25 numeros, pagos sempre adiantados. Números avulsos, 80 rs”. Do lado direito, os versinhos: “Eis a Marmota/ Bem variada/ P’ra ser de todos/ Sempre estimada./ Falla a verdade,/ Diz o que sente,/ Ama e respeita/ A toda gente”.

O texto da publicação é escrito em primeira pessoa, e no primeiro número o autor se apresenta e diz a que veio:

Forte arrojo! Forte atrevimento!! (dirão por ahi os leitores). Quem é o redactor desta folha chamada Marmota, que ahi aparece? É doutor formado em alguma academia? Não; mas é lente jubilado na universidade da experiencia. Sabe linguas? Não; mas traduz em portuguez o claro idioma do coração. [...] E para que escreve elle esta folha; será por interesse? Não, que isso é uma paixão tão feia, que hoje em dia ninguém a quer seguir: elle escreve só para servir a patria d’algibeira, que assim o exige o brio e denodo de um cidadão liberal. [...] Já estão ao facto do motivo por que escrevo (PR SOR 00284[1]).

A seguir, utilizando metáforas culinárias, o redator dá a receita do periódico, a que se refere como “gazeta”:

Vamos agora ao enchimento ou miollo da Gazeta. Essa folha ha de ser um guizadinho saboroso e bem temperado de tal fórma que faça os leitores ou convidados della lambe- rem os beiços, e pedirem repetição da dóse: ha de ser um podim de cousas boas; ha de levar o leite da verdade, o pão da religião, os ovos das pilherias, o cidrão da lei, as passas da poesia, a nós-moscada da critica, e por fim a canella da decência para aromatisar o palladar das familias, e dar uma vista agradavel ao bolo. Ora pois, abram a boca e fechem os olhos para chuparem o petisco (PR SOR 00284[1]).

No parágrafo seguinte, o redator se entusiasma e convida a todos, todos, a enviar colaborações (Machado de Assis foi um dos “patuscos” que atendeu o convite) para a nascente publicação. Ele se encarregaria até de corrigir, prometia, poemas toscos.

Ah! E agora, fallando serio tenho muita cousa interessante que analysar no labyrinto desta corte. Em quanto não estou bem familiarisado com as molestias do paiz, rogo á bella rapazeada desta cidade (que bastante vivesa tem), que me remetam à typographia noticias interessantes que eu publicarei, e basta só darem o thema que eu farei o sermão. Os que tiverem a veia poetica mandem todas as poesias que fizerem, ainda mesmo incorrectas, que eu as corrigirei [...] Rapazes, patuscos, estudantes, caixeiros, todos to- dos, cheguem para mim, ajudem-me com as informações da terra que verão como o negocio toma caminho, crescite et multiplicameni.

Esse tom de cumplicidade com o leitor permeará a publicação, que de início não segue uma fórmula muito fechada e repetida. Algumas notas e reportagens são

entremeadas por poesias, com forte incidência nas charadas, com que todo número é encerrado, dando-se a resposta na edição seguinte.

A edição de número 10, por exemplo, com data de 9 de outubro de 1849, abre com uma reportagem sobre o lançamento de três navios construídos nos estaleiros do Visconde de Mauá (Irineu Evangelista de Sousa). O texto, sempre em primeira pessoa, é primoroso pela fina ironia com que retrata a cerimônia do lançamento nos estaleiros. Lançamento que teve o prestígio da presença do então jovem imperador. O texto mescla narrativa e versos, como as quadrinhas “Trez vapores d’uma vez/ Vi cahirem sobre o mar;/ De já termos tal progresso/ Nos devemos gloriar” e “Já temos cá no Brasil/ Quem fabrique bom vapor./ Que serve bem nas viagens/ Para nosso Imperador!”.

Esse texto ocupa toda a primeira página dessa edição e pouco mais da metade da primeira coluna da página 2. Essa reportagem abre com o toque intimista: “No dia sabbado, 29 do passado, regosijei-me de ver a grandeza da valiosa fabrica de fundição estabelecida na Ponta d’Areia, e dirigida pelo emprehendedor Rio-grandense – Irenêo Evangelista de Sousa”. Faz, a seguir, elogio ao armador: “Esse digno patricio nosso,

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cheio de uma incansavel industria foi o primeiro que nos convenceu de que não precisamos mais depender da altivez dos inglezes, os quaes, aproveitando-se até então das nossas faltas, levavam-nos o nosso ouro, deixando seu ferro fraco e dispendioso”. Honesto, o redator entrega: “O lugar da fundição não tem belleza, mas é próprio para aquelle estabelecimento”. O repórter faz sua autocrítica: “A este acto, que foi

acompanhado de foguetes e musica militar, sobiu-me a fumaça patriotica à cabeça, acendi a minha musa, e improvisei a seguinte quadra: ‘Já temos cá no Brasil/ Quem fabrique bom vapor./ Que serve bem nas viagens/ Para nosso Imperador!’”

O melhor momento da narrativa é a descrição dos comes e bebes que se seguiram à inauguração dos três navios:

Finda a cahida dos vapores, subiu Sua Magestade para o salão da fabrica, e, depois de algum tempo, estendeu-se sobre uma extensa mesa um delicado jantar com todo o aceio e profusão; na primeira mesa jantou unicamente Sua Magestade, com o ministério do seu coração, que são as moças bonitas, e com o supremo tribunal das velhas, entre as quaes haviam duas que comiam vorazmente; uma d’ellas repetiu perú assado quatro vezes, comeu pastelões, laranjas e dous maracujás, rebocando por fim toda esta muralha com uma compoteira de doce molle, que pareceu-me cocada; a velha era formidavel no trabalho dos queixos!... a boca, apezar da falta de dentes, rodava, e mastigava por tal fórma, que parecia um moinho de moer café! Parece-me que se ella ali se demorasse uma semana, comia os ferros e os moldes da fabrica do Sr. Irenêo.

Esse número de A Marmota na Corte segue com um comentário sobre “A sociedade phil-harmonica”, texto de pouco menos de uma coluna (“Tive o prazer de assistir a uma reunião d’essa bella sociedade, digna sem duvida de grandes elogios pelo escolhido divertimento que apresenta”). A matéria seguinte, a terceira deste exemplar, é a “Vista scientifica e recreativa – a musica, e a cantoria”. Tão extensa como a primeira, ocupa quase três colunas.

A quarta entrada, sob a rubrica “Pedidos”, traz um longo poema (26 quadrinhas, ou seja, 104 linhas, ocupando duas colunas inteiras), com o título “Última defesa da rosa”, assinado por A Mulher do Simplício – curiosamente, título de um dos periódicos publicados anteriormente pelo impressor Francisco de Paula Brito, como já se disse.

Esse número da revista fecha com a tradicional “Charada”, que ocupa ¼ de coluna, quase como um rodapé:

Sou uma parte no fato O útil ao agradavel; Dos homens e das mulheres Pois, instruindo, intretenho Força é que por mim passe Um concurso variavel. Toda a colheita de Ceres; ____

Das arvores e dos arbustos A ella, meus bons amigos, Eu sou sempre natural Charadistas valentões E talvez que em outras plantas A Marmota desafia; Não me encontrem outra igual. A ella, meus sabixões! Tenho por fim reunir

Talvez pela simplicidade da linguagem, pela agilidade da fórmula em relatar com ironia fatos do dia-a-dia, o certo é que a publicação caiu no gosto do público e trará dividendos como o próprio Paula Brito escreverá na polêmica que estabelecerá com seu sócio Próspero Diniz.

Pelo que se deduz da leitura da carta aberta publicada por Paula Brito a partir da troca de nome da revista de A Marmota na Corte para Marmota Fluminense, jornal de modas e variedades,

o baiano Próspero Diniz havia editado um periódico com o nome A Marmota em Salvador. Ao chegar ao Rio, se aproximara de Paula Brito e lhe propõs uma parceria e ambos lançaram a Marmota, na versão carioca, ou seja, “na Corte”. E o que hoje seria uma questão

de registro de propriedade tornou-se motivo de chantagem por parte do baiano, que não trabalhava, mas cobrava pontualmente sua mesada pelo uso da marca. E a cada temporada aumentava suas exigências.

Na capa do número 258, em que troca a marca para Marmota Fluminense, Paula Brito publica o aviso: “Aos nossos leitores e assignantes. O Snr. Prospero Diniz já não faz parte da redacção desta folha. A Marmota Fluminense continúa a ser publicada regularmente, às terças e sextas feiras, como o foi sempre a Marmota na Corte, mesmo no longo período em que esteve ausente o Snr. Prospero”.

Esse número 258 segue com a chamada para os figurinos: essa edição da revista circulava com dois figurinos, um de noiva, outro de passeio campestre. “Não julgamos necessário fazer a descripção delles, porque todo mundo sabe que uma noiva veste-se sempre de branco; a qualidade da fazenda é que é regulada pelas posses da familia”23. Ainda na primeira coluna da primeira página se inicia um ensaio sobre o mês de maio e seus significados, a partir da mitologia romana (como se disse, esse exemplar é o primeiro do mês de maio de 1852).

A segunda página traz dois textos: “A menina namorada ou o homem

consciencioso”, assinada por “R”, e “Correspondência”, esta assinada por “A”, uma leitora. São dois ensaios de costumes, de que destacamos uma passagem, do segundo texto:

Nós, as mulheres, somos por ventura livres para alguma cousa? [...] Os homens que de tudo dispõem na sociedade, nos tem julgado tão materiais e tão flexiveis como uma porção de cêra a que, com os dedos, dão a fórma que lhes apraz! Não nos concedem um espirito, que determine as nossas vontades, nem a vontade que é filha da liberdade do espirito! Assim, pois, para me casarem, não procuram conhecer a minha vontade, não julgam isso essencialmente preciso; basta que elles o queiram, e que eu não tenha bastan- te força para os contrariar.

Um texto de forte tom feminista e, o que é surpreendente, redigido quase ao estilo com que escrevemos nos dias atuais (basta comparar com outras citações já mostradas anteriormente nessa pesquisa).

A terceira página apresenta três textos: “Illusão d’alma”, assinado por F.G. da Silva, e “Brincos da Infância”, um poema não assinado. Há ainda um soneto, também sem assinatura. A quarta e última página desse exemplar é composta por outras quatro poesias, uma sem assinatura, e as “Meus Amores”, de Cruz Junior, e “O ramalhete”, de J.A. de Macedo. A página se encerra com a charada, e no final o crédito: Empreza Typographica Dous de Dezembro de Paula Brito, Impressor da Casa Imperial.

Mas a polêmica com o antigo sócio Próspero Diniz não se encerrara. E é com um “O Snr. Prospero e a Marmota” que Paula Brito abre a edição 260, da terça-feira 11 de maio. Ele começa se desculpando: “Nunca pensei occupar a attenção do publico com questões de Marmota, porém como o Snr. Prospero Diniz publicou no seu Boticário um artigo de introdução pouco verdadeiro, permittam os leitores que eu diga alguma cousa a respeito”.

Paula Brito, nesse texto assinado, conta a história da sua associação com o baiano, que lhe fora recomendado por Araújo Porto-Alegre. Pela diatribe, ficamos sabendo que a Marmota vendia bem, que fora um sucesso de público, que Prospero Diniz colaborou pouco e sempre quis aumentos de suas retiradas, começou exigindo 60$ mensais, logo quis 80$, a seguir 100$. Que, voltando à Bahia, prometera enviar artigos e colaborações, não cumprindo sua parte mas cobrando a remuneração. Que em Salvador publicara a Verdadeira Marmota de Prospero D iniz, e que logo a seguir, aproveitando-se da fama do periódico de Paula Brito, lança em Recife a Marmota Pernambucana.

relatório das agruras de um editor, Francisco de Paula Brito tece comentários sobre as sutilezas da edição, sobre os esforços para aumentar o número de assinaturas, sobre as mudanças no gosto do público, que exige atenção do editor em descobrir novidades, sejam as partituras, os novos figurinos “e de outras cousas que é hoje do que o publico mais gosta”.

Inflamado, nesse texto autoral, Paula Brito deixa entrever sua paixão por sua atividade. Saber ou buscar o que o público mais gosta: esse traço explica seu sucesso como editor – é com esse olho na resposta do público que se criam os contratos de leitura mais duráveis e bem-sucedidos.

Outra das publicações de boa recepção criadas por esse revisteiro foi O Espelho: revista de litteratura, modas, industria e artes, lançada em 1859 – obra de maturidade do editor, de que falaremos no próximo capítulo. Aqui, como reforço nessa análise do olhar de revisteiro de Paula Brito, é importante lembrar que no número 1088, da terça-feira 6 de setembro de 1859, a Marmota distribuía grátis para seus leitores um exemplar de O Espelho,

“para que, lendo-a, vejam pelo conteúdo d’ella se lhes convem assingal-a por 3, ou por 6 mezes, na loja desta officina, Praça da Constituição n. 64. Sem a resposta de se querem ou não subscrevel-a, não continuaremos a remessa”.

Não era pouca a coragem e o empenho da parte de um mulato de origem humilde, que chegou a ter sócios famosos e contou com o apoio do imperador (LAJOLO, 2002: 118), pois além das revistas, que é o que nos interessa nesta pesquisa, Francisco de Paula Brito publicou textos do teatrólogo Martins Pena e, nas páginas de suas Marmotas, divulgou os trabalhos de jovens escritores como Joaquim Manuel de Macedo, publicado em folhetins, os poemas de Teixeira e Souza e as primeiras peças e versos de Machado de Assis e Gonçalves Dias (VAINFAS, 2002: 287-289).

Paula Brito faleceu em sua residência, no Campo de Sant’Anna, em 1º de dezembro de 1861. Seu cortejo fúnebre foi um dos maiores presenciados pela Corte, prova de que era personagem popularíssimo entre os intelectuais, músicos e artistas.

Notas do Capítulo 3

1 O visconde da Pedra Branca, ou da Pedra Parda, como o chamava maldosamente José Bonifácio (CARVALHO, 2007: 64), rico senhor de engenho baiano formado em Coimbra, foi

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 119-127)