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A indústria dá as cartas: os 60 anos de O Auxiliador

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 97-100)

Capítulo 3. A vitalidade de novos rebentos: 1831-1850

3.1. A indústria dá as cartas: os 60 anos de O Auxiliador

Nossa primeira publicação segmentada, focada sobre assuntos políticos e

econômicos, surgiu em 1831. Chamava-se Semanário Político, Industrial e Comercial e, como a maioria dos títulos desse início de nossa imprensa, tirou apenas uma edição. Em 1832 uma sociedade organizada por fazendeiros e senhores de engenho criaria, em Salvador, a primeira revista dedicada à agricultura, a principal atividade econômica brasileira da época. Era o Jornal da Sociedade de Agricultura, Commmercio e Industria da Provincia da Bahia,

editado pelaTyp. de Moreira e que tinha como principal redator o padre Francisco Agostinho Gomes. Publicação de periodicidade irregular, divulgava ensaios e memórias, ou seja, extratos de artigos de periódicos nacionais e estrangeiros, meio ao estilo

“clipping”, que era adotado por quase todas as publicações de então (antecipavam, de algum modo, em um século o que viria a ser a fórmula da revista norte-americana

Seleções do Readers Digest). Essa fórmula, de apresentar artigos condensados e resumos de ensaios aparecidos em revistas ou jornais europeus ou americanos, se completava com a publicação de correspondência de leitores e alguma notícia local.

Com muitas matérias traduzidas de periódicos estrangeiros, constituía uma densa massa de textos sobre novidades científicas e tecnológicas. Estimulava a diversificação da produção agrícola com a introdução de novas culturas, divulgava inovações para as plantações tradicionais e para a fabricação de produtos de origem animal e vegetal, e dava conselhos práticos sobre agricultura (EM PORIUM BRASILIS, 1999: 27).

Mas, entre as muitas publicações criadas por associações de classe, merece especial atenção O Auxiliador da Industria Nacional, por se tratar de um periódico despretensioso e de larga vida. Usava o longo subtítulo de “Collecção de Memorias e Noticias

interessantes aos fazendeiros, fabricantes, artistas, e classes industriosas no Brasil, tanto originaes como traduzidas das melhores obras que neste gênero se publicão nos Estados Unidos, França, Inglaterra, &c”.

Lançado em 15 de janeiro de 1833 pela Typographia Imperial e Constitucional de Seignot-Plancher & C.°, da Rua do Ouvidor, N. 95, O Auxiliador da Industria Nacional será publicado até dezembro de 1892, cumprindo uma trajetória de 60 anos, chegando a um total de 720 números. Periódico mensal, era editado sob os auspícios da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional (criada em 1827, a Sociedade Auxiliadora foi o

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embrião da atual Confederação Nacional da Indústria). Segundo a ficha catalográfica da Biblioteca Nacional, a publicação teve entre seus redatores personalidades como o padre e orador Januário da Cunha Barbosa4, Pedro de Alcântara Lisboa, Miguel Joaquim Pereira de Sá, M. de Oliveira Fausto.

Ao longo de seus muitos volumes, O Auxiliador criticou o atraso econômico do Brasil e já em seu número de lançamento alertava:

Não precisamos ir longe para vermos provas palpáveis destas tristes verdades. No vasto, rico e importante Império do Brasil, uma máquina é exótica; não existe uma estrada perfeita; não se navega por um canal; e isso porque ainda não resolvemos associar os poucos meios de cada um para, com o coletivo de todos, obtermos os resultados que os capitais reunidos fazem todos os dias surgir naqueles países onde o espírito de associação comanda a natureza bruta e força a apresentar nova face polida, tudo efeito, tudo obra da reunião de indivíduos (apud EM PORIUM BRASILIS, 1999: 27).

A revista publicava as memórias, ou seja, sinopses de artigos sobre café, açúcar, mandioca, fabricação de produtos de origem vegetal e animal, velas, tabaco, conservação de utensílios. Didático em seu texto, O Auxiliador aconselhava e orientava. Como exemplo, reproduzimos a seguir trecho do artigo de Economia Doméstica, “Maneira de tornar

A capa do número 1 de O Auxiliador (esquerda) e o artigo “Maneira de tornar saudáveis as habitaçlões humidas”, traduzido pelo cônego Januário da Cunha Barbosa.

saudáveis as habitações humidas” (traduzido dos J. dos Conh. Úteis5, por J. da C.B., sigla adotada pelo redator Januário da Cunha Barbosa).

Sabe-se que o excesso de humidade no ar he huma das causas mais activas da insalubri- dade nas casas térreas; e póde acrescentar-se, que esta causa de enfermidades deterióra tambem mui depressa as paredes e rebóques. Devemos á M. Payen hum meio fácil de nos livrar-mos destes inconvenientes. – Endurece-se o sólo amontoando-lhe fachina; e quando lhe falta solidez, forma-se uma área plana com cascalho e argamassa. Exten[den]do- se sobre a superficie assim aplanada huma camada de massa de mastic-bitume de 4 á 5 linhas de grossura. Esta materia, completamente impenetravel á agoa, intercepta toda a communicação com a humidade inferior. Se a sala baixa, assim preparada, deve ser assoalhada, cóbre-se o mastic de huma camada de 6 á 8 linhas de gêsso amassado com azeite, assentão-se em cima os barrotes e sobre elles se prégão as taboas. As salas das casas térreas assim preparadas não estão sujeitas aos inconvenientes da humidade” (O Auxiliador, Anno III – nº 7, pág. 27) (PR SOR 100-1).

O público certamente apreciava esse tipo de matéria com indicações práticas, a informação útil que hoje chamamos de “jornalismo de serviço”, tanto que a revista sobreviverá até dezembro de 1892, completando uma coleção ininterrupta de 60 volumes de 12 exemplares. Um tento e tanto!

Até o final da década de 1850, O Auxiliador encarava a indústria como mera atividade comple- mentar à agropecuária, para a qual aquela fornecia o maquinário necessário. Mas a partir daí suas páginas irão refletir a luta travada entre os defensores da “vocação agrícola brasileira” e os que enxergavam no setor industrial uma alternativa econômica promissora. Pela revista, a Sociedade Auxiliadora propunha novas idéias, como a realização de exposições periódi- cas, capazes de divulgar o estágio da agricultura e da indústria nacionais, algo comum na Europa. Mais adiante, a partir dos anos 1870 tornaram-se freqüentes os artigos defenden- do a abolição da escravatura e sua substituição pela mão-de-obra assalariada, com matérias incentivando a imigração européia – no que a publicação refletia movimentos e idéias que circulavam pelo país (EMPORIUM BRASILIS, 1999: 27).

Com a queda da Monarquia, em 1889, a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, que, como outras instituições de ensino e propagação cultural e artística, recebia o apoio e a proteção do imperador D. Pedro II, entrou em declínio e sua publicação refletirá essa situação. Tanto assim que, em 1892, a revista entra em uma fase de

periodicidade irregular, até deixar de circular em 1903. Mas O Auxiliador deixou um saldo positivo, que foi a formação de gerações de “fazendeiros, fabricantes, artistas, e classes industriosas no Brasil” – o público para o qual a revista fora criada.

Também ligada à Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, e contando ainda com o apoio de verbas concedidas por D. Pedro II, surgiu, seis anos depois do lançamento de O Auxiliador, uma outra publicação. Era o órgão de divulgação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e se chamou Revista Trimensal de História e Geografia. Criada em 1939, foi pensada com a missão de “coligir, metodizar, publicar ou arquivar os documentos necessários para a História e Geografia do Brasil”. Chegou a ser distribuída a 136 sociedades estrangeiras e, por sua periodicidade ininterrupta, recebeu um prêmio internacional no Congresso de História de Veneza, em 1881 (cf. VAINFAS, 2002: 381). Publicada até hoje como Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,é considerada uma fonte valiosa para a pesquisa histórica.

Já entre as revistas ligadas à medicina, destacou-se o Semanario de Saude Publica, também lançado pela Typ. Imperial, de E. Seignot-Plancher. Depois trocou o nome para Revista Medica Fluminense (1835-1841) e circulou até 1885, passando por diversas fases, em que adotou ainda os nomes de Revista Medica Brazileira e Annaes Braziliense de Medicina. Os farmacêuticos, médicos e atendentes que durante sua formação liam as apostilas publicadas pela Impressão Régia podiam agora se atualizar com periódicos de feição mais técnica – como acontecerá com revistas abordando aspectos da administração, do comércio e da medicina.

Capítulo 3

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 97-100)