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Elas continuam com as cartas: O Espelho

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 140-143)

Capítulo 4. A mulher e a ilustração entram na redação: 1850-1865

4.2. Elas continuam com as cartas: O Espelho

O sucesso do Jornal das Senhoras serviu como alavanca para que outras iniciativas surgissem. Como o relançamento, pela casa impressora de Laemmerts, de seu Correio das Modas, que deixara de circular em 1840. Como se disse acima, a publicação voltou em março de 1852, em formato maior e com o nome de Novo Correio de Modas, “jornal do mundo elegante consagrado às famílias brasileiras”. Circulou até outubro de 1854. Com esse filão aberto aparece, em 1856, o Recreio do Bello Sexo, com o subtítulo de “modas, litteratura, bellas-artes e theatro”. E Francisco de Paula Brito lança seu O Espelho: Revista de litteratura, modas, industria e artes, que circulará entre 4 de setembro de 1859 e 1 de janeiro de 1860, somando dezoito números. E em Campanha, pequena cidade de Minas Gerais, a professora Francisca Senhorinha da Motta Diniz lança, no ano de 1873, O Sexo Feminino – de que falaremos no próximo capítulo.

Já se comentou o fascínio que a metáfora do espelho exerceu sobre a imprensa – e isso ocorreu em escala mundial. Aqui, tivemos diversas

publicações com essa palavra no título e é comum que se confundam a publicação lançada por Paula Brito em 1859 com outro periódico saído da Imprensa Nacional e que circulou quase quarenta

anos anos (entre 1821 e 1823), somando quase duas centenas de edições. O Espelho de 1821 tinha como redator o “único jornalista profissional do Rio de Janeiro”, ensina Isabel Lustosa, “o coronel Ferreira de Araújo”, ex-redator da Gazeta e de O Patriota

(LU STOSA, 2000: 172). Foi nesse Espelho que Pedro I publicou, em 10 de janeiro de 1823, o artigo “O calmante da e no Malagueta”, virulento ataque contra o jornalista português Luis Augusto May (editor da Malagueta), considerado por Isabel Lustosa “notável peça jornalística, talvez única no seu estilo publicada no Brasil” (LU STOSA, 2000: 305). A autora se refere à proporção das baixarias e ofensas pessoais ali

publicadas (ver capítulo 2.3: “Os periódicos incendiários”).

Mas voltemos a O Espelho de Paula Brito, de 1859. Com o subtítulo de “revista de litteratura, modas, industria e artes”, tinha como diretor e redator chefe E. Eleuterio de Sousa e já em seu primeiro número se apresentou como uma revista de cultura destinada ao público em geral, mas em especial às mulheres. No “Prospecto” com que abre seu primeiro número, de 4 de setembro de 1859, o redator escreve:

Não foi sem havermos profundamente reflectido que nos resolvemos a publicar o Espe- lho. [...] Por ora nada mais promettemos do que a nossa boa vontade para fazermos com que esta revista tenha a maior circulação possivel. O meio é somente um: tornal-a varia- da, mas de uma variedade que deleite e instrua, que moralise e sirva de recreio quer nos salões do rico, como no tugurio do pobre.

Para esse fim temos em vista a publicação dos romances originaes ou traduzidos, que nos parecerem mais dignos de ser publicados, artigos sobre litteratura, industria e artes, poesias, e tudo quanto possa interessar ao nosso publico e especialmente ao bello sexo. Tambem publicaremos o que de novo apparecer sobre modas e opportunamente dare- mos os mais modernos figurinos, que de Paris mandaremos vir, e bem assim retratos e gravuras (PR SOR 03126 [1]).

É patente a proposta de uma publicação cultural com apelo entre as leitoras. E se nota o olhar revisteiro de Paula Brito ao acenar com o apelo dos figurinos.

Uma análise do número 16, publicado em 18 de dezembro de 1859, nos dá conta de que a revista, de 12 páginas, era impressa na Typografia Americana de José Soares de Pinho, da Rua da Alfândega 197. Um formato que deveria prever lâminas com imagens de moda. A revista é impressa em duas colunas, com fios separando-as. Um fio duplo no alto dá unidade à página. Esse número 16 abre com um texto “Gralhas sociais” assinado por Gil. Segue a oitava entrega do folhetim O testamento do Sr. Chauvelin, romance de Alexandre Dumas, que continuará no número seguinte. Na página 4, sob a epígrafe “Curiosidades dos tempos antigos e modernos”, a leitora do periódico fica sabendo sobre a Estátua de Pedro o Grande, da Rússia.

Segue-se uma “História da Dansa”, indo da mitologia e da Grécia antiga até os tempos de Catarina de Medicis (ela teria dado o primeiro baile no Louvre, em 1581) e Henrique IV, que “gostava tanto da dansa que obrigava seu ministro Sully a dansar com elle”. O articulista (que não assina o texto) promete para a edição seguinte tratar das diferentes danças do passado.

Fala-se a seguir sobre “As cartas”, discorrendo sobre cartas de jogar. O artigo não deve ter sido revisado e dá ocasião a trechos divertidos como este: “O autor do Gulden Spiel, impresso em 1472 em Ausgbourg, affirma, sem provar, que as cartas foram introduzidas na Allemanha em 1830” (provavelmente o correto seria 1430). Ao final de duas longas colunas, a leitora ficou sem saber a que vinha o artigo – que nem tem o esperado tom moralista, apenas levanta uma série de dados um tanto desconexos.

A seguir, “O collar de perolas” traça o perfil de “characteres e retratos de mulheres celebres”. Nessa edição a focalizada é Herminia D’Armor. Em duas páginas (quatro colunas), o texto apresenta, em forma de diálogo entre o conde D’Armor e o jovem escritor Meriadec, considerações sobre o velho regime e as aspirações do escritor:

Capítulo 4

O jogo de 12 páginas do nº 16 de O Espelho, de 18 de dezembro de 1859.

– Si ainda estivessemos no começo do mundo, senhor conde, a pediriamos a Deus; mas agora, o que fazer? Não pedimos muito; queremos tão sómente a igualdade civil, uma representação perfeita da nação, uma divisão igual dos impostos e dos empregos publicos, emfim queremos que ninguem seja excluido dos cargos e honras, cujas portas uma genealogia pretende fechar ao merito.

– O senhor parece ignorar que a nobresa gosa de certas isempções conquistadas pelo sangue que derrama pelo paiz e pelo serviço na guerra e na corte (PR SOR 03126 [1]).

Ao final da conversa, que termina sem acordo, o jovem Meriadec deixa o gabinete do conde e se encontra com Herminia: “uma mulher de rara formosura, sahindo de uma sala contigua e lançando-se ao encontro do mancebo com o seio anhelante e as mãos juntas supplicou-lhe que esperasse”. Apenas no próximo número a leitora ficará sabendo

Capítulo 4

1850-1865

algo mais palpável sobre a que seria a mulher perfilada pela revista. Era ela, afinal, o tema de “O collar de perolas”.

A seguir, na página 9, a “Revista de Theatros” traz a crítica das peças em cartaz. O Gymnasio Dramatico apresentava “A vendedora de perus” e “Dous Mundos”, e o São Januário tinha em cartaz “Anjo Maria” e “Os filhos de Adão e Eva”. A resenha dos quatro espetáculos mostra tarimba por parte do autor. Comenta o texto a atuação dos atores, o material cênico – em contraste com o que foi o tom da publicação até aqui:

As duas figuras salientes [se refere à peça Os filhos de Adão e Eva] são o Sr. Vasques e a Sra. D. Manoela. O sr. Vasques caracterisou-se com precisão e gosto, e sustentou o seu papel de corcunda. Tem futuro, não o deixe perder como alguns outros, nas doidices do tabla- do. De passagem lhe aconselho, menos movimentos nas suas scenas mudas do segundo acto; atenúa assim o effeito que devem produzir as outras personagens em seus dialogos. A Sra. D. Manoela transfigurou-se; fez de Marieta, o vulto concebido pelo autor, um silpho pela vivesa, pelos movimentos graciosos, pela volubilidade da conversa, pela refle- xão pueril de uma criança... (PR SOR 03126 [1]).

As iniciais do autor estão borradas, mas pode ser R-as ou M-as. Seria Machado de Assis o autor dessa deliciosa crítica? De fato, é dele o poema “Travessa”, que abre a seção final da revista: “Ai, por Deus, por vida minha, como és travessa e louquinha! Gosto de ti – gosto tanto dessa tua travessura, que não déra o meu encanto, que não déra o meu gostar, nem por estrellas do céu, nem por perolas do mar”...

Seguem as poesias de Ernesto Cirrão (“Pois sim...”), de Bittencourt da Silva (“Recordação”) e de Fragoso (“Rosa secca”), fechando esse número 16 de O Espelho.

Não admira que essa publicação – saída do núcleo editorial de Paula Brito,

chamado por Alencastro, como se viu, de “agitador cultural do império” – tenha tido vida curta, sem muito sucesso. Mesmo publicando romances de Dumas ou histórias

fasciculadas como “A hospitalidade no Brasil, impressões de uma viagem a Minas”, ou dando como brinde partituras como a “Polca fascinante”, de L.J. Curvêllo (número 5), ao lado de poemas de Casimiro de Abreu ou Machado de Assis, textos de Eleutério de Souza, Francisco Queiroz Regadas, a revista não conseguiu sucesso. Em algum momento,

folheando seus exemplares, fica a impressão de que O Espelho criou um entretecido de histórias, relatos que continuam de número a número, em que o folhetim “A dama dos cravos vermelhos” convive com “O testamento do Sr. Chauvelin” (iniciada no número 5, essa história não terá terminado quando a revista deixa de circular). Parece que Francisco de Paula Brito (quem, como se viu, buscava dar ao leitor o que este queria) atirava para tudo quanto é lado. Mas que neste caso não acertou o alvo. A revista fechou ao chegar à sua 18ª edição.

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 140-143)