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O Correio das Modas

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 110-113)

Capítulo 3. A vitalidade de novos rebentos: 1831-1850

3.4. Os livreiros, o Almanak Laemmert e o Correio das Modas

3.4.2. O Correio das Modas

A ficha catalográfica da Biblioteca Nacional esclarece: a revista O Correio das Modas, jornal critico e litterario das modas, bailes, theatros, etc., com formato de 24 x 17 cm, era semanal e circulou entre janeiro de 1839 e 31 de dezembro de 1840, mudando de periodicidade em seu segundo ano, passando a circular duas vezes por semana. No total, somou 131 fascículos. No acervo da Biblioteca Nacional estão guardados todos esses exemplares, coleção completa.

Mais de uma década depois, a mesma Typographia Universal de Laemmert lançará outra publicação, Novo Correio das Modas: jornal do mundo elegante consagrado às família brasileiras, com ilustrações a cor e que circulará entre 1852 e 1854 – mas desta vez será semestral, mais ao estilo dos almanaques que fizeram a fama daquela casa editorial. No total, essa segunda “dentição” – com formato maior, de 28 x 19 cm – renderá apenas cinco diferentes edições.

Quase sempre o texto de abertura do periódico reforça a idéia da dificuldade que é escrever sobre moda, do “trabalho de percorrer salões e costureiras, modistas e casas de roupas” em busca das novidades. Dá conta de navios que chegam com novos produtos, fala dos estoques das lojas, mas sem dar muitas indicações concretas sobre vestir. A revista traz muitas novelas curtas, como a história de Julio, que parte para a Índia e faz fortuna (números 2 e 3 da publicação), a “Fugida do Castelo de Loch Levin” (número 16) ou “Uma aventura no baile mascarado” (nº 22). A edição de número 26, que circulou no sábado 29 de junho de 1839, começa a publicação de um artigo “em quatro entregas” sobre o “Casamento por inclinação”. A revista traz com freqüência lâminas com sugestões de roupa masculina.

Vamos nos deter numa análise do número 1 desse Correio das Modas, semanário, lançado dia 5 de janeiro de 1839, um “sabbado”, como esclarece a capa do periódico. A revista tem capa sóbria, apenas 1/3 na parte superior da primeira página traz o cabeçalho. Entre dois fios simples, as indicações de

“N° 1, vol. 1”, à esquerda. No centro, a data: “sabbado, 5 de janeiro”. E à direita, dentro de fios, o ano: “1839. 1° anno”.

Na segunda camada desse cabeçalho, o centro mostra uma vinheta: uma lira envolta com imagens (uma figura que pode ser uma espátula encimada com uma cabeça masculina, uma foice ou régua, uma flor). Do lado esquerdo, o serviço: “Publica-se todos os sabbados, 1 número com uma gravura. Assigantura: Rs 5$000 adiantados por 4 mezes”. Do lado esquerdo, a

complementação: “Assigna-se na Livraria de E. e H. Laemmert, Editores. Rua da

Quitanda, N. 77. Rio de Janeiro”.

Na terceira camada, o título em três

Capa do primeiro número do Correio das Modas, que circulou dia 5 de janeiro de 1839.

Capítulo 3

1831-1850

linhas: Correio das Modas, / jornal critico e litterario / das modas, bailes, theatros, etc.

Na linha de baixo, a epígrafe: “Tout change, la raison change aussi de methode, Écrits, habillemens, systeme, tout est mode!”. A partir daí, a revista se apresenta, diz a que veio. E o faz utilizando uma linguagem doce, bastante amigável. Esse tom, quase coloquial para o que era a imprensa escrita de então, surpreende:

Moda: tendes emfim, amaveis leitoras, um «Jornal de Modas» de que estava em fallencia o Rio de Janeiro e as outras Províncias. – O dezejo que temos de agradar-vos, obriga-nos a vencer muitas difficuldades. Pois que! Julgais que não é tarefa importante o escrever para o bello sexo a quem a natureza largueou uma infinidade de gostos variadissimos? – Entrai em um formoso jardim no qual Flora alardeia toda a sua riqueza, vereis flores muito mimosas, porém notareis uma prodigiosa diversidade d’ellas; pois bem; assim são também os pensamentos, gostos e inclinações das Senhoras. Ora, que trabalho não tem um pobre escriptor para apresentar uma combinação que infunda um prazer geral!! Comtudo, um surriso vosso, um elogio, uma protecção decidida – eis a nossa maior recompensa (PR SOR 00614 [1]).

Esse tom de conversa amena permeará as 8 páginas da publicação, que vem

acompanhada de uma lâmina (impressão apenas de um lado) com uma imagem de moda, em que o desenho busca valorizar a roupa. Os textos são diagramados em duas colunas. separadas por um fio simples. No alto de todas as páginas, o mesmo fio duplo da capa se repete, fixando o nome da publicação: Correio das Modas.

O redator, que já de início esclarece ser homem e confessa a dificuldade que terá de atender a uma leitora tão exigente, sabe mimar e seduzir. Mas adiante, terminada a introdução, ainda na primeira página, ele chama a atenção para a lâmina, brinde da edição.

Cravai, minhas leitoras, os vossos bellos olhos na gravura que acompanha o nosso Jor- nal... Tende alguma de vós a bondade de a contemplar e observar, de certo direis: - “Oh! si eu me trajar assim hei de ficar mais bonita”. Nós vos affirmamos que não ha couza mais fácil. – Dai-me attenção, pois vamos fazer a descripção da gravura... (PR SOR 00614 [1], pág 1).

Ele usa metade da página 2, que se segue, descrevendo a gravura. Dá muitas pistas de elegância para a mulher (o chapéu da gravura e o corte de penteado pedem rosto arredondado, “pois poucos são os rostos compridos que se ajeitam a um tal modo de pentear”. Terminada a longa descrição, o redator reforça: “Adoptem as Senhoras esta moda que captivarão todos os corações”. E exemplifica:

Há dias houve uma partida a que tivemos a honra de assistir. Muitas senhoras estavam vestidas de maneiras differentes; – entre ellas havia uma exactamente trajada no gosto da gravura. – O que aconcteceu? Foi ella attrahir a attenção geral. Todas as pessoas diziam: – “Como está encantadora, como está bella!!”. Vede, pois, amaveis leitoras, si temos razão (PR SOR 00614 [1], pág 1).

Terminada a descrição e essa exortação, na segunda coluna da página 2, o terceiro texto, “A missa do gallo!!”, definido como uma “legenda brasileira”. Trata-se, na realidade, de um pequeno conto, um tanto macabro, que ocupará duas páginas.

A história se passa em 1775, numa formosa fazenda a poucas léguas da cidade de São Paulo. Carlos, o dono da fazenda, se casara com Izabel, seduzido pela beleza da mulher. Mas ele é infeliz, pois “ella trahia a seu marido”, revela o autor, já no segundo parágrafo. Na véspera de natal, em meio a uma tempestade em que “o trovão roncava e dava berros tremendos, o vento zunia, o firmamento desabava-se em chuva”, Carlos sai e vai até a casa do amigo Adolpho, ali perto – seu amigo Adolpho, ele sabe, é o amante de sua consorte. Carlos o mata, atravessando-lhe o peito com sua espada.

No dia seguinte, 24 de dezembro, conforme planejara, a “pérfida” Izabel manda prender todos os cachorros, para, quando o amante chegar, não haver ruído que pudesse despertar o fazendeiro, que dorme pesado sono. Adolpho chega, na hora da missa do galo, mas é em realidade um fantasma, que dá um alerta à adultera: “O Céo perdoa todos os crimes, menos o adultério” – e lhe toca a face com a mão, deixando no rosto de Izabel a marca de seus dedos, como se a tivesse marcado com ferro em brasa.

O conto termina com uma lição de moral:

Dois annos depois havia uma religiosa em um Convento da Cidade: era o modelo de todas as virtudes; trazia sempre a face direita para esconder o signal de cinco dedos n’ella estampados. Era Izabel. Ao pé da porta do convento ouvia-se, alta noite, uma voz rouca gritar: “A missa do gallo!!”. Era Carlos que andava doido (PR SOR 00614 [1], pág 4).

O texto é assinado com as iniciais M. da C. Já o artigo seguinte, o longo “Minhas aventuras”, que continuará no número 2, vem sem assinatura. Essa “primeira emtrega”, que começa quase no rodapé da página 4, leva o subtítulo de ‘Na véspera de Reis’ e tem o estilo de uma crônica. O autor inicia com uma singela reflexão sobre o fato de escrever para leitoras.

Escrever para um periodico de modas!... oh! que felicidade! ter um circulo de leitoras, que todas querem saber quem é o indivíduo que as diverte para recompensal-o com um sorriso, ou, o que é muito natural, quem é o maldito que lhes excita enxaquecas, attaques de nervos, máo humor em fim, para fugir d’elle, para evitar-lhe a conversação, é viver no paraiso, por que, saldadas as contas, o escriptor é conhecido, falla-se d’elle – e é uma ventura ser o objecto do entertenimento das damas (PR SOR 00614 [1], págs. 4 e 5).

A reflexão segue por muitas linhas, com o autor fazendo um panegírico sobre as mulheres e desdenhando do (estereotipado) mundo masculino. Garante: “Abhorreço a política, odeio a arithmetica e os jogos das praças commerciaes; a veterinária para mim não tem encantos, e ainda menos a agricultura”. Finalmente, o redator comenta sobre o tradicional costume das folias de reis, e de como o hábito de sair em grupo cantando de casa em casa se perdia no Rio de Janeiro de então, diferentemente do que ainda acontecia nas províncias. E conta um episódio com ele sucedido em janeiro de 1831, oito anos antes, quando vivia fora da capital, ao se incorporar a um grupo de folia, mesmo não sabendo cantar, dançar ou tocar instrumento.

Pelo relato vamos sabendo que esses grupos eram compostos de dois cantores, um tocador de rebeca, um violeiro e um flautista. Após uma apresentação malsucedida, o grupo tem razoável performance em frente a uma casa de “família-bem” do lugar, sendo convidados para entrar e participar da ceia. Após três páginas (seis colunas), o relato se interrompe, quase ao final da página 7: o grupo de foliões é convidado a iniciar as contradanças. A história continuará na semana seguinte (deixando curiosa a leitora).

O texto seguinte, com o título “O Amor Perfeito”, servirá de introdução para a poesia de 16 quadrinhas que ocupa a página 8, última dessa edição. O amor-perfeito se refere à flor – símbolo do amor: “Roxa florinha engraçada/ que tens o nome de amor/ que da mimosa ternura/ és o emblema encantador”. As dezesseis quadras seguem com rimas ingênuas (coração/satisfação; bela/dela; flora/outrora; viverás, estás).

A revista termina com uma charada que terá sua solução publicada no sábado seguinte. No pé, a despedida: “Adeos, amaveis leitoras”.

Terminou esse número da revista? Falta conferir a lâmina com a informação de moda. Não é difícil imaginar o sucesso que essa gravura deve ter causado no Rio de Janeiro de 1839. E será sobre o impacto das imagens que nos deteremos no próximo subtítulo deste capítulo.

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 110-113)