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Os impressores e o Museo Universal

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 102-106)

Capítulo 3. A vitalidade de novos rebentos: 1831-1850

3.3. Os impressores e o Museo Universal

Os problemas para os editores, nesse período de aprendizado, de criação de publicações e de formação do público leitor, não foram poucos. Por causa do leitorado rarefeito, as tiragens eram pequenas e muitos dos títulos não caíam no gosto do público, faltava algo que atraísse sua atenção. É comum, ao pesquisar as publicações dessa época, deparar com queixas dos editores, sobretudo quando anunciam o encerramento das atividades de um título. Queixam-se da falta de assinantes ou do não pagamento das cotas periódicas, como motivo para pôr fim às publicações. Faltava tudo, até uma visão mais empresarial. E um dos primeiros revisteiros a apontar para novas alternativas foi Junio Villeneuve, proprietário do Jornal do Commercio.Villeneuve é parte da segunda geração de editores franceses que deixaram suas marcas na formação do público leitor e do mercado editorial. Essa saga foi iniciada quase duas décadas antes, com a chegada de Plancher de la Noé, como se viu no capítulo anterior.

Apesar de sua amizade e da proteção de Pedro I, o jornal de Plancher de la Noé se juntou à campanha iniciada pela Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga, contra as

arbitrariedades do imperador. Esse movimento resultou na abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831 – mesmo ano em que Pierre Plancher retorna a Paris. Afinal, também lá haviam mudado os ventos, após a revolução liberal de 1830, com a volta da liberdade de imprensa. Já agora sob a direção de Emile Seignot, o Jornal do Commercio é vendido em 1834 a Junio de Villeneuve, sendo Francisco Antônio Picot seu principal editor. A família Villeneuve manteve-se à frente do jornal até 1890, quando passou o controle para José Carlos

Rodrigues, jornalista que trabalhava no periódico desde 1868 (VAINFAS, 2002: 420). À frente dos negócios da agora chamada Typographia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve, Junio lança, em julho de 1837, uma revista ilustrada que será um dos marcos desse período: o Museo Universal. A publicação era uma aposta do editor na linha de popularização da leitura, que aos poucos ia acontecendo na Corte. Diferentemente das publicações mais didáticas e com o tom de apostila que a precederam, Museo Universal não se destinava a alunos das academias, mas buscava interessar os segmentos da população que se alfabetizavam. Com texto menos professoral, o periódico abordava temas de interesse geral, como mostra a análise dos índices que encerram cada volume6. A revista inovou sobretudo por introduzir algo novo na imprensa de nosso país: o uso de ilustração. Na revista, elas apareciam quer em pequenas vinhetas, que decoravam as páginas7, quer em gravuras que constituíam, em si, uma reportagem visual. Dada a origem do editor, eram em geral gravuras elaboradas por artistas franceses – e que agradaram tanto que sua aceitação e duração contrastam com a carreira geralmente efêmera das publicações desse período: Museo Universal será publicada por sete anos consecutivos, uma exceção para esse momento. O jornalismo de revistas começava a encontrar, finalmente, a fórmula da longevidade (EMPORIUM BRASILIS, 1999: 32).

Lançado em 8 de julho de 1837, o Museo Universal trazia como subtítulo “jornal das familias brazileiras”. Composto de 16 páginas no formato 28 x 20 cm, era semanal e impresso na Typographia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve e C. É apresentada tendo como editores-proprietários o Jornal do Commercio, na Rua do Ouvidor 65. Circulou até 29 de junho de 1844, cobrindo sete anos, com alguma lacuna no seu segundo ano de circulação (o segundo semestre de 1838).

Sobre essa publicação, diz Orlando da Costa Ferreira em seu Imagem e letra:

A revista saiu em fascículos semanais, de 1º de julho de 1837 a 29 de junho de 18448. Trazia toda sorte de ilustrações suscetíveis de agradar e mesmo maravilhar o povo do Rio, como foi o caso das máquinas aéreas de Hensons. Reproduzia anualmente cerca de duzentas gravuras em madeira “executadas pelos melhores artistas de Paris e Londres” [...] Muitas de suas pranchas são assinadas pela mais famosa equipe de xilogravadores industriais europeus de então: o trio ABL, formado na França por Andrew, Best e Leloir (FERREIRA, 1999: 209).

Capítulo 3

1831-1850

Igrejas, camelos, girafas se alimentando: a maior atração de O Museo Universal era o tom didático das imagens.

No primeiro numero, o Museo Universal fazia apologia da nova imprensa, surgida há pouco na Europa:

Combinando a barateza dos preços, a delicadeza das estampas e a perfeição dos textos, (a imprensa estrangeira) repartiu com prodigalidade entre todas as classes da sociedade tesouros de instrução e de delícias intelectuais, reservados até nossos dias para um pe- queno número de privilegiados. Mas entre nós, a imprensa, naturalizada de ordem e apenas coeva da independência, já se acha com proporções para iguais préstimos, para produzir uma publicação que revele o interessante e instrutivo das descrições pelo impressivo do retrato dos objetos (Apud EMPORIUM BRASILIS, 1999: 32).

A revista declarava a missão de proporcionar, aos leitores, a chance de desfrutar imagens e textos publicados nos magazines europeus:

De uns, as maravilhas da arquitetura (...); de outros, as ricas vistas e lindas paisagens de todas as regiões do globo, com os vestuários dos povos, e o que há de mais notável e peculiar nos seus hábitos, que nos serão explicados pelos viajantes e circunavegantes de maior nome. Sem sairmos da varanda arejada pelas virações tropicais, ou da sombra da mangueira e do coqueiro, acompanharemos o capitão Ross à desolada zona dos eternos gelos; iremos com Cook e Lapeyrouse em procura de incógnitas terras, e logo, cansados do mar, penetraremos a pé em um segmento do Mungo-Park na África Central; ou atravessaremos, às costas do sóbrio camelo, a comitiva da caravana do Oriente, os deser- tos de areia da Ásia; ou, montados no coche a vapor, voando através dos mais populosos distritos de Inglaterra, inspecionaremos os prodígios da indústria (EM PO RIU M BRASILIS, 1999: 32).

Paginada em duas colunas, a revista tem uma média de 40 linhas por coluna, é fartamente ilustrada, com desenhos de cobras, leões, girafas, que acompanham os textos. Há muita biografia e curiosidades em geral. Pode ser um perfil ilustrado do ministro inglês das Relações Exteriores, George Canning, ou um texto sobre Cristóvão Colombo diante

O anúncio (direita) veiculado uma semana antes do primeiro número promete: a publicação “sahirá todos os sabbados”, formando um volume de 416 páginas.

dos doutores de Salamanca. Sob a rubrica viagens, o primeiro número apresenta um café em Argel. Na seção “miscellanea”, apresenta uma máquina para alisar pedra, discorre sobre os atos de justiça do sultão Amurath, comenta sobre os banhos ou galés em França, com duas ilustrações. Há uma gravura mostrando a catedral de Milão. Astronomia, mundo animal, novidades técnicas da indústria, aspectos de turismo, monumentos, a revista é uma enciclopédia do estilo da Tudo.

O número 6 da revista, de 12 de agosto de 1837, tem 16 páginas. Abre com uma lâmina mostrando a Descida da Cruz, de Rubens (na primeira página, no caso a 41, pois a revista segue a numeração seqüenciada) e a página seguinte traz um pequeno perfil do pintor. A página 43 (a terceira dessa edição), trata das câmaras do Parlamento inglês (leis e costumes da câmara dos pares). A página 44 segue com esse texto e ocupa 2/3 com a imagem da Câmara dos Lordes; a página 45 se ocupa de explicar a Câmara dos Comuns, e tem também uma gravura de 2/3 mostrando a câmara em atividade. A página 46 discorre sobre a origem da representação popular na Inglaterra e a situação atual da mesma. As páginas 47 e 48 abrem nova coluna de “miscellanea”, comentando a devoção de Carlos II e seus súditos ingleses; e fala de um desertor prussiano. A página 49 é ocupada por uma gravura sobre Gibraltar. A página seguinte, à esquerda, inicia um texto sobre Gibraltar: “famosa e pouco conhecida”.

“Estudos Moraes” é o tema que ocupa as páginas 51 e 52.

A gravura de um leão é a atração da página 53, sob a rubrica “História Natural”, e o texto discorre sobre esse felino. As páginas 54 e 55 são ocupadas pela rubrica “Economia doméstica” e os textos tratam sobre como cuidar de queimaduras (linimentos), da conservação do leite (pasteurização) e dos ovos (com o uso de cal) e também de como manter a carne fresca em condições de uso por longo tempo.

A última página, a 56, trata do sistema de faróis e sinais, com uma imagem. No final de cada um dos sete volumes (os volumes eram numerados de julho a junho do ano seguinte), a revista trazia um “índice” alfabético das matérias e artigos publicados, e outro com as estampas que apareceram ao longo do ano.

Uma análise desses temas sumarizados dá uma dimensão do caráter formador e quase de escola secundária da publicação mantida pelo Jornal do Commercio: abelhas, ananaz, assucar, Raphael Sanzio, a Lua, a música na Hespanha, a procissão de Corpus Christi em Sevilha, o olfato, o tatoos beijaflores, a lontra, a panthera. A revista parece uma mistura do que é hoje um canal como Discovery e a Superinteressante.

O “índice” separa as reportagens por tópicos: agricultura (arroz, assucar); anecdotas (pequenos artigos sobre Bonaparte e os anciãos sacerdotes, o heroísmo de uma mulher, Talleyrand); astronomia (a Lua); bellas artes (a música na Hespanha; a opinião de Reynolds sobre as obras de Rubens); botânica (areca da índia, ananás); biografia (Carlos I, rei de Inglaterra; Dupuytren, Duquesne, Mirabeau, Rafael Sanzio); economia doméstica (bons effeitos do sal administrado aos animaes domesticos; cola extraída de caracóis; modo de pagar incendios; processo para envelhecer os vinhos; receita para fazer vinagre dos quatro-ladrões); estudos históricos (Cerco de Calais; D. Carlos e Philippe II; os descobridores da ilha da Madeira); estudos morais (Adina, ou a joven pastora dos Pyreneos; amor, ciúme e vingança; huma vingança cruel; a infância de Mozart ou os pequenos artistas); estudos psicológicos (o olfato, o tato); história natural (as abelhas, o bisão; o corvo marinho; o zebu); indústria (o bicho da seda, a navegação a vapor) e as miscelâneas (onde cabe realmente de tudo, de anedotas a fofocas, charadas, numismática e até “apontamentos achados na carteira de hum allemão que se deixou morrer de fome” e “simplicidade das typographias do estado de Indiana, nos Estados-Unidos”).

A relação das estampas publicadas acompanha quase que par e passo a relação dos artigos. Há uma escolha por imagens de igrejas e de lugares impactantes, como a igreja de São Carlos Borromeu, em Viena, ou do Duomo de Milão. Nota-se, no entanto, o

empenho didático da publicação no uso das imagens. O índice de gravuras revela que a

Capítulo 3

reportagem sobre o arroz foi bem ilustrada, com cinco estampas, mostrando o “passo a passo”: 1o a preparação da terra com a grade de destorroar; 2o a plantação do arroz; 3o a rega do arroz; 4o chinas peneirando o arroz; 5o o descascamento do arroz. O mesmo ocorre com o artigo sobre o açúcar: suas estampas mostram 1o a preparação do terreno para a cultura da cana; 2o a safra ou colheita da cana-de-açúcar; 3o o moinho e a moagem da cana para a obtenção da matéria-prima; 4o o engenho onde se fabrica o açúcar: as quatro estampas ocupam duas páginas da publicação. Em defesa de semelhante ecletismo os editores alegavam:

Daremos alimento às imaginações dos validos da arte, às meditações dos filósofos (...) sem nos descuidar de mimosearmos a mãe de família que, parca e incansavelmente, dirige sua casa (...), pois que este deve ser o jornal de todas as classes, de todos os empre- gos, de todos os sexos, de todas as idades; a criança que ainda não sabe ler se enlevará com o curioso das figuras preludiando assim ao amor dos livros e da instrução; a jovem donzela, procurando figurino de modas, leis de bom-gosto e novelas, ora ternas e melancólicas, ora alegres, mas sempre morais, irá colhendo de caminho idéias gerais de muito conhecimento que são o ornamento do belo sexo (EMPORIUM BRASILIS, 1999: 33).

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 102-106)