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As Variedades : primeira revista – peça roubada

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 56-59)

Capítulo 2. As surpresas de um início moroso: 1812-1830

2.1. As Variedades : primeira revista – peça roubada

Nascida como um filhote do jornal Idade d´Ouro do Brazil, na cidade de São Salvador, o primeiro número da revista As Variedades ou Ensaios de Literatura apareceu em janeiro de 1812. A Idade d’Ouro foi o segundo jornal a ser publicado no Brasil, fundado e publicado pelo tipógrafo português Manuel Antonio da Silva Serva, sob o patrocínio do governador da Bahia, Dom Marcos de Noronha e Brito, o oitavo Conde dos Arcos4. O primeiro número de Idade d´Ouro do Brazil apareceu a 14 de maio de 1811, sendo editado por mais de uma década: o último número circulou em 24 de junho 1823 (segundo a ficha catalográfica da Biblioteca Nacional). Entre os redatores desse primeiro jornal baiano estiveram o padre e funcionário Ignácio José de Macedo e logo depois o bacharel desterrado Diogo Soares da Silva Bivar, o responsável por nossa primeira revista.

O português Manuel Antônio Silva Serva chegara à Bahia no final do século XVIII, estabelecendo-se como comerciante. Protegido do governador da capitania, o conde dos Arcos, ele conseguiu, em fevereiro de 1811, autorização para a instalação, em Salvador, de uma tipografia. Três meses mais tarde, a 14 de maio de 1811, saía o

primeiro número do jornal A Idade d’Ouro do Brazil. Além do jornal, a tipografia chegou a editar alguns livros, que eram vendidos sobretudo em Salvador e no Rio de Janeiro5. Sua pequena empresa editorial continuou ativa, mesmo após sua morte, ocorrida em 1819, sobrevivendo até a década seguinte, quando o jornal termina logo após a independência do Brasil e num período em que muitos prelos começavam a funcionar.

O periódico de Silva Serva se encarregou de fazer propaganda da nova publicação de sua casa tipográfica, avisando os leitores: “Saiu à luz o primeiro folheto do periódico pertencente ao mês de janeiro, que se denomina As Variedades ou Ensaios de Literatura”. Vendida por assinatura, como serão vendidas quase todas as revistas brasileiras do século X IX , a publicação conclamava seus leitores a “concorrer para a subscrição que há de se abrir na Loja da Gazeta”, já que “sem a antecipada certeza de uma pronta saída, não é possível que semelhante empresa se leve avante”.

O periódico As Variedades se propunha, segundo informava o jornal A Idade d’Ouro do Brazil, a publicar

“discursos sobre costumes e as virtudes morais e sociais; algumas novelas de escolhido gosto e moral; extratos de história antiga e moderna, nacional ou estrangeira; resumos de viagens; pedaços e autores clássicos portugueses – quer em prosa, quer em verso – cuja leitura tenda a formar gosto e pureza na linguagem; algumas anedotas e (...) algu- mas vezes oferecerá artigos que tenham relação com os estudos científicos propriamen- te ditos e que possam habilitar os leitores a fazer-lhes sentir a importância das novas descobertas filosóficas” (VIANA, 1945: 13-14).

como: “Sobre a Felicidade Doméstica”, “Costumes e usos no México”, “Instrução Militar”; “Quadro Demonstrativo ou Cronologia da Filosofia Antiga”; “Teoria Nova e Curiosa sobre a Origem dos Gregos”; “Da Ciência e das Belas Artes”; “Anedotas e Bons Ditos”. Segundo Inocêncio Francisco da Silva, citado por Hélio Viana em sua Contribuição à história da imprensa brasileira (1812-1869), “As Variedades – Bahia. Na Tipografia de Manuel Antônio da Silva, 1872 (sic, quis dizer 1812). O número 1 compreende 30 páginas, e os números 2 e 3, reunidos, continham 67. Com artigos políticos, históricos e morais, anedotas, etc.” (VIANA, 1945: 11).

Garantem alguns historiadores: todas essas matérias publicadas teriam saído da pena de Diogo Soares da Silva e Bivar, um dos raros homens cultos da Bahia no início do século X IX . Para Bivar, não era fácil editar a revista, em virtude das circunstâncias “difíceis e espinhosas” em que o fazia – um eufemismo para dizer que o redator escrevia e editava a revista numa cela da Fortaleza de São Pedro, onde se encontrava preso.

Diogo Soares da Silva e Bivar era filho do Dr. Rodrigo Soares da Silva Bivar (1722- 1809), médico formado em Coimbra. Nascido em Portugal, no dia 6 de fevereiro de 1785, na vila de Abrantes, na fronteira com a Espanha, Diogo diplomou-se em Direito também em Coimbra e se estabeleceu na sua Abrantes natal, onde exerceu cargos

públicos, como inspetor de plantação de amoreiras, diretor da fiação de bichos de seda da cidade e administrador de tabacos.

Durante a ocupação francesa, hospedou o general Andoche Junot, o chefe das tropas invasoras de Napoleão. Dele aceitou o cargo de juiz-de-fora na vila de Abrantes. Foi por isso processado e condenado quando terminou a ocupação francesa. Assim, Bivar saíra de seu país aos 24 anos, a caminho do exílio em Moçambique, onde deveria cumprir pena de degredo perpétuo por haver colaborado com as tropas napoleônicas durante a invasão a Portugal. Acabou aportando na Bahia, numa das costumeiras escalas que faziam os navios, para renovar suprimentos e seguir viagem para o outro lado da África.

Na passagem pela Bahia, durante a escala do navio, o jovem bacharel despertou a atenção do tipógrafo Silva Serva, que, com o beneplácito do governador da capitania, Dom Marcos de Noronha e Brito, consegue que Diogo Bivar fique na cidade, passando a redigir com o padre Ignácio José de Macedo o jornal Idade d’Ouro do Brazil. Bivar

trabalhava e escrevia no cárcere, e só viria a ser anistiado em 1821, por um decreto de Dom João VI, recuperando todas as “suas honras e direitos” (LU STOSA, 2000: 302- 303), e transferindo-o para o Rio de Janeiro. A empreitada de editar a revista As Variedades ou Ensaios de Literatura ficou praticamente por sua conta.

A revista foi anunciada na edição de Idade d’Ouro do Brazil de 7 de fevereiro de 1812 com este texto:

Até 10 do corrente há-de sair do prelo e pôr-se em venda ao público o 1o folheto, pertencente ao mês de janeiro, do periódico denominado As Variedades ou Ensaios de Literatura. As pessoas que quiserem subscrever para a sua compra podem dirigir-se à Loja da Gazeta (VIANA, 1945: 13-14).

A 11 de fevereiro o jornal voltava à carga: “Saiu à luz o 1o folheto do periódico pertencente ao mês de Janeiro, que se denomina As Variedades, ou Ensaios de Literatura.

Vende-se na Loja da Gazeta pelo preço de 500 Réis”. A revista deveria aparecer mensalmente, mas já em março o jornal alertava:

O redator do periódico denominado As Variedades ou Ensaios de Literatura prévine o res- peitável público desta cidade e em especial os senhores assinantes, que benignamente teem prestado para a compra do mesmo periódico, que tendo sido atacado de grave enfermidade, que por ora o tolhe da menor aplicação e cuidado literário, há-de por tal sofrer alguma demora a publicação dos folhetos pertencentes aos meses de fevereiro e março, que contudo se acham redigidos e acabados. No entretanto que o redator se

Capítulo 2

Reprodução das capas de As Variedades, publicadas no livro Contribuição à história da imprensa brasileira (1812-1869), de Hélio Viana. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.

restabeleça completamente, espera ele que o número das assinaturas, até aqui muito limitado, se aumentará consideravelmente, a fim de que se indenize ao menos as despe- sas de impressão (VIANA, 1945: 14).

Em 28 de julho de 1812 a Idade d’Ouro irá anunciar o aparecimento simultâneo dos fascículos de fevereiro e março, ao preço de 1$120. Com esse número duplo a publicação encerrava sua trajetória. Os baianos, ao que parece, não se entusiasmaram com a

novidade, certamente porque o editor da publicação utilizava uma linguagem séria demais6. Em sua alentada História da imprensa no Brasil, Nelson Werneck Sodré faz o seguinte comentário:

As Variedades tirou dois números, no início de fevereiro e nos fins de julho de 1812, este duplo. Propunha-se a divulgar discursos, extratos de história antiga e moderna, viagens, trechos de autores clássicos, anedotas, etc. Suas características de jornal, assim, eram muito vagas. Foi ensaio frustrado de periodismo de cultura – destinava-se a mensário – que o meio não comportava. Tanto assim que, apesar de todos os esforços, durou dois anos apenas (SODRÉ, 1999: 30).

Não restam exemplares de As Variedades ou Ensaios de Literatura – segundo depoimento do pesquisador Vladimir Sacchetta, da Casa da Memória, que realizou o alentado levantamento sobre história das revistas para a Editora Abril (base do livro A

Revista no Brasil, edição comemorativa dos 50 anos daquela editora). Vladimir recebera a incumbência expressa de fotografar o número 1 de nossa primeira revista. Missão impossível, conta ele. O último exemplar teria sido roubado do Museu onde se encontrava, na Bahia.

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 56-59)