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Um começo lento: traduções e compêndios

No documento A revista no Brasil, o século XIX (páginas 44-53)

Capítulo 1. Igualdade e diferença: formação do leitor e do brasileiro

1.5. Um começo lento: traduções e compêndios

A tipografia, no entanto, era naqueles primeiros anos uma exclusividade do governo, que detinha o poder de censura: só se publicaria o permitido e aprovado, visto que

particulares não tinham acesso à imprensa. Assim, a segunda impressora a funcionar no país, na Bahia, abriu suas oficinas em 1811, tendo à frente o patrício Manuel Antonio da Silva Serva, indicado para essas funções pelo governador e pelo bispo diocesano. Silva Serva criará no mesmo ano o jornal Idade d´Ouro do Brasil e de suas oficinas gráficas sairá, em 1812, o que se considera a primeira revista do Brasil, As Variedades ou Ensaios de Literatura.

Essa censura oficial a que a imprensa esteve submetida em seus primeiros anos será abolida em 1821, por decorrência da Constituição imposta a Dom João VI após a Revolução do Porto, de 1820. Com o final da censura, foi abolido também o monopólio estatal, possibilitando o funcionamento de outras tipografias, que aos poucos vão se abrindo em distintas províncias do Império. Mas esse processo seria lento, sobretudo se comparado com o que ocorria nos Estados Unidos. Segundo Peter Burke, em 1775 já havia em circulação nos Estados Unidos 42 jornais diferentes. Por volta de 1800, chegavam a 178 semanários e 24 jornais diários (BRIGG S&BU RKE, 2004: 104-105).

Nem mesmo o fator da novidade mudou as perspectivas: a tipografia não se revelou de entrada um negócio rentável entre nós. Afinal, num país de analfabetos não havia demanda por obras impressas, periódicos ou livros, pois a leitura não fazia parte do cotidiano do brasileiro. Não se formara, como ainda não se formou até hoje, um público leitor estável. A leitura é um hábito que se cultiva no marco de outros hábitos. O filho lê porque viu o pai lendo, por ser estimulado no ambiente familiar e escolar – e como se daria isso num país sem escolas? A leitura, como se sabe, gera novas leituras. Como diz Ítalo Calvino:

Os clássicos são livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram [...] Se leio a Odisséia, leio o texto de Homero, mas não posso esquecer tudo aquilo que as aventuras de Ulisses passaram a significar durante os séculos e não posso deixar de perguntar-me se tais significados estavam implícitos no texto ou se são incrustações, deformações ou dilatações (CALVINO, 1994: 11).

Também por causa desses fatores, a Impressão Régia sempre se debateu com problemas financeiros, tanto que para aliviar o orçamento e proporcionar alguma renda extra o governo anexou-lhe, em 1811, a Fábrica de Cartas de Jogar, contando com um lucro mais certo e seguro com a venda de baralhos. E nisso a história se repete: não por acaso na origem dos sistemas de impressão, nos tempos pré-Gutenberg, estava

justamente a demanda por baralhos como a parte rentável do negócio de impressão. Mas, ainda que nascida à sombra do governo e dependendo de “nihil obstat” e de “imprimatur”31 não apenas de censores governamentais como dos eclesiásticos, a

Impressão Régia não se limitou a publicar os atos e as proclamações do Estado, tornando-se um centro impressor de relativo peso. No mesmo ano de sua criação, em 1808, foi lançada a Gazeta do Rio de Janeiro, uma espécie de diário oficial, o primeiro periódico brasileiro. Era editado por um funcionário do corpo diplomático, Frei Tibúrcio José da Rocha, de quem pouco se sabe.

Falam-se muitas generalidades sobre essa publicação, quase sempre citando

informações de terceira-mão, nos manuais de história da imprensa, mas o periódico seguia grosso modo o que era o padrão dos periódicos de sua época: um clipping de notícias. Esse era o formato dos jornais em quase todo o mundo, dar conta das notícias que chegavam por navio, de outros jornais, da correspondência, diplomática ou não. 32

A Impressão Régia também patrocinou a publicação de livros didáticos – esses uma espécie de apostila e de traduções condensadas de livros didáticos franceses, sobretudo nas áreas das ciências exatas –, além de compêndios de gramática e até um livro infantil, o

Leituras para meninos, de autoria de José Saturnino da Costa Pereira (irmão de Hipólito José da Costa). Publicado em 1818, o livro terá diversas reimpressões até 1824 e é considerado o primeiro exemplar brasileiro de literatura infantil. A preocupação com leitura infantil também pode ser documentada pela publicação, em 1814, pela mesma Impressão Régia, das Aventuras pasmosas do célebre Barão de Munchausen.

Segundo Belo Oliveira, em seu levantamento Imprensa Nacional, 1808-1908, entre 1808, quando é implantada, e a data oficial da Independência do Brasil, a Impressão Régia publicou 1.173 títulos, sendo que 532 obras apareceram entre os anos de 1821 e 1822 (LAJOLO E ZILBERMAN, 1996: 126).

Uma espécie de resenha, publicada no primeiro número da revista O Patriota, em 1813, relaciona alguns desses livros: “Obras publicadas no Rio de Janeiro no presente mês de janeiro” é o título da seção. A resenha começa com o comentário do “Tratado elementar de mechanica, por Mr. Francoeur, por ordem de S.A.R., traduzida em portuguez, e

augmentadas de doutrinas extrahidas das obras de Prony, Bossut, Marie &c.: para uso dos alumnos da Real Academia Militar desta Corte; por José Saturnino da Costa Pereira, Cavaleiro da Ordem de Christo, Bacharel formado em Mathematica, Capitão Real do Corpo de Engenheiros, e lente do 3º anno da mesma Academia. 4ª parte, Hydrodynamica” (segue uma breve resenha elogiosa, de 13 linhas). O livro seguinte a ser comentado é o

Tratado Elementar de Physica, de R.J. Hany, traduzido para uso da Academia Militar. Não tem seu tradutor nomeado, como no caso anterior, mas o comentarista diz que “pronunciar o nome do author he fazer o elogio da obra”33.

O leitor é um vitorioso, dizem, otimistas, Marisa Lajolo e Regina Zilberman no livro

A formação da leitura no Brasil. Nessa obra em quatro eixos, as autoras mapeiam a) as etapas da construção do leitorado brasileiro, esse leitor rarefeito e aprendiz; b) a formação do escritor e do cronista/jornalista, o autor que impulsiona e alimenta a atividade da leitura; c) a produção do livro escolar e das cartilhas, porta de entrada para o mundo do leitor (e é notável constatar o verdadeiro parto que foi o país tomar conta da instrução básica); e a formação dos professores e a criação das bibliotecas; e d) a leitora no banco dos réus: pois sabidamente é a mulher a força do leitorado que faz a diferença.

Mas as autoras, otimistas, não se iludem, pois sabem:

Não que a leitura seja uma prática sólida no Brasil; nem que as instituições culturais e pedagógicas encarregadas de sua difusão tenham a consistência ou estejam a salvo das críticas que, desde o século X IX , a elas são dirigidas. Desde a separação de Portugal, reclama-se (e com razão) uma atuação mais positiva e competente do Estado, no sentido de melhorar a educação e a cultura do país; nada indica que hoje essas reivindicações tenham perdido legitimidade e razão de ser (LAJOLO E ZILBERMAN, 1996: 10).

Estudo realizado por Maria Beatriz Nizza da Silva, e citado pelas pesquisadoras Lajolo e Zilberman, reproduz anúncios de livreiros cariocas que ofereciam no século X IX as obras estrangeiras mais modernas de seu tempo: as traduções de Bocage de O consórcio das flores, epístola de Lacroix, Os jardins, poema de Dellile, e As plantas, poema de René- Louis Richard; as Fábulas escolhidas, de La Fontaine; Os mártires, ou o triunfo da religião, poema de Chateaubriand, traduzido e impresso em Paris, em 1816. Bernardin de Saint-Pierre, criador de Paulo e Virgínia e de A choupana indiana, era o grande preferido, objeto de

publicação tanto em Portugal como no Brasil, aqui por intermédio da Impressão Régia (LAJOLO E ZILBERMAN, 1996: 132)34.

Como foi dito, a pouca e incipiente rede de ensino que chegou a existir nos tempos da Colônia entrou em colapso com a expulsão dos jesuítas em 1759 e a chamada Reforma Pombalina apenas desmantelou o que poderia ter sido um princípio de educação de base. Apenas bem entrado no século X IX é que algumas iniciativas serão tomadas, como a criação, em 1837, no antigo Seminário de São Joaquim, no Rio de Janeiro, do Imperial Colégio de Pedro II. Amigo de literatos, o próprio monarca se considerava um intelectual, mas pouco fez de concreto para a formação das massas. Ao menos nada que se compare à cruzada de alfabetização nacional implantada pelo presidente Domingo Sarmiento na Argentina, formando as bases da escola nacional daquele país.35

Carência docente, precariedade da formação do magistério e improvisação presidiram por todos esses anos o ensino da língua materna, no interior da qual começa a ocorrer a familiaridade do estudante com a leitura36. Mesmo assim, entre 1808 e 1816 o número de livrarias no Rio de Janeiro subiu de 2 para 12, e elas se abasteciam

sobretudo em Lisboa, além das obras fornecidas pela Impressão Régia (o papel dos livreiros será amplamente abordado no capítulo 7).

Essa caminhada foi lenta. Lajolo e Zilberman dão conta de que, em 1855, o português Emilio Zaluar, proprietário de uma escola localizada em Botafogo, no Rio, realiza um levantamento no interior de São Paulo. Seu relato mostra magros resultados. Na cidade de Guaratinguetá, por exemplo, encontrou duas escolas primárias,

freqüentadas por 115 alunos. E mais duas escolas particulares, uma com 48 estudantes e a outra, para meninas, com 30 assistentes, mais colégios particulares de latim e francês, totalizando 225 estudantes em toda a cidade. Ali perto, em Pindamonhangaba, depois em Sorocaba, os números recolhidos pelo pedagogo carioca repetem essa média de duas escolas por cidade, com uma centena de alunos em cada uma. E duas ou três pequenas escolas secundárias, com duas dezenas de estudantes. Outro dado apontado pelas autoras: em todo o atual Estado do Rio Grande do Sul, na altura do ano de 1847, apenas 1860 meninos e 749 meninas seguiam os estudos primários. Em 1877 havia 14 mil alunos em todo o Rio Grande, que contava na época com uma população em idade escolar de 52 mil crianças. Ou seja, em uma das províncias mais alfabetizadas do país, apenas 26% da população em idade escolar era atendida. Daria para projetar uma massa de mais de 80% de analfabetos na população total do país. Diante desse quadro, é quase inevitável a pergunta: para quem os romancistas escreviam? E a que público leitor eles se dirigiam? Que motivação teria um livreiro para levar adiante o seu negócio?

A tomada de consciência da real situação de analfabetismo crônico em que o país estava mergulhado foi um choque. Esse tema, do susto provocado quando se descobriu o estado real iletrado em que se encontrava o povo brasileiro, já bem entrada a segunda metade do século X IX , é um dos melhores momentos de um trabalho recente, Os leitores de Machado de Assis – o romance e o público de literatura no século 19, resultado da tese de doutoramento de Hélio de Seixas Guimarães.

A obra aponta o constante interesse do escritor Machado de Assis na recepção e aceitação de sua obra – o que se nota nas advertências, prefácios e diálogos que ele estabelece com o leitor, além dos jogos que arma para ele, passando-lhe tarefas de imaginar cenas e tirar conclusões. Machado chega a pedir licença para interromper a história ou deixar a cena em suspenso e discutir algum detalhe, no que é uma de suas características mais notáveis. Com que leitor dialogava ele?

O autor mostra ainda como os romances da época, de Joaquim Manoel de Macedo, José de Alencar ou do próprio Machado em sua primeira fase, refletem e espelham esse suposto público leitor, tendo como personagens jovens estudantes e mulheres leitoras – espelhamento já apontado por Werneck Sodré e Antonio Candido.

oralidade que permeia a prosa ficcional brasileira, resquício das leituras realizadas em voz alta em saraus e reuniões, “o que constituía estratégia importante para aumentar o alcance da produção literária numa sociedade de analfabetos” – e isso faz lembrar o clássico texto em que José de Alencar, ao escrever sobre o que o levou a ser romancista, rememora sua própria experiência como leitor nessas reuniões familiares.

Seixas Guimarães analisa as condições de circulação e recepção da produção literária no Brasil oitocentista, em que o autor pagava a impressão da obra e depois enviava à venda porta a porta, por meio dos escravos de ganho ou de serventia, que os levava em balaios sobre a cabeça37. Mas façamos o corte sobre o “susto” provocado pelo censo geral do império, de 1872.

Uma conjunção de fatores marcou esse período da história brasileira, a década de 70 do século X IX . Esse primeiro recenseamento geral do Império, ocorrido em 1872, foi um desses fatores. Os outros são constituídos pela progressiva abolição da escravidão (pela implantação das leis do tipo “ventre livre”, votada em 1871 pelo governo

conservador do visconde do Rio Branco), pelo final da guerra do Paraguai, em 1870, com a batalha de Cerro Cora, em que morria Solano López. Terminava um conflito desgastante e que ninguém previra tão longo, deixando um pesado saldo de mortos: estima-se que morreram 50 mil brasileiros, 35 mil argentinos e 80 mil paraguaios. Mas o que mais interessa ao nosso estudo foram mesmo as surpresas do Recenseamento Geral do Império, primeiro censo demográfico realizado no Brasil.

Por um lado os números mostravam que os escravos, que um dia haviam sido maioria, agora constituíam apenas 15% do total da população (o país contava com 8.419.672 homens livres e 1.510.806 escravos, somando uma população de 9.930.478 pessoas) 38. Em compensação, destes apenas 54,4% eram de cor branca. O segundo grupo mais populoso era o dos pardos (16,5%), seguidos dos pretos (14,6%) e dos caboclos, mestiços de brancos e índios (14,5%). Mas isso não era tudo: o censo havia introduzido outras categorias a serem mensuradas, como o grau de instrução e de alfabetização. Quem conta é Seixas Guimarães:

Há muito se sabia da restrição e precariedade da instrução no país, mas os dados do recenseamento caíram como uma bomba sobre o Brasil letrado. O recenseamento geral, iniciado em agosto de 1872, teve os trabalhos concluídos quatro anos mais tarde, quando tiveram ampla divulgação na imprensa. Todos os principais jornais da corte trouxeram na edição de 5 de agosto de 1876 o texto do ofício [...] com os dados coletados. No dia 14 do mesmo mês, O Globo, jornal mais progressista em circulação e sem vínculo direto com qualquer partido político, reproduziu em sua primeira página texto originalmente publicado em A Província de S. Paulo, intitulado “Algarismos eloqüen- tes”, que apresentavam alguns dados sobre o índice de analfabetismo, seguidos da cons- tatação inexorável: “Somos um povo de analfabetos!” (GUIMARÃES, 2004: 88).

Em resumo, os números desmistificavam a visão romântica e nacionalista vigente até então. Uma parcela muito pequena da população sabia realmente ler. “Os analfabetos correspondiam a 84% do total apurado pelo censo, que dava uma população de 9 930 478 pessoas, somando livres e escravos”, conta Seixas Guimarães (2004: 103).

Os números e dados são escassos, mas, pelos comentários que se pode ler aqui e ali, dá para criar algumas cifras. A revista O Mosquito, citada por Seixas Guimarães, afirma que apenas 550.981 mulheres sabiam ler. Como os dados do Censo apontaram uma população feminina de 4.806.609 mulheres, pode-se concluir que apenas 11,46% do público feminino tinham acesso à leitura. Pior, da população em idade escolar, apenas 17% estavam assistindo às aulas, o que permitira projetar uma taxa de analfabetismo que passava da casa dos 84%. Isso prevendo que todas as crianças em idade escolar que assistiam às aulas estariam de fato aprendendo e não engrossando o percentual dos analfabetos funcionais – ainda hoje uma praga nacional, cravando praticamente os mesmo percentuais de analfabetos da década dos 70 do século X IX .

Nada muito discrepante, também, do tema da palestra proferida pelo republicano Olavo Bilac, conforme citado no estudo de Lajolo e Zilberman:

Em todo o Brasil, de 1.000 habitantes em idade de cursar escolas primárias, em 1907 somente 137 estavam matriculados e somente 96 freqüentavam as aulas; para 10.000 de todas as idades, havia somente 6 escolas com 7 professores, com 294 alunos de todas as idades – o que quer dizer que englobadamente, estimando-se toda a população, a relação de todos os alunos era de 20 por 1.000 (LAJOLO E ZILBERMAN, 1996: 155).

O ensino se torna obrigatório no Brasil em decorrência do Decreto de 19 de abril de 1879, data da última reforma educacional do Império. Seguramente esse decreto é

conseqüência do amplo debate ocorrido entre os letrados a partir da divulgação dos números do censo, e reflexo do susto e da dura descoberta de que o país não era tão dourado como se quisera acreditar. Mas sabe-se que decretos não têm eficácia na solução de problemas. E essa marca analfabeta nos perseguirá até praticamente a segunda metade do século X X , com os resquícios do analfabetismo funcional que é ainda preocupante.

Mas o acesso à informação e à reflexão e debate de idéias nem sempre passou apenas pela leitura direta. No livro Uma história social da mídia, Peter Burke faz um

contraponto entre o público letrado e o que ele chama de “letramento mediado” – o uso do letramento em benefício dos iletrados. Algo que ocorre ainda hoje, aponta ele, em cidades como Istambul ou México, em que o escrevinhador, em seu escritório na rua, escreve cartas, faz petições a serem entregues à Justiça, para aqueles que não sabem escrever. Uma realidade também brasileira, retratada no filme Central do Brasil.

Considerando o público leitor a que se destinavam os romances, folhetins e revistas do Brasil do século X IX , cabe lembrar ainda, como parte desse letramento mediado, as sessões de leitura em grupo, como se refere Dulcília Buitoni. Era comum as “senhoras” se reunirem para a execução de trabalhos manuais enquanto uma delas lia trechos de livro ou reportagem de revistas. Como era também costume nos países europeus, como nos dá conta Peter Burke:

A prática medieval de ler alto durante as refeições, nos monastérios ou nas cortes, persis- tiu nos séculos XVI e XVII. Ler alto em família era comum no século X IX , pelo menos como ideal, como atestam muitas imagens. É provável que os textos da Biblioteca Azul39, que circularam em regiões onde o analfabetismo era alto, fossem lidos em voz alta nas

villées, ocasião em que vizinhos se encontravam para passar parte da noite trabalhando ou ouvindo esses textos (BRIGGS&BURKE, 2004: 74).

Ao lado dessas sessões de leitura coletiva houve ainda a convivência e superposição das tradições orais, das narrativas que se transmitiam de boca em boca, com a leitura dos textos escritos – esta alimentando aquela, no que o mesmo Burke denomina como “comunicação multimídia”. A senhora que na reunião de leitura ouvia um conto ou tomava conhecimento de uma nova prática ou ensinamento contaria mais tarde a suas comadres e vizinhas a novidade ou as peripécias do herói. Provavelmente muitas das proezas narradas nos folhetins se disseminavam entre o público e se tornavam populares nesse recontar, em que a oralidade ainda contava com um peso específico. Sem dúvida essa será uma das explicações para a grande popularidade que gozaram as revistas ilustradas do último quartil do século X IX . O próprio Monteiro Lobato, ao fazer o elogio de Angelo Agostini, reporta que seus desenhos circulavam de mão em mão e deliciavam os leitores, na cidade e no campo, do chefe de família à petizada:

Era de ver o magote de guris em redor da folha descobrada no assoalho, á noite, á luz do lampeão de querozene, o mais taludote explicando a um crioulinho, filho da mucama, como é que o Zé Caipora espaçou ás unhas da onça (LOBATO, 1956: 19).

revistas. A começar pela efêmera experiência de nosso periódico pioneiro, As Variedades ou Ensaios de Literatura, na Bahia de 1812. E, no ano seguinte, O Patriota, publicado entre janeiro de 1813 e dezembro de 1814, pela Impressão Régia do Rio de Janeiro – as primeiras revistas brasileiras40. A partir do próximo capítulo passaremos a analisar seus conteúdos e discursos – e o quanto elas foram fundamentais no processo da criação das identidades nacionais. Mas, antes de nos lançar a essa tarefa, cabe ainda uma reflexão.

Discorrendo sobre a etnologia religiosa e a estrutura dos mitos, Claude Lévi-Strauss escreve, em seu trabalho “Magia e religião: a estrutura dos mitos”,41 que Saussurre, ao

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