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passa rapidamente de uma menina-comum-da-colônia que falava somente o dialeto em casa e ainda não sabia o português, para a pequena-notável reconhecida

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 176-178)

Porque o improviso É o frescor da vida!

J. passa rapidamente de uma menina-comum-da-colônia que falava somente o dialeto em casa e ainda não sabia o português, para a pequena-notável reconhecida

como uma criança com talento especial, notada e diferenciada na comunidade.

Desta forma, J. ainda tentando responder quem é compartilha que tornar-se uma pequena-notável pode ter sido fator disparador para ser quem é hoje.

“(...) diria que talvez isso, essa aceitação né, ser uma coisa diferente, fazer uma coisa diferente né, é uma aceitação, as pessoas olham pra você, gostam de você, você é valorizada né, então acho que essa coisa do ego né, de me sentir importante. E eu acho que isso motivou a coisa de querer o palco. Eu tenho um pouco essa sensação, essa coisa da infância de ter sido o destaque, por ter aprendido a ler é, me dá uma aceitação assim, uma coisa de né...”

Seu reconhecimento como pequena-notável continuou, não somente entre as pessoas próximas na colônia, mas também na escola. Nesta, J. destaca o método usado pela professora para que as crianças aprendessem o português. Este a incentivava a continuar aprendendo:

“A gente chegou na escola lá e a gente só falava alemão e a professora tinha um método engraçado (sorri) de que, quando ela tava alfabetizando, quem acertasse a palavra que ela escrevia no quadro negro, quem acertasse ganhava uma figurinha (risos), era um prêmio assim pra quem soubesse ler e eu ganhava todas né! Sabia ler... E aí eu tinha assim muitas figurinhas.”

Cabe aqui um pequeno parêntese para refletir-se sobre a socialização na escola; no caso de J., a socialização com a inserção da Língua Portuguesa. Além de J. ter sido positivamente incentivada a continuar aprendendo o português, nota-se no exemplo desta colônia, a importância dada à língua como fator de ascensão das crianças na comunidade e também, como chance futura de seu desenvolvimento no país. Ao rever- se a História da colonização alemã no Brasil sabe-se que os colonos, muitas vezes, não tinham acesso à aprendizagem da língua, portanto, não saber português não se tratava de uma escolha em muitos casos. A escola nesta colônia tem o papel de alfabetizar e de ampliar o universo da criança com o ensino da língua. Desta forma, saber o português era um elemento propiciador de emancipação.

177 Para explicar o desejo por atuar, J. refere um episódio que considera marcante vivenciado na escola e a relação disto com o português. Coloca ainda que, para os membros de sua comunidade, não saber a língua não era algo desejado, ao contrário, motivo de vergonha:

“É e aí, teve um episódio que é muito marcante pra mim que sempre quando perguntam assim, de onde vem essa coisa da atuação é a primeira coisa que eu me lembro assim, desse registro. Que quando, assim, a gente tinha um único aluno na sala de aula que sabia falar o português bem, porque ele não era de lá, nasceu na cidade e a família depois mudou. Ele era o queridinho das professoras, era um garotinho muito bonito, ele usava sapato, meia né, isso eu me lembro muito claro. A gente andava de pé no chão, chinelo de dedo né a gente era pobre né, roça né, todo mundo era da roça e a gente não tinha esses luxos. Ele era todo arrumadinho, todo almofadinha assim e ele sabia ler, também chegou na escola já sabendo algumas coisas então ele era, assim, tinha eu e ele na turma que já sabíamos ler. Mas ele por outras razões, de família que não morava lá então, ele não era colono, não era da roça. É, e aí eu me lembro que num dia, ele era todo queridinho, tudo que era assim especial, ele era o queridinho da professora, então tudo era o (diz o nome do garoto) e aí no dia, era pra ter uma encenação pro dia das mães, tipo teatrinhos que as crianças montam era uma encenação pro dia das mães era pra ler um discurso em português e aí a professora perguntou quem gostaria de ler e ele, claro, levantou a mão e tal e eu me lembro que eu, muito, muito timidamente,

eu era muito tímida, levantei a mão (reproduz o gesto de levantar a mão) também levantei o dedo, eu também queria ler. E aí ela (professora) ficou sem graça, porque ela achou que ninguém mais ia querer ler, ele era o preferido e obviamente ele leria e ela então teve que optar em quem faria o discurso e então ela falou, vamos para a diretora, os dois vão ler pra diretora e ela vai escolher quem lê melhor.”

A diretora (lê-se figura de autoridade maior na escola) tem a tarefa de escolher o melhor leitor (lê-se legitimar o melhor leitor como tal) e para a surpresa de J., o que seguiu foi o seguinte:

“(...) tenho essa lembrança assim tão forte, eu tenho essa lembrança viva assim, essa ida pra sala da diretora foi um suplício pra mim, porque eu pensava, porque fui dizer que queria ler? E agora? O que vai acontecer? Vou pra sala da diretora, aquilo foi tão assim eu pensei porque fui inventar isso de querer ler, já fui assim pensando em desistir no caminho, aí então é vamo pra sala da diretora né e aí assim, aquele corredor largo que ia pra sala da diretora né, então foi assim um negócio, até hoje tenho essa lembrança assim. E nós chegamos na sala da diretora e ele leu e eu li e a diretora disse uma coisa que sempre ficou muito marcada, ela disse: o (diz o nome do garoto) lê melhor, ele tem melhor pronúncia né, ele sabe ler melhor, mas a J. tem mais interpretação. Nossa eu fico arrepiada até hoje quando penso nisso é, a J. tem mais interpretação, acho que ela que deveria fazer o poema pro dia das mães. E aí essa palavra: interpretação, eu nem sabia o que significava né.”

178 A pequena-notável mantém seu status notável agora, além de ter o reconhecimento que já tinha de sua mãe e da colônia, tem este legitimado pela diretora da escola que acrescenta um novo fator: a interpretação. Com este novo elemento J. se sobrepôs ao queridinho da professora, almofadinha que já sabia o português porque morava em uma cidade maior onde o acesso à língua era diferente daquele que as pessoas tinham na pequena colônia de onde J. vinha. Logo, a pequena-notável se metamorfoseia em alguém que tem interpretação e é esta que fará toda a diferença em seu caminho. Ter interpretação a elevaria a um patamar outro, uma vez que o almofadinha só sabia ler bem, porque teve outras condições sociais.

“Outra coisa que os professores diziam é que eu era muito inteligente e eu também não sabia o que queria dizer inteligente, então achava uma palavra muito comprida né, enorme, achava muito estranha, do que que elas tão me chamando né? Então eu até perguntava pras minhas irmãs, eu achava que tava até sendo xingada, porque a professora tinha dito que eu era muito inteligente e aí as pessoas diziam assim você é muito bobinha, tal e me explicavam.”

J. interpreta e é inteligente! Mas o ser inteligente é uma construção que J. ainda

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 176-178)

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