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A Igreja no processo da globalização política e econômica

No documento Ano I 1 / 2010 CURITIBA - PR (páginas 108-111)

E HOMOGENEIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA

3. A Igreja no processo da globalização política e econômica

Os processos da globalização parecem ocorrer mais rapidamente e possuir um maior alcance na esfera da política e da economia. Por um lado criam-se entre os estados pactos de integração, que agrupam e unifi- cam partes distintas sob o aspecto das características raciais, étnicas ou econômicas, por exemplo do Brasil ou do México, mas, por outro lado, com frequência cada vez maior ocorrem iniciativas supraestatais de con- solidação da atividade econômica, de ampliação dos mercados de venda, de unificação das normas tecnológicas e dos padrões econômicos. Nessas iniciativas a Igreja cumpre um papel peculiar, porquanto os processos de globalização geralmente ocorrem em áreas bem distantes da religião e da Igreja, relacionando-se principalmente com instituições estatais e econô-

micas. Mesmo assim a Igreja cumpre um papel muito importante nos processos de globalização dos vínculos e da identidade grupal.

A globalização dos vínculos e da identidade na América Latina consiste em transpor, na definição da própria pertinência ou identidade grupal, as fronteiras das comunidades raciais, étnicas e confessionais no sentido da criação de comunidades nacionais supranacionais. Enquanto os fenômenos da globalização nacional, estatal são algo normal e genera- lizado, o surgimento de pactos supranacionais de identidade tem um caráter excepcional e singular. Para o surgimento de uma identidade continental, latino-americana, tem contribuído nas últimas décadas o fato das cada vez mais frequentes migrações entre os diversos países da Amé- rica Latina. Atualmente, os núcleos de imigrantes de países vizinhos no Brasil, na Argentina, no Chile ou na Venezuela criam um novo tipo de grupos étnicos, que se caracterizam, por um lado, pela presença da iden- tificação nacional nativa e, por outro, por uma ampliada identidade lati- no-americana. Nos anos 80 do século passado, a percentagem de imigran- tes que vinham à Venezuela de outros países da América do Sul chegava a 43,9%, e da zona das Antilhas – 3,9% (ROY, 1984:542). No caso da Ar- gentina, os imigrantes da América Latina representavam em 1980 35,4% de todos os imigrantes nesse país (VILLAR, 1984:465). Os processos da globalização da identidade são também favorecidos pela urbanização das sociedades latino-americanas, especialmente pelo desenvolvimento das grandes regiões metropolitanas. As grandes cidades atraem muitos novos habitantes das áreas do interior, prontos a abandonar a sua exclusivista e estreita identificação tribal ou cultual e a se subordinarem às exigências de uma comunidade cosmopolita, multicultural, criada geralmente pelas elites intelectuais e econômicas segundo os princípios das distinções de classe. A Igreja está presente nesses aglomerados multiétnicos de imi- grantes, instituindo entre eles novos tipos de vínculos grupais. Na opini- ão do pe. Miroslaw PIATKOWSKI, as pequenas comunidades do interior e das cidades constituem “a forma fundamental da vitalidade da Igreja” (PIATKOWSKI, 1999:107). Mas ao mesmo tempo essas comunidades de imigrantes das grandes cidades, as populações das favelas diversificadas sob o aspecto étnico constituem uma área de globalização dos laços soci- ais, inclusive cívicos ou religiosos.

Os fenômenos da globalização e da cosmopolitização da consci- ência dos latino-americanos ocorrem igualmente – o que parece ser para- doxal – entre as pessoas mais pobres, que formam as comunidades su- praétnicas das favelas. Mas ao mesmo tempo as comunidades das favelas são suscetíveis à recriação da estreita identidade cultural tribal e étnica. Na opinião de Malgorzata NALEWAJKO: “Um fenômeno interessante (possível de ser observado somente na segunda metade do século XX) é a formação das coletividades das barriadas. As pessoas que vivem nas peri- ferias das grandes cidades e que constroem esses novos bairros da misé- ria (a começar pela ocupação muitas vezes ilegal do terreno para a cons- trução) adaptam-se à sociedade urbano-crioulo-peruana (ocupando nela uma posição muito baixa, mas já inseridas nessa sociedade), e ao mesmo tempo recriam os laços de parentesco e vizinhança (estabelecendo-se em grupos definidos pelo lugar de origem) e cultivam a sua própria cultura, com elas trazida, pela atuação em numerosos clubes regionais” (NALEWAJKO, 1996:17).

Na opinião do sociólogo e ex-residente do Brasil Fernando Hen- rique CARDOSO: “Como sabemos, o processo de globalização que atu- almente ocorre pode aprofundar sensivelmente o fenômeno da exclusão social. Não podemos menosprezar o fenômeno da globalização, e não somente porque não temos outra alternativa. Pois qual poderia ser ela? A autarquia? Onde? Como? A produção é cada vez mais dispersa, torna-se cada vez mais competitiva e dependente de tecnologias que não constitu- em o monopólio de um único setor. Não existe, então, alternativa para a globalização” (CARDOSO, 1997:9). Essas palavras permanecem verda- deiras na medida em que reconhecermos que o concomitante crescimento da diversidade das comunidades locais, que constroem a sua identidade na base da pertinência racial ou étnica, significa para a globalização uma tendência complementar, não competitiva.

No caso da Igreja católica, essas duas tendências, da globalização e da intensificação da diversidade local, sobrepõem-se mutuamente. Por um lado consolidam-se instituições nacionais e supranacionais do tipo da Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano ou da Confederação dos Religiosos da América Latina (BRZOZOWSKI, 1999) e, por outro lado, surgem numerosas e diversificadas comunidades locais e paroqui- ais, que se sobrepõem à crescente complexidade da estrutura étnica.

No Brasil o clero se compõe de padres procedentes de 64 nacio- nalidades. Vinte e sete por cento do episcopado do país é constituído por bispos nascidos fora do Brasil (MALCZEWSKI, 1998:25). Só por isso, em si mesma a Igreja brasileira constitui um exemplo do princípio da diver- sidade particular de culturas numa sociedade cívico-política que se glo- baliza e universaliza.

No documento Ano I 1 / 2010 CURITIBA - PR (páginas 108-111)