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O EXÓTICO BRASIL NA LITERATURA POLONESA DE VIAGENS – EM BUSCA DA REALIDADE IMAGINADA

No documento Ano I 1 / 2010 CURITIBA - PR (páginas 43-81)

Marcin Florian GAWRYCKI *

O ver e o enxergar – a questão da representação

Em seu livro O Egito na exposição mundial, Timothy Mitchell lem- bra as palavras do poeta e ensaísta francês do período romântico Gerard de Nerval, que, ao descrever o Cairo a Théophile Gautier, afirmava: “Não pense mais nisso! Esse Cairo se encontra sob uma camada de cinza e su- jeira, [...] coberto de pó e mudo”. E a seguir: “Na realidade eu queria criar uma cena digna de ti, mas [...] cafés tão orientais só podem ser encontra- dos em Paris” (MITCHELL 2002: 54-55). A desilusão de Nerval resultava da impossibilidade de encontrar um Cairo que estivesse de acordo com a sua imaginação. Ele pretendia criar o retrato de uma cidade que, como muitas vezes acontece, devia servir a objetivos bem definidos, porquanto forneceria a Gauthier descrições que serviriam para a recriação de perso- nagens, decorações e pantomimas na Ópera de Paris. No final Nerval duvidou por completo da possibilidade de encontrar o “verdadeiro Egi- to”, o Cairo que servisse para ser apresentado aos habitantes da metrópo- le francesa. Aos olhos de um europeu, a capital do Egito não correspon- dia à imagem que havia surgido antes da expedição de Nerval àquela parte do mundo. Verificou-se que Paris era mais “cairota” que o próprio Cairo.

Professor Doutor, trabalha no Instituto de Relações Internacionais da Universi-

dade de Varsóvia; diretor do Centro de Estudos Extraeuropeus do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Varsóvia; secretário-geral da Socie- dade Polonesa de Estudos Latino-Americanos; autor de diversos livros dedicados à América Latina. Em 2010 publicou em Varsóvia, pela Editora da Universidade de Varsóvia, o livro W pogoni za wyobrażeniami. Próba interpretacji polskiej literatury podróżniczej poświęconej Ameryce Łacińskiej (Em busca de representações. Uma tentativa de interpretação da literatura polonesa de viagens dedicada à América Latina).

A questão da representação do mundo pelo Ocidente é um dos problemas principais nos seus contatos com os países não ocidentais. Isso tem sido solidamente apresentado em Orientalismo, de Edward Said. Analisando textos europeus a respeito do Oriente, Said chama a atenção sobretudo ao estilo e às figuras estilísticas, ao pano de fundo, às mano- bras narrativas, às circunstâncias históricas e sociais. No discurso coloni- al, o mais importante não é tanto a verdade quanto a representação. Quando um cientista ou um viajante ia a um país em cuja pesquisa se havia especializado, ele sempre já possuía máximas inabaláveis, abstratas a respeito da “civilização” por ele estudada. Os orientalistas – acredita Said – raramente se interessavam por algo que não fosse a confirmação da veracidade das suas antiquadas “verdades”, através de tentativas de adaptá-las, sem maiores sucessos, aos ignorantes e, portanto, degenera- dos nativos (SAID 2005:94).

Em poucas palavras, o orientalismo é uma forma ocidental de dominar, reconstruir e manter o poder sobre o Oriente. O esquema men- tal resultante do orientalismo impossibilita a libertação desse estreito espartilho, negando a liberdade de reflexões ou ações livres diante do Oriente ou – de maneira mais ampla – diante do mundo não europeu (SAID 2005: 31-32).

Continuando as suas reflexões a respeito da representação em trabalhos posteriores, Said afirma que o valor, a eficácia, o vigor e a fide- dignidade dos pronunciamentos a respeito do Oriente pouco dependem daquilo que o Oriente é na realidade. Muito pelo contrário: O pronunci- amento escrito torna-se verdadeiro para o leitor justamente porque eli- mina, substitui, torna dispensável a realidade do Oriente. Dessa forma, todo o orientalismo na realidade afasta-se do Oriente real: o sentido do orientalismo depende em significativa medida do Ocidente e baseia-se em técnicas ocidentais de representação, que tornam o Oriente claro e compreensível no âmbito do discurso orientalista (SAID 2005: 55-58).

Mitchell utiliza-se da metáfora “o mundo como uma exposição”, aplicando-a ao século XIX, no qual o mundo é compreendido e visto co- mo se fosse uma exposição. Esse mundo possui três traços característicos, que vale a pena mencionar. Em primeiro lugar, é muito característica desse mundo a convicção da própria certeza, ou seja, da verdade; a con- vicção de que tudo está perfeitamente organizado, arranjado, enumerado

e claramente formulado, o que afinal conduz a que do ponto de vista político ele pareça ser indiscutível. Em segundo lugar, a incontestabilida- de política desse mundo, que por sua natureza é um paradoxo, porquan- to a mencionada infalibilidade baseia-se numa relação nitidamente defi- nida entre a representação e a “realidade”; no entanto verifica-se que o mundo verdadeiro – o mundo de fora da exposição – independentemente de tudo que a exposição parece prometer, compõe-se exclusivamente de novas representações da realidade. Em terceiro lugar – o que Mitchell chama de natureza colonial deste mundo – o século das exposições devia ser o século do colonialismo, a era da economia mundial e do poder glo- bal, a época em que vivemos, visto que aquilo que devia tornar-se objeto de exposição era a realidade – o mundo em si mesmo (MITCHELL 2001: 29-30).

A tendência europeia de universalizar os seus próprios valores e posturas fez com que se criasse uma imagem própria do não-Ocidente, que o “século das exposições” consolidava mais ainda. Ao viajarem para fora do seu continente, os europeus dirigiam-se em busca de uma reali- dade cuja representação haviam construído anteriormente graças a livros, imagens ou museus. Eles viajavam para ver o original da cópia que já conheciam e assim sempre definiam o objetivo da sua viagem. Além do “mundo como exposição”, essa realidade imaginada paradoxalmente persistia. Não existia o mundo real; havia apenas novos modelos e repre- sentações da realidade. Tudo parecia organizado de tal forma como se o espectador tivesse diante de seus olhos o modelo ou a imagem da reali- dade (MITCHELL 2001: 28-29, 52-53).

Vale a pena lembrar que a indústria do turismo é uma filha pro- dígio do orientalismo. A criação de representações é um processo natural de conferir significados europeus a lugares visitados por turistas ociden- tais. Os viajantes poloneses teimosamente informam que Machu Picchu foi descoberta por Hiram Bingham, ainda que ele tenha sido conduzido até lá pelo índio Melquior Arteaga, que residia na região das ruínas e para o qual – da mesma forma que para duas outras famílias indígenas que a haviam transformado então em suas fazendas – aquela cidade “perdida” na realidade não era uma cidade perdida (cf. WARSZEWSKI 2000: 76; AZEMBSKI 1966: 54; HALIK 2006: 115). Evidentemente estamos aqui diante de um problema mais amplo, relacionado com a pergunta:

quem é o descobridor? Será que foram descobridores Colombo , Cortés, Pizarro, Humboldt, Bingham? A falta de uma resposta a isso não muda o fato de que viajantes poloneses da época queriam ser tais Binghams. Um bom exemplo disso é Wojciech Cejrowski, que atravessou – jactando-se de ser o primeiro – o estreito de Darien. Ao escrever sobre isso, ao mesmo tempo acrescenta: “Naturalmente grupos de indígenas locais há milhares de anos atravessam o Darien de um lado para o outro praticamente todos os dias, mas eles não são viajantes nem descobridores, de modo que não contam” (CEJROWSKI 2006: 225).

Passemos, no entanto, ao âmago da questão. Como escreve Krzysztof Podemski, o nosso “olho” é um olho determinado social e cul- turalmente. Olhamos para as atrações, inclusive exóticas, pelo prisma da nossa civilização, nossa raça, nossa nação, nossa classe social (PODEMSKI 2004: 70). Por sua vez Ryszard Kapuściński afirma que “é preciso amadurecer para viajar – a viagem é algo mais que mudar de um lugar para outro, algo mais que turismo [...]. A viagem é uma proveitosa vivência do mundo, o aprofundamento dos seus mistérios e das suas verdades, a busca de respostas a perguntas que ele apresenta. Uma via- gem assim entendida é reflexão, é filosofia” (KAPUŚCIŃSKI 1990: 165).

Assim, pois, o viajante polonês, quer queira quer não, viaja para a América Latina com certa bagagem de experiências e com a sua própria “biblioteca”, que representa uma determinada postura antes que lá po- nha os pés pela primeira vez. Independentemente de ele se preparar para essa viagem (lendo, conversando, vendo) ou não fazer nada, o con- tinente não será para ele uma tábula rasa. Ele viaja com um tipo de ima- ginação definida ou com uma representação firmemente consolidada, que perturba a sua percepção. Os viajantes viajam para encontrar respos- tas a perguntas por eles formuladas. A viagem é vista como uma forma objetiva de transformar o ponto de interrogação em ponto final, a frase interrogativa em assertiva (WITEK 2009: 80). Como acertadamente ob- serva Piotr Pawliszek, “a narrativa de viagem não constitui um reflexo da realidade, nem mesmo o reflexo da sua percepção, mas é uma represen- tação da realidade da viagem experimentada pelos viajantes de uma perspectiva definida [subjetiva]” (PAWLISZEK 2009: 110). O que não está de acordo com o esquema mental aceito é simplesmente rejeitado.

Imaginemos que, ao viajar à América Latina, o viajante esteja convencido de que os latino-americanos são preguiçosos representantes da cultura do amanhã, de que ali é perigoso, de que as mulheres são exoti- camente belas, mas de que geralmente reina a pobreza... Será que ele encontrará a confirmação dessa imagem da América Latina durante a sua viagem? Sim, encontrará, visto que quer encontrá-la. Da mesma forma que a encontraria na Polônia, na Alemanha ou na França – desde que ali quisesse procurá-la. O viajante que busca a confirmação de uma opinião anteriormente formada – está condenado ao sucesso. Ele não aceitará charutos, café, indígenas ou ritos “não autênticos”. Tudo deve estar de acordo com o guia ou com outras fontes acessíveis. Ocorre então o pro- cesso da essencialização, ou seja, de atribuir aos latino-americanos certos traços que a viagem apenas confirma e que o autor da literatura de via- gens multiplica em sua publicação. Voltemos a nossa atenção, por exem- plo, para estas palavras do eminente poeta e dramaturgo polonês Antoni Słonimski, que aliás na época despertaram uma grande indignação no seio da colônia polonesa no Brasil:

Já descrevi como se apresentava o primeiro trecho da América que vi do navio. Mas isso dá uma ideia errada do conjunto. O cinemató- grafo não me enganou. Com base em alguns filmes latino-americanos, eu formei uma imagem bastante fiel dessas amplas e largas avenidas, enfei- tadas de esguias palmeiras, dessa aglomeração de automóveis, dessa multidão de negros vestidos de branco e de brancos vestidos de preto (SŁONIMSKI 1925: 35).

Słonimski, quando viajou ao Brasil em 1924, já tinha uma ideia formada. Tinha lido e tinha visto. Sabia, mesmo sem sair do lugar. A viagem que realizou apenas confirmou os seus conhecimentos e pressen- timentos. O Brasil em nada o surpreendeu. Esse tipo de “viagem” – acre- dita Dorota Kozicka – serve menos ao conhecimento da realidade que à preservação da representação da realidade (KOZICKA 2006: 285). Por isso não é de admirar que o jornal Gazeta Polska w Brazylii (13 de janeiro de 1926) dissesse a respeito de Słonimski que os seus julgamentos “em grande medida menosprezam o Brasil e os seus cidadãos, sem nenhuma necessidade atentando contra o seu orgulho nacional. São simplesmente

zombarias e expressões de menosprezo diante de um país no qual cente- nas de milhares de poloneses encontraram um porto seguro nos tempos do domínio estrangeiro e ao qual muitos ainda se dirigem, impelidos pelas difíceis condições econômicas na Polônia. Para o Sr. Słonimski, o Brasil é uma terra de negros, mestiços, serpentes venenosas a matas vir- gens, exatamente igual à que imaginavam ou, o que é mais verdadeiro, imaginavam há anos, os meninos da primeira série da escola média” (apud KULA 1982: 256).

Mesmo um bom autor, que não deseja ser alguém excepcional, que atentamente ouve e olha, ao tentar objetivizar os seus julgamentos submete-se às vezes a narrativas totalizadoras. Porquanto “olhar” nem sempre significa “ver” – como escreve Ryszard Kapuściński – não signifi- ca “compreender” (KAPUŚCIŃSKI 2003: 108). O nosso eminente viajante aconselhava os seus alunos a todos os dias registrarem os fatos e as im- pressões de viagem, visto que esse costume obriga “à concentração e ao olhar ativo”, fazendo também que a viagem não seja apenas “uma mecâ- nica mudança de lugar, contagem de quilômetros, cidades e países”, mas que se torne uma “forma de aproximação e compreensão do mundo, de outras pessoas, de outras culturas” (KAPUŚCIŃSKI 2002: 9). No entanto, como observa Justyna Tabaszewska, a eliminação total da influência dos estereótipos torna-se impossível mesmo quando o objetivo do autor é a revisão das imagens anteriores (TABASZEWSKA 2006: 298). A sua lin- guagem nunca será completa, e a isso se adiciona a impossibilidade de traduzir o mundo não ocidental à linguagem europeia. Mesmo que al- gum indígena da Amazônia encontrasse tempo e assumisse a tarefa de descrever a vida física e espiritual dos seus companheiros de tribo – terí- amos ainda de traduzir essa obra. Portanto – interpretá-la, portanto atri- buir a isso certo sentido novo. Por isso podemos apenas esforçar-nos por compreender, sabendo de antemão que esses esforços estão fadados ao insucesso. No entanto, ao escrever sobre isso o autor de um livro consci- encioso e honesto, digno de recomendação, não vai fingir que descobriu a verdade, mas apenas que captou certo recorte da realidade, que descre- veu do seu ponto de vista subjetivo.

Ryszard Kapuściński, por exemplo, utilizava-se da “literatura fragmentária” como forma literária apresentada em seus trabalhos, ou seja, ele mantinha o leitor na convicção de que ele não se encontrava di-

ante de uma imagem plena da realidade descrita, mas apenas de um “fragmento” seu. Zbigniew Bauer, ao analisar a produção literária de Kapuściński, afirma que “concentrados no detalhe, no pormenor, de re- pente percebemos nele as leis que regem tudo – o mundo, a política, as pessoas e a nossa própria sensibilidade. Ao mesmo tempo esse fragmento – no sentido estrutural – parece-nos elaborado: é perfeitamente fechado, possui a sua dramaturgia interna, sendo portanto, na nossa convicção, fenomenal, singular, excepcional” (BAUER 2001: 179).

Será então melhor preparar-se bem para a viagem ou deixar de fazê-lo? Ler o que há para ser lido a respeito do país a que nos dirigimos? Ou talvez não ler nada e pela prática chegar ao conhecimento teórico? São perguntas que se fazem viajantes, exploradores ou simples turistas. A maioria dos viajantes declara que, viajando à América Latina, estão pron- tos e bem informados através da leitura. Mas será que então não acontece – como escreve Halina Witek – que eles se protegem com para-choques do tipo “eu sei”, “eu li” ou “eu ouvi”, que remetem os leitores à mesma “biblioteca” de que se utilizou o viajante e que é a fonte da moldagem das suas impressões estereotipadas? Não será então melhor reverter a sequência e preceder a teoria com a prática? (WITEK 2009: 164). Embora a resposta a essas perguntas não seja simples, é preciso concordar com Ryszard Kapuściński quando ele diz que todo o humanismo do nosso escrever encontra-se justamente no esforço de transmitir a imagem ver- dadeira do mundo, não uma coleção de estereótipos (KAPUŚCIŃSKI 2003: 63).

Viajantes poloneses no Brasil

Viajantes poloneses têm ido com muita frequência ao Brasil. O que não é de admirar, visto que se trata não apenas do maior país da América Latina (e onde por isso se tornava mais fácil encontrar aquelas “surpresas” exigidas pelo leitor polonês), mas tem tido (e naturalmente continua tendo) a maior colônia polonesa nessa parte do mundo.

Aliás os viajantes poloneses da passagem do século XIX ao XX viajavam principalmente para estudar e descrever a emigração polonesa ao Brasil. Em 1891 fez uma viagem desse tipo Józef Siemiradzki, que viajou ao Brasil com o objetivo de estudar a situação dos emigrantes po- loneses que viviam naquelas terras. O fruto dessa viagem foi o livro Na

trilha dos peregrinos – Recordações de uma viagem ao Brasil (1900). Como escreve Maria Paradowska, Siemiradzki era um arguto observador, que cuidadosamente registrava as suas observações. Descrevia tudo: a paisa- gem, os habitantes das terras visitadas, a sua aparência, os seus traços de caráter, o vestuário, as residências, os costumes e muitos outros elemen- tos relacionados com o seu sistema de vida. Por isso é justa a avaliação de Paradowska de que “Siemiradzki foi um observador tanto educado, inteligente, como arguto e perspicaz, ainda que algumas vezes – porém mais raramente que outros exploradores – incapaz de evitar um olhar europeizado” (PARADOWSKA 1989: 42).

Tanto a vontade de observar o destino dos emigrantes poloneses como a busca de inspirações literárias (mas com toda a certeza também a simples curiosidade humana) induziram Jerzy Ostrowski a viajar ao Bra- sil. O resultado das inspirações brasileiras do romancista Jerzy Ostrowski foram dois livros – Cathangara (1930) e Kobuz (1931). Nos anos 1934-1935, realizou uma viagem igualmente inspiradora, ainda que direcionada a outras experiências, Zbigniew Uniłowski. A respeito de Antoni Słonimski já falei, embora justamente ele, no contexto da sua viagem ao Brasil em 1924, não se tenha distinguido especialmente por nada de importante.

Com frequência e de bom grado voltava ao Brasil um dos mais conhecidos viajantes poloneses – Arkady Fiedler. Ele herdou do pai uma indústria fotoquímica, o que lhe permitiu a realização da sua paixão principal – as viagens. Em 1926 editou com recursos próprios, em seu próprio estabelecimento, o livrinho Pelos turbilhões e saltos do Dniestr. Mas esse cidadão de Poznań sonhava com viagens distantes. Quando reuniu os recursos necessários, em 1928 partiu para a sua primeira viagem à América do Sul – justamente para o Brasil. Essa viagem tinha um caráter científico – Fiedler coletou amostras da fauna do brasileiro Paraná. Assim escrevia a respeito das suas primeiras experiências de viagem e literárias:

Viajei ao Paraná exclusivamente como naturalista, sem a intenção de registrar por escrito as minhas impressões, mas, após a volta à Polô- nia, repleto de recordações ainda ardentes e já de uma nova saudade, comecei a escrever a respeito de algumas aventuras na mata virgem. [...]

Eis que na Rua Długa eu possuía uma pequena tipografia inativa. Então, tendo contratado um compositor-impressor numa única pessoa,

publiquei aqueles livros, pequenos mas cuidadosamente editados e be- lamente ilustrados, da mesma forma que o fiz com Pelos turbilhões e saltos do Dniestr. Infelizmente, não tiveram uma boa aceitação, envolvidos pela perfeita indiferença dos leitores. Os trastes de um autor desconhecido lá ficavam depositados melancolicamente nas livrarias de Poznań: ninguém se importava com eles; eram como a neve do ano passado. Apesar disso, enchiam o jovem autor de orgulho [...]. (FIEDLER 1983: 55).

Depois vieram outras viagens latino-americanas: à Amazônia e ao Peru Oriental (1933), a Trinidad, à Guiana e ao Brasil (1942-1943), ao México (1948), ao Brasil e à Guiana (1963-1964), ao Brasil (1967), ao Peru (1970), pela América do Sul (1973) e novamente ao Peru (1978-1979). A- lém disso, Fiedler palmilhou também a África, a Oceania, a Ásia e a Amé- rica do Norte. No total, realizou trinta expedições. Em sua criatividade, Fiedler dedicou muito espaço ao Brasil, a respeito do qual escreveu: Bi- chos, meus amigos brasileiros (1931), Entre os índios coroados (1932), Peixes cantam no Ucayali (1935), Rio de Ouro (1950).

Gostava também de viajar ao Brasil Mieczysław Lepecki, ajudan- te do marechal Piłsudski e um dos observadores da realidade latino- americana mais abertos à “diversidade”. Ele viajou pela primeira vez à América do Sul em 1922 – primeiramente aos núcleos emigratórios polo- neses no Brasil. Três anos mais tarde viaja à Argentina, ao Paraguai, à Bolívia e ao Brasil. Após a eclosão da guerra em setembro de 1939, Le- pecki viajou à França e, a seguir, através da Espanha e de Portugal partiu para o Brasil. Por quase vinte anos residiu nesse país, muitas vezes em- brenhando-se no seu interior. Voltou à Polônia somente após o degelo, em 1957.

Não é possível mencionar todos que estiveram no Brasil e des- creveram o país, aliás viajando para lá por motivos diversos. Por exemplo Wacław Korabiewicz, da mesma forma que Lepecki, foi para lá arrastado pela eclosão da guerra. Levados pela fascinação das viagens, estiveram ali Janusz Wolniewicz, Michał Rusinek, Maciej Szczepański e Mirosław Azembski. No entanto as mencionadas pessoas são apenas algumas das que transpuseram o oceano.

No final destas considerações, uma reflexão que me parece inte- ressante. Após as transformações democráticas na Polônia em 1989, a

literatura de viagens começou a florescer novamente. Viajantes, que se consideram grandes descobridores, tornaram-se não apenas autores de livros, mas figuras importantes e celebridades nos meios de comunica- ção, que relatam as suas extraordinárias aventuras em terras latino- americanas. Eles chegam a cumprir o papel de autoridade, não apenas no âmbito da arte de viajar, mas – o que é pior – do conhecimento a respeito dos países da América Latina.

O problema é que os poloneses não tanto deixaram de viajar ao

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