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1.2. Relações raciais no Brasil

1.2.3 A imagem do afro-brasileiro após a abolição

Abolição é entendida como o conjunto de políticas públicas que aos poucos levou à extinção da escravidão, constitui ponto privilegiado para explorar as relações entre o governo, isto é, Rei e seus burocratas, e a classe dos proprietários rurais. Em nenhum outro momento, e em nenhum outro tema, ficou mais clara a oposição entre as motivações e os interesses do polo burocrático do poder (o Estado) e os interesses do polo social e econômico (os fazendeiros) deste mesmo poder. Se na expressão muitas vezes usada na época, a escravidão era o cancro que corroía a sociedade, ela era também o princípio que minava por dentro as bases do Estado imperial, e que, ao final, acabou por destruí-lo. (CARVALHO, 1988, p.50)

Nesse jogo de poder entre reis, burocratas e proprietários rurais, pode-se pontuar que o 13 de maio de 1888 - momento em que a princesa regente assina a Lei Áurea e cessa completamente a escravidão no Brasil. Tal circunstância, de acordo com o Relatório apresentado ao Exm. Sr. Presidente da Província de São Paulo pela Comissão Central de Estatística São Paulo (1888, p.245), teve a seguinte repercussão: “os fazendeiros de café de São Paulo congratularam-se por terem antecipado o inevitável e terminado com a escravidão por efeito da espontânea resolução dos senhores, sem intervenção do poder público ”. Destartes, a historiografia acerca do período mostra-nos que o processo de deliberação dos senhores (proprietários rurais) foi norteada por intervenções das autoridades imperiais: abolição do tráfico de escravos que culminou com a rejeição do exército em amenizar/conter a fuga de escravos em 1887 e 1888 e, conforme Andrews (1998, p.74), “ houve também substancial intervenção por parte dos escravos, um ponto que não foi negligenciado pelos observadores da época”.

48 Nesse contexto, um número maior de políticos e de proprietários de escravos principiaram a se manifestar em favor da implantação de um projeto econômico moderno, no entanto, segundo Bastos (1938:1939), a maioria não estava predisposta a abdicar de seus antigos privilégios, visto que tal “caminho promissor”, progresso via imigração, suscitava incertezas e um certo mal-estar na intelligentsia brasileira. Hofbauer (2006, p.198) alerta-nos do fato de que “ a elite intelectual e as lideranças políticas perguntavam-se até que ponto seria possível e desejável introduzir o princípio “da igualdade entre os cidadãos”, com todas as suas consequências, num país cuja população era composta, majoritariamente, por “mestiços” e por “raças inferiores”.

Entre esse grupo de intelectuais e de lideranças políticas foi encontrado os cognominados progressistas que advogavam um Estado liberal, contudo, recorriam ao ideário racial biologizado e concepções evolucionistas. Segundo Hofbauer (2006, p.198), a ideia de raça “não foi posta em questão” e complementa que, desta maneira, “ era perfeitamente possível , no final do século XIX, assumir um “discurso racial” sem abrir mão totalmente de conteúdos mais antigos do conceito” e chama-nos a atenção de que “diversos discursos populares da atualidade: a noção de cultura, definida pela antropologia moderna como uma ideia altamente dinâmica relacionada a identidades étnicas, apresenta algumas heranças semânticas antigas, isto é, traz frequentemente marcas do ideário evolucionista que igualava cultura à civilização”. (HOFBAUER, 2006, p.198)

Por conseguinte, o término da escravidão e a Proclamação da República trazem à tona um desafio para nova geração de cientistas, graduados em universidades brasileiras e que estavam dispostos a refletir/pesquisar acerca dos proeminentes questionamentos e do futuro do país. Entre os cientistas oscilava duas perspectivas: a primeira direcionada ao compromisso acadêmico com a inovadora ciência natural; a segunda, à fidelidade ao Estado brasileiro que emerge. Nesse quadro, de acordo com Schwarcz (1993, pp.180/182 e p.244), destacam-se inclinações teóricas opostas entre os juristas e os médicos da época, estes “ baseados nas premissas de uma ciência natural e suas leis rígidas e propensas a determinismos, tendiam a descartar a possibilidade da igualdade”, aqueles encontravam-se articulados/engajados “ no fortalecimento da instituição de um Estado moderno de tipo legal” e para lograr êxito nesse objetivo “mostravam maior afinidade com o discurso liberal e acreditavam na força transformadora da lei para a superação das desigualdades existentes”.

É fulcral, neste momento, abordar dois posicionamentos extremos sobre as questões da raça e do cruzamento inter-racial que foram arguidas por dois cientistas de formação médica:

49 Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) e João Lacerda (1845-1915), com a finalidade de impelir o meu coenunciador a compreender, de forma pormenorizada, o processo de construção de imagem do afro-brasileiro na sociedade brasileira no final do século XIX e suas imbricações que perpassam ao longo da história e refletem em nosso cotidiano na sociedade moderna do século XXI. Nina Rodrigues, durante sua trajetória, lidou com a legislação penal particularmente às questões relacionadas as diferentes raças, tal fato a levou a pesquisar acerca dos africanos e seus descendentes no Brasil. Os códigos penais, para Nina Rodrigues (1957, p.44), “estavam ainda muito permeados por concepções metafísicas e não reconheciam os avanços da ciência moderna”.

Nina Rodrigues (1957) seguia a vertente teórica evolucionista, especificamente Taylor, uma vez que explicava o desenvolvimento da moralidade como consequência de um processo filogenético. E além disso, como Darwin ele postula que o embate do homem para sobreviver favorecia a um processo moroso de imposição da razão (inteligência) e de valores da civilização ocidental ao longo do processo de evolução: moralidade. Hofbauer (2006, p.199) pondera que “ com essa linha de raciocínio, o autor opunha-se a visões cristãs e humanistas que, defendendo um modelo de ser humano abstrato, portador de uma racionalidade única, propagavam o “livre arbítrio como base da responsabilidade penal”.

Sendo assim, pode-se corroborar que Nina Rodrigues (1957, p.50) negava que “entre as civilizações inferiores (como negra), houvesse uma consciência do dever, do direito formal, que, constituía uma precondição da responsabilidade penal” e para isto acontecer “existia uma “impossibilidade material, orgânica” que impedia os representantes das fases inferiores da evolução social de passar bruscamente para o “grau de cultura mental e social das fases superiores”.

E reforça seu posicionamento teórico ao propugnar que

Organização físico-psicológica [das raças inferiores] não comporta a imposição revolucionária de uma concepção social e de todos os sentimentos que lhe são inerentes, a que só puderam chegar aos povos cultos evolutivamente, pela acumulação hereditária gradual do aperfeiçoamento físico que se operou no decurso de muitas gerações, durante sua passagem da selvageria à civilização. (NINA RODRIGUES 1957, pp. 84/85)

E complementa que em virtude desse fator as raças inferiores “reivindicam, portanto, um tratamento jurídico diferenciado” e assevera sua assertiva ao dizer que “o exame que tenho feito me autoriza plenamente, parece, a concluir que os negros e índios, de todo irresponsáveis em estado selvagem, têm direitos incontestáveis a uma responsabilidade atenuada”. Logo, essa conduta do autor é reflexo da oposição à uniformização do código penal, considerado como um

50 erro grave, porque atentava contra as bases essenciais da psicologia e , em razão disto, propunha a cisão do território brasileiro em quatro, no mínimo, regiões legais díspares, que seriam organizadas por intermédio de suas características raciais, climáticas e geográficas. E assevera que

O legislador pode e deve unir a população, para isto tem ele muitos meios dos quais, talvez, sejam o ensino da mesma língua [..] e a mesma legislação. Mas realmente esta pretensão não tem o menor fundamento. A menos que não se suponha e admita que os códigos podem modificar os climas, e com os climas as condições de adaptação dos grupos humanos, a menos que não se creia que os códigos possam modificar as raças. (IBIDEM, p.208)

E adverte que “tornar os bárbaros e selvagens responsáveis por não possuir(em) ainda essa consciência [de direitos e deveres], seria a mesma coisa que tornar as crianças responsáveis por não terem atingido a maturidade mental dos adultos, ou castigar, os loucos por não serem sãos de espirito. (IBIDEM, p.85) Pode-se ponderar que Nina Rodrigues buscava um controle, alicerçado em um método científico: método antropométrico (aplicado para medir os crânios de Antônio Conselheiro e do quilombola Lucas de Feira, tendo como parâmetros o índice cefálico, ângulo facial, critérios da frenologia de dolicocefalia e da braquicefalia), com o intuito de determinar as responsabilidades legais do indivíduo.

Outro ponto, que deve ser abordado é a questão da mestiçagem, que constituía uma problema que merecia atenção e que poderia ser explicado, conforme Nina Rodrigues (1957, p.132), “pela lei biológica: os produtos dos “cruzamentos” de espécies seriam tanto menos favoráveis quanto mais essas espécies encontram-se afastadas na hierarquia zoológica”. Nina Rodrigues (1957, p.141) concebia a escala de mestiçagem um espectro que perpassava o inaproveitável e degenerado até um “produto válido e capa de manifestação superior da atividade mental”. E recusava a ideia de acordo pela qual se podia falar em uma “raça única capaz de figurar como individualidade antropológica ao lado das três raças puras primitivas (NINA RODRIGUES 1939, p.196) E assevera que “os tipos mestiços de hoje talvez desapareçam amanhã, passando ainda por diversas formas de transição para chegar a um produto final uniforme e é certamente pouco razoável identificar todos esses estádios da evolução etnológica” (IBIDEM, p.197)

Para fins normativos, Nina Rodrigues (1939, p.167/168) defendia a diferenciação entre três grupos de mestiços:

(1) mestiços superiores que pela predominância da raça civilizada na sua organização hereditária ou por uma combinação mental feliz [..] devem ser julgados perfeitamente equilibrados e plenamente responsáveis;

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(2) os mestiços evidentemente degenerados apresentam anomalias na sua organização física e nas suas capacidades intelectuais e morais; estes não poderiam ser “curados” nem com remédios nem com castigos: dentre eles uns devem ser total, outros parcialmente irresponsáveis e

(3) os mestiços comuns, produtos socialmente aproveitáveis, devido ao seu desequilíbrio mental, acham –se em iminência constante de cometer ações antissociais de que não podem ser plenamente responsáveis. São casos todos de responsabilidade atenuada.

E alerta, apesar de ter anuência de que entre os seres humanos a hibridez física não tinha sido provada que “certos cruzamentos dão origem em todo caso a produtos morais e sociais, evidentemente inviáveis e certamente híbridos” (IBIDEM, pp.132/133). Por outro lado, Nina Rodrigues arriscou-se a desenvolver a taxonomia da população brasileira em seis grupos: brancos, negros, mulatos, mamelucos ou caboclos, cafuzos e pardos. Deve-se frisar que Nina Rodrigues (1957, p.91) subdivide o grupo de mulato em

(a) mulatos dos primeiros sangues;

(b) mulatos claros, de retorno à raça branca e que ameaçam absorvê-la e

(c) mulatos escuros, cabras, produto de retorno à raça negra, uns quase completamente confundidos com os negros crioulos, outros de mais fácil distinção ainda.

É profícuo e relevante pontuar que Nina Rodrigues (1939, p.206) apoiava-se em ideais racistas essencialistas e por isso utilizava o uso da categoria branca ao incluir nela “não só os brasileiros descendentes diretos dos europeus, mas ainda aqueles mestiços de qualquer delas [raça] que por um cruzamento unilateral com a raça branca conseguiram no fim de um certo número de sangues voltar definitivamente a esta última raça”. Portanto, considerava negros “não só os descendentes diretos e sem misturas dos africanos importados pelo tráfico, como os seus mestiços que voltam a raça negra”. (IBIDEM, p.207) Deve-se frisar que Nina Rodrigues refutou a possibilidade de uma constituição homogênea da sociedade brasileira, ao constatar que a distribuição geográfica era desigual entre os negros, brancos e índios, em virtude do processo de adaptação ao território, ao solo, ao clima das díspares raças. Tendo ciência desse fato, Nina Rodrigues (1957, pp.100/101) pontua que não “acredita na unidade ou quase unidade étnica, presente ou futura da população brasileira”. De acordo com Hofbauer (2006, p.203), “o pensamento de Nina Rodrigues punha em xeque os “sonhos” de muitos intelectuais a respeito de um futuro branqueado do pais”, uma vez que sua crítica era direcionada, de forma explícita, ao Silvio Romero ao ponderar que “não acreditava na futura extensão do mestiço luso-africano a todo território, considerado pouco provável que a raça branca consiga predominar o seu tipo em toda população brasileira”. (NINA RODRIGUES 1957, p.96)

52 Ao observar sua obra, também nota-se que Nina Rodrigues (1977, pp.263/264) não refuta que os negros na própria África já tivessem passado por estádios evolutivos ao postular que os negros “melhoram e progridem; são, pois, aptos a uma civilização futura”, concomitantemente chama a atenção dos extremamente otimistas ao dizer que “é impossível dizer se essa civilização há de ser forçosamente a da raça branca” e ao demonstrar “o exame insuspeito dos fatos que é extremamente morosa, por parte dos negros, a aquisição da civilização europeia”.

Em relação ao futuro do país, Nina Rodrigues (1977, p.07) é categórico ao asseverar que

A raça negra no Brasil por maiores que tenham sido seus incontestáveis serviços à nossa civilização, por mais justificativas que sejam as simpatia de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir um dos fatores da nossa inferioridade como povo.

Segundo Hofabauer (2006, p.205/206), a obra de Nina Rodrigues não logrou êxito junto ao discurso oficial e foi recusada não só pelos primeiros movimentos políticos negros como pelos contemporâneos, porém, salienta que a obra foi “ de grande importância, especialmente para o desenvolvimento da antropologia”. E pondera que Nina Rodrigues “pode ser considerado o fundador das pesquisas antropológicas afro-brasileiras – e isso não apenas por ter acumulado um vasto material etnográfico” mas também por “debater seriamente vários aspectos da questão da desigualdade entre os seres humanos”. Nesse quesito, Correa (1998, p.309) argumenta que Nina Rodrigues

Apontou em todas as suas pesquisas para a clara existência de desigualdades em nossa sociedade e pediu explicitamente a intervenção do Estado, tanto para garantir a ordem social como para assegurar a liberdade dos cidadãos. Para ele, o reconhecimento das desigualdades era a pedra angular de suas análises sobre a nossa sociedade e único ponto de partida possível para uma distribuição hierárquica da justiça no país

E Hofbauer (2006, p.206) complementa que Nina Rodrigues

Partindo de ideias raciais biologizadas, diferentemente dos mentores do discurso do branqueamento concebia um “outro”essencializado. Sua dedicação ao estudo de detalhes empíricos abriria as portas para que o próprio pensamento antropológico transforma-se rumo a um visão mais culturalista.

Em contrapartida, João Batista Lacerda (1845-1915) – médico de formação, alicerçado em teorias semelhantes à de Raimundo Nina Rodrigues: pensamento evolutivo como o de Spencer, em métodos de pesquisas antropométricas, chegou a conclusões opostas em sua análise acerca do povo brasileiro. Lacerda (1912) apesar de estar comprometido com “ a

53 verdade científica”: racionalidade, objetividade, fidedignidade por meio dos dados coletados e analisados, estava, ao mesmo tempo, preocupado com a questão da moralidade, quando propugna que “contra esta desesperadora sentença darwinica, temos a opor as alevantadas prescrições da moral cristã, que manda condoer-se da sorte dos fracos e humildes, e ajudá-los a vencer os múltiplos tropeços da senda da vida”. (LACERDA, 1912, p.108)

Entende-se o apelo de Lacerda (1912, p.13; pp. 48/51) sobre a moralidade das raças superiores inserido no seguinte contexto: “as raças adiantadas não se devem[..] reconhecer o direito de oprimir e escravizar as raças atrasadas”, por conseguinte, o ato de civilizar e catequizar torna-se o salvo-conduto, em outras palavras, a única saída para salvar a humanidade. Deve-se ressaltar que, embora de Lacerda (1912) dispusesse de um vocabulário que atendia às demandas da transição do século, Lacerda (ibidem) insiste, de forma veemente, na concepção de um mundo, que segundo Hofbauer (2006, p.207), “traz em si marcas que lembram os primórdios do espírito da ilustração: admite uma interpretação naturalizada do mundo sem abrir mão totalmente da ideia de vontade divina, entendida como causa última dos fenômenos naturais”. Tal assertiva é corroborada com as ponderações de Lacerda (1912, p.90)

Demais, devem todos saber, porque a ciência já o demonstrou, que embora tomada como caráter diferencial de raça, a cor não passa de um caráter antropológico acidental, suscetível de modificar-se profundamente sob a influência dos agentes cósmicos, que a superioridade e a inferioridade das raças no sentido absoluto é um fato inverídico; e que no mundo só existem raças adiantadas e atrasadas, devendo ser atribuídas essas diferenças às condições do meio físico e social em que o homem evoluiu.

Embora a concepção de raça de Lacerda (IBIDEM, p.90) fosse menos essencializada e menos biologizante em comparação a Nina Rodrigues não deixou de argumentar que “no Brasil o longo contato do negro prejudicou os dotes morais do branco “e ratificava que “não se pode negar que o demorado contato entre duas raças: uma atrasada; outra adiantada, venha com o tempo fazer adquirir à raça muitos dos vícios e defeitos das raça atrasada”. Lacerda (1911, pp.29/30) dando continuidade a essa perspectiva teórica confirma que “l´importation, sur une vaste échelle, de la race noire au Brésil, a exercé une influence néfaste sur le progress de ce pays; elle a retarde pour longtemps son développement materiel, et rendu difficille l´emploi de ses immenses richesses naturelles”8.

Em seu trabalho, apresentado no Congresso Universal da Raças em 1911, Lacerda (1911) influenciado pela visão otimista do casamento inter-racial entre brancos e negros, visto que o mestiço, produto desse cruzamento inter-racial, não é considerado um bastardo

8 Tradução livre: A importação em larga escala de negros ao Brasil exerce uma influência nefasta sobre o desenvolvimento do país, dificultando,

54 degenerado/decadente, mas é visto como um sujeito que se encontra prestes a metamorfosear em branco. Lacerda (1911, p.18) corrobora minhas inferências ao postular que

O mulato, ele próprio, esforça-se por meio das uniões matrimoniais para levar seus descendentes de volta ao tipo branco. Já foi visto que, após três gerações, filhos de mestiços apresentam todos os caracteres físicos da raça branca embora em alguns persistam traços da raça negra, devido à influência do atavismo.

Na mesma época, Silvio Romero (1851- 1914) conjugava em seus escritos: ideias liberais e um discurso racial e também era considerado um grande defensor do processo de mestiçagem, já que defendia o seguinte pressuposto para a consolidação do Brasil como um estado de direito os seguintes fatores: democracia e mestiçagem, tais fatores eram essenciais para chegar ao princípio da isonomia. Dessa forma, para Romero (1969, p.267), o mestiço metamorfoseia-se em elemento positivo, ao ponderar que “somos mestiços se não no sangue ao menos na alma”. Hofbauer (2006, p.208) alerta-nos que “a reverência ao mestiço deve ser vista no contexto de um projeto mais amplo que era a “homogeneização” do Brasil”. E ademais, Romero (IBIDEM) não deixava suscitar dúvida a respeito de sua preferência pela tez branca, visto que sua tese

Pois é que a vitória na luta pela vida, entre nós, pertencerá, no porvir ao branco; mas que este, para essa mesma vitória, atenta às agruras do clima, tem necessidade de aproveitar-se do que é útil as outras duas raças lhe podem fornecer, máxima preta, com que tem cruzado. Pela seleção natural, todavia, depois de prestado o auxílio de que necessita, o tipo branco irá tomando a preponderância até mostrar-se puro e belo como no velho mundo. Será quando já estiver de todo aclimatado no continente. Dois fatos contribuirão largamente para tal resultado: - de um lado a extinção do tráfico africano e o desaparecimento constante dos índios, e de outros a emigração europeia! (ROMERO “A literatura brasileira e a crítica moderna”, 1880 apud AZEVEDO, 1987, p.71)

Além disso, observa-se, no discurso de Romero (1980, pp. 120/121), um certo otimismo ao processo de miscigenação ao pontuar que

O mestiço é o produto fisiológico, étnico e histórico do Brasil; é a forma nova de nossa diferenciação nacional. Nossa psicologia popular é um produto desse estado inicial. Não quero dizer que constituiremos uma nação de mulatos, pois que a forma branca vai prevalecendo e prevalecerá.

E Romero (IBIDEM) agrega que “o elemento branco tende em todo o caso predominar com a internação e o desaparecimento progressivo do índio, com a extinção do tráfico dos africanos e com a imigração europeia que promete continuar”. E, por fim, propugna que “o mestiço é a condição dessa vitória do branco, fortificando-lhe o sangue para habitá-lo aos rigores do nosso clima”. (ROMERO 1980, p.135)

55 Retomando a questão da divergência entre Nina Rodrigues e Lacerda, deve-se pontuar que, diferentemente de Nina Rodrigues, cujo ato enunciativo valorava a “raça pura” e apresentava, várias vezes, ojeriza e o desprezo no tratamento ao ato de miscigenar ou sincretizar, por outro lado, Lacerda ressaltava as qualidades do mestiço em relação ao negro, e pondera que “os mestiços seriam fisicamente mais fracos que os negros, mas ao mesmo tempo