• Nenhum resultado encontrado

Segunda Geração de Intelectuais: Discutindo questões raciais na sociedade

1.2. Relações raciais no Brasil

1.2.4 Política de Imigração (1890-1930): Negociando libertos, imigrantes e patrões

1.2.4.3 Segunda Geração de Intelectuais: Discutindo questões raciais na sociedade

A imposição da ditatura de Vargas em 1937 marcou o fim de um período de intensa mobilização política na comunidade negra e também no Brasil em Geral. (ANDREWS 1998, p.283)

Getúlio Vargas, em novembro de 1937, outorgava uma nova constituição que se denominava o Estado Novo (1937-1945), marcada pelo autoritarismo e centralismo, o qual não impossibilitou que as organizações negras desaparecessem sob o regime ditatorial, uma vez que se organizaram em formas de associações civis de fins culturais, beneficentes e desportivas com nomes distintos. E além disso, de acordo com Andrews (1998, p.283)

O regime de Vargas estimulou ativamente o desenvolvimento das escolas de samba, embora agora sob controle estrito do Estado. As organizações cívicas também continuaram a operar e uma delas – a Associação José do Patrocínio – teve sucesso ao solicitar ao Presidente Vargas que proibisse anúncios de empregos racialmente discriminatórios nos jornais de São Paulo.

Tais medidas adotadas por Getúlio Vargas vinham ao encontro de seu objetivo na política social e trabalhista do Estado Novo: estabelecer controle sobre a força laboral do país e dos pobres com o intuito de usá-los como uma base passiva de apoio político e, ademais, como fonte de mão de obra barata para a economia industrial que estava em pleno processo de expansão. Portanto, o Estado Novo não constitui um ambiente propicio à organização política de maneira independente e baseada na população geral – massa popular – seja na comunidade negra seja na comunidade em geral. Santos (2001, p.60) argumenta que “o Estado valorizava o homem trabalhador, criando medidas protetoras, ao mesmo tempo que promovia a obediência as leis”. O Estado personificava a figura de Vargas e o PTB, ao ser criado por Vargas, foi o partido com o qual a população negra melhor identificou-se”.

71 Com a queda da ditatura, em 1945, foi desencadeada várias tentativas de reconstituir o movimento negro da década de 1930. Nas palavras de Andrews (1998, p.284)

A convenção Nacional dos Negros Brasileiros teve lugar em novembro, na capital do Estado, com o objetivo de formular uma plataforma de demandas a serem apresentada à esperada Assembleia Constituinte, que iria escrever a nova Constituição para a Segunda República. A imprensa negra de São Paulo, extinta desde 1937, imediatamente reapareceu com a fundação do Alvorada em setembro de 1945, do Senzala em janeiro de 1946 e de O Novo Horizonte em maio de 1946.

E complementa que

O editor do Alvorada, José Correia Leite (editor de O Clarim da Alvorada durante as décadas de 1920 e 1930), esperava usa sua publicação como o meio para formar uma nova organização cívica, a Associação dos Negros Brasileiros. Mas seu trabalho nesta área não deu frutos, nem esforços para a candidatura de negros às eleições para o Congresso no início da década de 1950.

Essa mobilização entre os afro-brasileiros do Estado de São Paulo e outros para participarem da democracia recém estabelecida engendrou um antagonismo entre os brancos, os quais afloraram sua indignação no jornal Correio Paulistano (16 de Julho de 1950 apud ANDREWS 1998, p.285) com o título Preconceito existe! ao manifestar:

Teatro negro, jornal negro, clubes de negro... Agora já se fala mesmo em candidatos negros ao pleito de outubro. Pode-se imaginar um movimento pior ou mais danoso ao espírito indiscutível da nossa formação democrática? Vale a pena combatê-lo desde logo, sem prejuízo dos direitos que os homens de cor reclamam e nunca lhes foram recusados. Do contrário, em vez de preconceitos de brancos paradoxalmente teremos preconceitos de negros. A tais extremos conduzem não racismo (que não existe entre nós) mas o espírito de imitação [supostamente dos movimentos negros nos Estados Unidos], mal digerido e cuja consequência mais nefasta talvez seja o estabelecimento de um sistema por todos os tipos abominável: os indivíduos passariam a ser isto o aquilo, a ocupar cargos determinados, não pelo seu valor pessoal que os recomendasse, mas por serem pretos ou não o serem. A pigmentação cutânea entraria a valer como prova de títulos.

Esse discurso hegemônico do branqueamento sofreu sérios questionamentos principalmente na década de 1950 após a Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto, o Brasil vivencia a era desenvolvimentista e por isso tinha como foco a inserção no mercado de capital internacional. Ao mesmo tempo que a Unesco demonstrava sua preocupação ao combate a políticas e ideologias que mantinham a discriminação de grupos raciais (étnicos, religiosos), e para resolver este problema a Unesco tinha como diretriz: analisar e decodificar as condições de produção (contexto) e as razões que possibilitariam a existência de relações raciais menos conflituosas. Dessa maneira, foi proposta a análise de estudos comparativos em mais de um país da América do Sul. Em 23 de Janeiro, o Comitê Executivo da Unesco propôs a realização de uma pesquisa, na América Latina, que tinha como objetivo

72

Examinar os fatores responsáveis por relações raciais harmoniosas. Nisto consiste um projeto piloto que aponte o caminho para estudos comparativos de variações em relação às atitudes raciais no tempo e no espaço, e, particularmente das condições sob as quais preconceitos raciais diminuem em intensidade (apud MAIO, 1997, p.50).

De acordo com MAIO (1997), a simpatia de certos pesquisadores proeminentes e influentes na Unesco como por exemplo: Métraux, funcionário do setor de Relações Raciais da Unesco -, que se dedicava a estudar relações raciais no Brasil, tendo como base os estudos de certos cientistas brasileiros e somado a isto pontua-se o apoio de intelectuais brasileiros do calibre de Ramos, Costa Pinto e Paulo Carneiro. Esse contexto foi um fator decisivo que influenciou a Unesco escolher o Brasil como único lócus de sua investigação. Segundo

Hofbauer (2006, p.263), o ponto de partida desse estudo era compreender e interpretar a “contribuição do escravo e do ex-escravo para a formação do caráter nacional brasileiro”. Os

dados, auferidos nos estudos das relações entre os grupos raciais, possibilitariam a realização de um estudo comparativo com outros países, especialmente com os Estados Unidos, lócus em que o conflito racial é visto como um problema político assaz agudo.

Sendo assim, a reflexão acadêmica a respeito da questão racial voltada para dentro do pais e comprometida com a questão nacional, mudaria o seu posicionamento a partir da inserção da pesquisa em um âmbito internacional. Nessa nova conjuntura, os pesquisadores principiaram a recorrer a novas referências epistemológicas em relação ao processo de constituição do Outro. Hofbauer (2006, p.263), perante esse novo contexto, pontua que

Nas diferentes variações do ideal do branqueamento que visavam a formação do Brasil, o “Outro” era sempre, de uma forma ou de outra, passível de ser transformado “em um de nós” – seja em termos religiosos, biológicos ou culturais. Agora, o interesse por diferenças experimentadas pelas várias partes da nação induzia os cientistas a conceber os grupos (ou indivíduos) pesquisados mais como entidades isoladas e intransformáveis: não resta dúvida de que medir ou refletir sobre diferenças entre dois corpos estáticos é mais fácil que entre corpos que se encontram em constante mutação e cujos limites não estão claramente definidos. Pode-se notar que, a partir dos anos de 1950, em muitas das pesquisas sobre a questão, os cientistas criaram “tipologias étnico-raciais.

Os pesquisadores desse contexto tinham como diretriz as premissas, divulgadas pelas declarações da Unesco, as quais conceituavam raça como dado genético, logo, ‘raça’ e ‘negro´ (ou ‘branco’ ou ‘amarelo’) eram vistos, em um primeiro momento, como fatos objetivos que independem da existência de concepções ideológicas, desenvolvidas ao longa da trajetória da espécie humana, que descrevem e embasam a justificativa de fronteiras entre os seres humanos. A Unesco, para dar continuidade ao seu projeto, contemplou, inicialmente, como objeto de pesquisa o Estado da Bahia, especificamente Salvador, visto que era considerada um perfeito

73 de relações raciais harmoniosas. Para lograr êxito nessa empreitada, as investigações tiveram como ponto inicial o convênio entre a Universidade Columbia e o Estado da Bahia e divisão da pesquisa em duas temáticas: a primeira relacionada aos estudos rurais, conduzidos por Charles Wagley; a segunda, à situação racial na capital baiana, liderada por Thales Azevedo (deve-se frisar que ambos eram influenciados pela perspectiva teórica de Donald Pierson).

Dessa forma, Thales de Azevedo, de acordo com Arquivo da Unesco- texto datado de 31/07/1950 (apud MAIO 1997, p.240), assumiu as seguintes hipóteses que guiariam o desenvolvimento de sua pesquisa empírica:

(1) no Brasil existe pouco preconceito de cor e na Bahia ainda menos e

(2) o preconceito de classe é mais forte do que o de cor, e por tudo isso, a linha de cor não é um obstáculo instransponível no processo de mobilização vertical na Bahia.

Observa-se que Azevedo (1966, p.134) refuta a perceber os negros e os brancos como “grupos fechados e autodelimitados”. De acordo com Hofbauer (2006, p.266), Azevedo “percebe uma correlação entre status e cor e descreve o branqueamento como um fenômeno fundamentalmente social”, esta assertiva e corroborada com as ponderações de Azevedo (1966, p.75) “boas maneiras e sobretudo boas relações pessoais com famílias influentes podem transformar um mulato claro numa pessoa socialmente branca”. E enfatiza que “para adquirir status, o escuro necessita assimilar-se cultural e socialmente ao branco adotando a sua epiderme social”. (AZEVEDO 1966, p.77). Por fim, Hofbauer (2006, p.267) alerta-nos acerca da análise desenvolvida por Azevedo ponderando que

As análises de Azevedo, que enfatizavam a possibilidade de branqueamento, diferenciaram-se substancialmente das conclusões tiradas pelos colegas no Sudeste do país. De um lado, explica-se essa diferença pelas características do espaço social urbano de Salvador, que ainda tinha sofrido poucas transformações em decorrência do processo de industrialização – diferentemente do Sudeste do país, onde a presença da indústria contribuía para formalizar as relações sociais.

E complementa que

De outro lado, nota-se que Azevedo preocupava-se, em primeiro lugar, com o estudo da dinâmica social da ascensão social, fato que pode explicar, até certo ponto, por que rejeitou concepções essencializadas de branco e negro como aquelas presentes nos estudos desenvolvidos pelos pesquisadores da Unesco em São Paulo.

A outra vertente, liderada por Charles Wagley e seus discípulos Harry W. Hutchinson, Marvin Harris e Ben Zimmerman focaram como objeto de investigação as regiões rurais em distintas parte do Brasil: Amazônia, Recôncavo baiano, Minas Gerais e Sertão Baiano. Tais cientistas asseveram a existência de três grupos raciais, porém, concomitantemente,

74 demonstraram interesse em estudar e refletir sobre as ‘definições sociais de raça’. Nesse contexto Wagley (1952, p.04) cunha o termo ‘social race’ com o intuito de destacar o uso não de forma estrita ao aspecto biológico do conceito de raça na realidade da sociedade brasileira ao asseverar que “through this report, then we are interested in social definitions of ‘race’ and of ‘classes’, and in their effects upon the life of the people of the communities studied, while exact physical classification is of little interest for our purposes”9.

Ao comparar a situação racial, vivenciada no Recôncavo baiano, com as relações raciais nos Estados Unidos, Hutchinson (1952, p.27) observa que nos Estados Unidos há uma “ linha absoluta” que separa o branco de negro, no Brasil, em suas palavras, “esta linha é mais percebida do que desenhada” . Hofbauer (2006, p.267) pondera que

Diferentemente de muitos cientistas brasileiros da época (sobretudo aqueles ligados à sociologia paulista), todos os participantes dessa pesquisa desenvolveram uma notável sensibilidade em relação aos diferentes termos usados para designar diferenças de cor de pele e de tipos físicos. Eles não apenas registraram a grande quantidade de termos existentes, mas procuraram interpretar também seu conteúdo semântico e seu uso segundo contextos sociais. Uma vez que não se propuseram a inserir os dados levantados numa reflexão histórica e teórica mais ampla sobre a sociedade brasileira, os autores ‘recaíam’ muitas vezes em elaborações tipológicas bastantes sofisticadas. Ou seja, para fugir do conteúdo ‘biologizado’ de raça, os autores criaram classificações do fenótipo, que se revelaram, porém, construções conceituais mais ou menos ‘naturalizadas’ e essencializadas.

Dando continuidade ao raciocínio de Hofbauer (2006), Harris e Kotak (1963, pp. 204/205) asseveram que “o uso de termos raciais varia de indivíduo para indivíduo, de lugar para lugar, de tempo para tempo, de teste para teste, de observador paraobservador”.Deve-se ressaltar que, ao longo da pesquisa proposta pela Unesco, os pesquisadores depreenderam que existe um preconceito latente, mesmo nas esferas sociais mais baixas, que é ativado, segundo Wagley (1952, p.149), “quando surgem competições por posições mais altas na hierarquia social”. De qualquer forma, pode-se notar que os cientistas americanos consideram a situação racial da sociedade brasileira distinta da conjuntura e dos problemas que emergem na sociedade estadunidense e, assim, propugnam que o Brasil desconhece as fronteiras e barreiras raciais, e além disso, prognosticaram um devir promissor para imbróglio da questão racial no Brasil: “o progresso econômico deve futuramente diminuir as diferenças sociais e econômicas entre brancos e negros. (WAGLEY 1952, pp.154/155).

Situa-se, neste momento da trajetória da segunda geração de intelectuais que discute a questão racial no século XIX, as novas interpretações sobre assunto por meio de dois

9 Tradução livre: Por meio deste relatório, estamos interessados na definição social de raça e de classe e seus efeitos sobre as vidas das pessoas

75 proeminentes intelectuais Roger Bastide e Florestan Fernandes que, segundo Hofbauer (2006, p.271),“ estavam diretamente relacionadas com a tendência de os autores atribuírem ao ‘Outro’ uma essência própria”. Bastide e Fernandes (1951, 46) reforçam que a ‘raça negra’ deve ser compreendida como “um conceito social e convencional e não biológico” e agregam a esse conceito ao fato de que a dimensão social desse conceito ainda não tinha sido determinado no Brasil.

Em relação ao projeto da Unesco, ambos questionaram a ideia disseminada na sociedade brasileira que não existia ‘preconceito de cor’ e criticaram Donald Pierson por não ter distinguido de forma satisfatória os conceitos entre ‘preconceito de classe’ e preconceito racial’. Deve-se pontuar que, embora tivessem preocupados com os riscos que suscitavam a reificações dos conceitos, tanto Bastide quanto Fernandes alicerçaram suas análises em uma concepção da história do Brasil a qual dividia a sociedade em dois polos : escravista versus senhores, branco versus negros, livres versus cativos, tal dicotomia representava, segundo Fernandes (1971, p.103), “ dois mundos cultural e socialmente separados, antagônicos e irredutíveis um ao outro”, apesar de aceitar certa mobilidade entre os grupos. Enfatiza-se que os autores (Bastide e Florestan), conforme Hofbauer (2006, p.274), “não tratam o “preconceito racial” como uma construção ideológica stricto sensu” já que

Não investem numa reflexão a respeito do ideário que compõe o preconceito nem se dedicam a uma análise histórica dos discursos discriminatórios no Brasil. Ambos os cientistas fazem comentários sobre a força do preconceito, mas sem aprofundar a reflexão teórica sobre o fenômeno em si, aparentemente porque o relacionam diretamente com um modo de produção específico que julgavam arcaico e decadente.

Por outro lado, Oracy Nogueira (1917 - 1996), responsável, no projeto da Unesco, pela tarefa de elaborar um estudo o interior do estado de São Paulo, especificamente, Itapetininga, constrói uma tipologia de preconceitos que caracteriza as distinções entre as discriminações raciais entre o Brasil e os Estados Unidos e postula que no Brasil há um preconceito de marca que está atrelado à aparência, aos traços físicos, aos gestos e ao sotaque que determina, segundo Nogueira (1985, p.79), “preterição e impõe uma ideologia assimilacionista”, e tende ser uma reação individual que impele o afro-brasileiro a lutar individualmente pela ascensão, ao passo que nos Estados Unidos o preconceito de origem, embasado em leis segregacionistas, teria o foco à exclusão incondicional de grupos de descendência, no entanto, nas palavras de Nogueira (IBIDEM), “a situação segregacionista propiciaria reações coletiva e geraria ódio e antagonismos recíprocos”. Ademais, alerta-nos que o preconceito de marca é indefinido e por

76 isso pode variar de acordo com o contexto e os indivíduos envolvidos e, em contrapartida, o preconceito de origem delimita rigidamente o sujeito a ser discriminado.

Nesse percurso da segunda geração de intelectuais, chamo a atenção de meu coenunciador a respeito da relevância de situar as convergências e as divergências entre dois proeminentes intelectuais: Gilberto Freyre e Florestan Fernandes para que se possa compreender como discurso destes intelectuais permeia nossa vida prosaica na sociedade brasileira do século XXI e ainda engendra inquietações ao discutirmos o assunto. O ponto de convergência entre ambos é conferir a experiência da escravidão na determinação da situação racial do Brasil atual, porém, segundo Andrews (1998, p.31), “diferem por completo sobre a natureza do impacto da escravidão. O segundo ponto está atrelado à consciência da brutalidade e da crueldade associadas à instituição(escravidão): Freyre assevera que a escravidão havia tido uma influência positiva acerca do desenvolvimento social e cultural brasileiro; Fernandes, uma influência destrutiva para a sociedade como um todo, logo, impossibilitando as suas vítimas usufruir os direitos e liberdades humanos, mutilando os afro-brasileiros como povo, despojando os completamente de sua capacidade laborativa para competir com o brancos, no século XX, por empregos, por educação e por sustento. Em vista disso, Andrews (1998, p.30) pondera que “em consequência disso, longe de lhes dar o direito aos frutos decorrentes da sua participação como membros de uma democracia racial, após a emancipação o legado da escravidão continuaria a marginalizar e excluir os afro-brasileiros por meio de fatores duais de sua própria incapacidade e da hostilidade e do preconceito dos brancos”.

Perante essa circunstância, Florestan acreditava que o progresso capitalista e a revolução burguesa do século XX poderiam metamorfosear a sociedade brasileira, apagando, de forma gradual, o legado da raça branca. Tal tese é criticada por Hall (1975, p.395), ao dizer que a mão de obra, oriunda da política de imigração, “pareciam não ter nenhuma experiência industrial ou urbana anterior” e salienta que “embora alguns artesãos e outros trabalhadores sem dúvida tivessem ido para São Paulo, essa imigração não foi estimulada, e parece bem evidente que a esmagadora maioria da força de trabalho era composta de homens e de mulheres das áreas rurais do sul da Europa”. Dando continuidade a crítica a tese de Florestan Fernandes, Andrews (1998, p.125) assevera que

[...] as razões para o deslocamento da mão-de-obra negra não podem ser encontradas nos níveis diferentes de habilidade. Talvez sejam encontradas no meio social anômico que a população negra supostamente criou para si, e ao qual Fernandes dedicou muita atenção. Estrutura familiar fragmentada, alcoolismo, crime, obsessão com o sexo – todas essas características combinadas para encerrar a comunidade negra em um estado de anomia e de patologia social, as quais quando acrescentadas aos baixos níveis de capacitação e aversão ao trabalho que eram sua herança da escravidão,

77

eliminaram qualquer esperança que os afro-brasileiros puderam ter tido de competir com êxito por empregos e oportunidades na economia em expansão de São Paulo

E complementa que

A ausência de evidências documentadas que os imigrantes possuíam claras vantagens sobre os negros em termos de habilidades no trabalho ou na observância das normas sociais convencionais, a tese de Fernandes, em sua forma original, é impossível de sustentar. Entretanto, além de sua ênfase na incapacidade dos negros, a tese aponta para alguns fatores adicionais que podem ser úteis para explicar a marginalização da população negra de São Paulo. (ANDREWS 1998, pp.133/134)

Já Gilberto Freyre logrou êxito em sua empreitada na construção da valoração da instituição escravidão, essa assertiva é corroborada por meio das asserções de Telles (IBIDEM, p.45) a qual postula que

Freyre argumentou que o Brasil era o único dentre as sociedades ocidentais por sua fusão serena dos povos e culturas europeias, indígenas e africanas. Assim, ele sustentava que a sociedade brasileira estava livre do racismo que afligia o resto do mundo. A noção de que o sistema escravagista e as relações raciais tinham sido mais benignos no Brasil do que nos Estados Unidos já era aceita, entretanto, Freyre transformou tal contraste num aspecto central do nacionalismo brasileiro, conferindo- lhe um status científico, literário e cultural que duraria pelos menos até a década de 1980.

Bastos (2001, p.33) ressalta que

Freyre havia recuperado, inventado e elevado de forma elegante a tradição e os valores regionais nordestinos ao patamar de tradições verdadeiramente brasileiras, numa sociedade que normalmente reproduzia e valorizava as culturas europeias e norte- americana. As ideias de Freyre sofre fusão racial e cultural, radicais e novas, eram