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Brasil: As inúmeras (re) formulações da ideologia do embranquecimento

1.2. Relações raciais no Brasil

1.2.1 Brasil: As inúmeras (re) formulações da ideologia do embranquecimento

Não caçamos pretos, no meio da rua, a pauladas, como nos Estados Unidos. Mas fazemos o que talvez seja pior. A vida do preto brasileiro é toda tecida de humilhações. Nós tratamos com uma cordialidade que é o disfarce pusilânime de um desprezo que fermenta em nós dia e noite. NELSON RODRIGUES

Essa pseudo rubrica da cordialidade entre as raças negra versus branca na sociedade brasileira contemporânea é oriunda de um contexto histórico, que demarca ao longo de sua trajetória/cronologia dos fatos a relevância da cor e da raça no processo histórico da constituição da sociedade brasileira. Nessa cronologia, Andrews (1998, pp.15/16) pondera que o estádio inicial principiou

Com a escravidão negra, passou pelo sonho nacional de europeização e branqueamento na virada do século XX para chegar aos anos 1930 àquele outro sonho nacional, bem mais progressista, da democracia racial, a raça sempre teve um papel central nas tentativas de formar e definir o Brasil como uma sociedade e uma nação.

E argumenta que a escravidão foi

[..] tão disseminada no Brasil durante o período colonial e o século XIX e esteve tão presente no cerne da sociedade e da economia anteriores a 1888, que teve um impacto ainda maior na conformação do Brasil moderno e nos problemas que esse país enfrenta do que aconteceu nos Estados Unidos. A escravidão esteve em vigor no Brasil durante cento e cinquenta anos antes de se tornar um componente importante da sociedade e da economia norte-americana, e só foi abolida vinte e cinco anos depois da emancipação nos Estados Unidos; no decorrer da existência da escravidão, foi importado para o Brasil um número de africanos nove a doze vezes maior que aquele importado para os Estados Unidos; e no momento de suas respectivas independências, a proporção de escravos na população do Brasil era mais que o dobro da proporção de escravos na população norte-americana. (ANDREWS 1998, pp.25/26)

Deve-se agregar o fato de que a escravidão foi uma instituição legitima, em outras palavras, possuía a legalidade que possibilitava atuar nos campos social e econômico exercendo um papel de extrema relevância, visto que intelectuais experimentados como Gilberto Freyre e Florestan Fernandes convergem em suas respectivas abordagens ao conferir a experiência da escravidão na determinação das relações raciais no Estado brasileiro. Contudo, esse era o único quesito que os intelectuais convergiam, uma vez que Gilberto Freyre, a despeito de ter anuência da brutalidade e da crueldade atreladas à escravidão, apresentava aos seus leitores, de forma peculiar, a influência positiva das instituições sobre o processo de desenvolvimento no âmbito social e cultural; em contraste, Florestan Fernandes pondera acerca da instituição o seu aspecto

43 destrutivo que abarcava tanto vítimas imediatas como o devir da sociedade brasileira como um todo.

Nota-se, ao longo da história, que o Brasil subjugou e escravizou mais africanos do que qualquer nação americana e, além disso, ter sido o último país do mundo cristão a acabar com a escravidão em 1888. De acordo com Andrews (1998, p.22), entre 1900 e 1950 o Brasil “cultivou com sucesso uma imagem de si mesmo como a primeira “democracia racial” no mundo, uma terra em que negros e brancos conviviam harmonicamente sob condições de quase completa igualdade”. Tal imagem foi questionada, em 1950, por pesquisadores patrocinados pela UNESCO, os quais buscavam explicação acerca do fenômeno o qual cognominavam o idílio racial no Brasil, neste processo, documentaram “em vez disso uma forte desigualdade racial e uma ampla difusão de atitudes e estereótipos antinegros”. (ANDREWS IBIDEM)

Andrews (1998, pp.27/28) chama-nos a atenção que o período pós emancipação

Suscita o risco de se considerar a escravidão como o determinante primário das relações raciais atuais: a tentação de simplesmente extrapolar a sua história adiante no tempo para explicar os desenvolvimentos do século XX, sem levar em conta as maneiras como as novas condições históricas alteraram e transformaram a herança da escravidão. Os perigos de uma tentação desse tipo estão particularmente evidentes na obra do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987), em geral considerado o responsável pela criação do conceito de democracia racial.

Sendo ciente das imbricações que o conceito da democracia racial engendrou em termos simbólicos, visto que a cor e a raça funcionam como símbolos que perpassam por uma valoração de sentidos que impelem a recusa ou a aceitação de formas de convivência entre os grupos, determinando condutas, valores que influenciam na constituição do ethos do indivíduo inserido na sociedade. Tal assertiva é corroborada nas palavras de Andrews (1998, p.19) que pondera que os símbolos (cor pele e raça) são “semelhantes aos outros símbolos nacionais, que durante quase toda a história brasileira foram sempre orientados à aceitação e justificação ou à negação, das enormes desigualdades da sociedade brasileira”. Por conseguinte, para lograr êxito na abordagem das inúmeras (re) formulações da ideologia do embranquecimento, será delimitado nosso percurso histórico e antropológico por meio de uma perspectiva política, econômica, social e cultura a partir de uma breve abordagem acerca do embate de emancipação dos escravos (1800-1890) para posteriormente abordar os seguintes períodos de transição: a partir da república oligárquica (1891 -1930), da ditadura corporativista (1937-1945) para república

populista (1946-1964), ditadura militar (1964-1985) para a Terceira República –

democratização da política brasileira-, com o intuito de observar o regime político e seu impacto, de forma imediata, sobre a conduta pelas quais os afro-brasileiros organizam-se e

44 pressionam por mudanças políticas, e, ademais, como tais políticas influenciam na formação da identidade negra nesse processo de repetidas transições governamentais que o Estado brasileiro sofre após cada mudança de regime político.