• Nenhum resultado encontrado

1.2. Relações raciais no Brasil

1.2.2 O embate pela emancipação

A consolidação da autoridade monárquica em 1850 coincidiu com o primeiro passo na destruição da escravidão brasileira: o fim efetivo do tráfico escravo atlântico para o Brasil. O tratado antiescravo com a Grã-Bretanha, datado de 1831, jamais foi cumprido pelo governo, sendo flagrantemente neglicenciado tanto por compradores quanto por vendedores. Na verdade, entre 1845 e 1850, o tráfico de escravos atingiu seu ponto culminante, com média de 55 mil africanos chegando por ano ao pais”. (ANDREWS 1998, p.63)

A efetividade da lei de 1850, conhecida pelo nome do Ministro da Justiça Eusébio de Queiroz Coutinho Matoso, foi oriunda de uma pressão externa (Inglaterra) e também houve algum apoio/respaldo dentro do pais. Bethell (1970, pp.388/393), ressalta que “as importações de escravos caíram drasticamente – 1850: 22.856; 1851: 3.287; 1852: 800 – e praticamente cessaram a partir de 1853”. Esses dados estão atrelados ao corte da fonte laboral de abastecimento que gerou o aumento do preço dos escravos no mercado interno. Segundo Hofbauer (2006, p.190), a fazenda, nessa conjuntura, “como entidade de produção foi posta radicalmente em questão”. E complementa que “o fim do tráfico internacional impôs o primeiro marco histórico no sentido de limitar a quantidade de escravos disponível” e, além disso, foi um momento psicológico relevante, uma vez que fomentou a postura dos opositores do sistema escravista, que principiaram a se aglutinar nas primeira organizações abolicionistas:“ Sociedade Contra o Tráfico de Africanos e Promotora da Colonização dos indígenas”. (cf. E.V COSTA, 1989, p.368)

Por outro lado, o fim tráfico representou um estratagema para repelir, segundo Andrews (1998, p.64),“a invasão do Brasil tanto por escravos africanos quanto por cruzadores britânicos” e com a finalidade de auferir êxito o Conselho de Estado do imperador propôs o término do tráfico de escravos, que foi prontamente aprovado pela câmara dos deputados e pelo senado. Pontua-se que o fim do tráfico de escravos foi o primeiro passo em direção à eliminação da escravidão, concomitante ao fim do tráfico temos a proposta de Visconde do Rio Branco a Lei do Ventre Livre (1871) que, conforme Carvalho (1988, p.70), não só “representou a primeira intromissão do Estado nas relações senhor-escravo”, mas também, de acordo com Costa (1989, p.408), “garantiu-se uma quantia de 600$000 para crianças escravas alforriadas até os oito anos de idade”. Não obstante, ao analisar o processo histórico, foi observado que a maior parte dos

45 senhores optou pela renúncia à indenização e assim usufruir a força laboral escrava até os vinte e um anos de idade.

Costa (1989, p.414) salienta que desde a promulgação da lei do Ventre Livre (1871) até 1879 “os senhores de escravos concederam mais de 25 mil “cartas de alforria”, por ação particular”. No entanto, vários senhores criaram obstáculos para o registro de seus respectivos escravos a fim de que não pudesse ser feita a libertação por intermédio do fundo, criado para emancipação que, nessa conjuntura, tinha alforriado somente 4.438. Pode-se asseverar que tal

comportamento era, conforme Hofbauer (2006, p.191), “uma forma de os senhores

demonstrarem sua resistência contra a burocratização das relações políticas e sociais, a qual, implicitamente, para eles, significava perda de poder”. E frisa que “embora a Lei do Ventre Livre tenha deixado uma brecha para prolongar o serviço escravo, ela abalou a mentalidade escravista porque impôs um prazo final”. (HOFBAUER IBIDEM)

Em 1880, Joaquim Nabuco, fundador da Sociedade Brasileira contra a Escravidão, a qual desempenhou um papel imprescindível em relação à articulação política da luta pelo término da escravidão. E, no território brasileiro, constituíram-se núcleos e pequenas entidades com objetivos paralelos: jornais abolicionistas ou a Confederação abolicionista entre outras as quais se empenharam na importação de força laboral escrava europeia. Em 1882, Nabuco, derrotado nas eleições, exilou-se em Londres, lócus em que redigiu O abolicionismo (1883) – obra que deveria ser um manifesto em prol dos objetivos políticos antiescravistas, no entanto, nota-se em seus projetos político e econômico para o Brasil o paradigma da indústria inglesa:

Escravidão e indústria são termos que se excluíram sempre como escravidão e colonização. O espírito da primeira espalhando-se por um país, mata cada uma das faculdades humanas, de que provém a indústria: a iniciativa, a invenção, a energia individual; e cada um dos elementos de que ela precisa: a associação de capitais, a abundância de trabalho, a educação técnica dos operários, a confiança no futuro. (NABUCO 1988, p.179)

De acordo com Nabuco (1988, p.111), a escravidão era um obstáculo ao processo de modernização nos moldes do modelo liberal, e argumenta que “a escravidão pertence ao número das instituições fósseis, e só existe em nosso período social n´uma porção retardatária do globo {..} a escravidão não pertence naturalmente ao estádio a que já chegou o homem”. Segundo Hofbauer (2006, p.195), Nabuco “foi um dos primeiros intelectuais do Brasil que muito antes de Gilberto Freyre já falava de uma convivência relativamente harmoniosa entre brancos e negros”, tal assertiva é ratificada com o excerto da obra de Nabuco (1988, p.23) ao ponderar que existiam conflitos de interesses entre as diferentes esferas sociais, mas não, como nos Estados Unidos “ um preconceito social contra cuja obstinação pouco pode o caráter, o talento

46 e o mérito de quem incorre n´elle” e elucida que “a escravidão, por felicidade nossa, não azedou nunca a alma do escravo contra o senhor, falando coletivamente, nem criou entre as duas raças o ódio recíproco que existe naturalmente entre opressores e oprimidos”. (IBIDEM, p. 22)

Nabuco (1988), por meio dessa análise acerca das relações raciais no Brasil, almejou atingir dois objetivos: o primeiro atrelado ao poder político com a tentativa de amenizar o medo de os grandes fazendeiros possuíam em relação a possíveis revoltas dos escravos caso lograssem êxito na conquista da liberdade; o segundo, buscava justificar sua articulação política de forma legalista e econômica. Desse modo, para Nabuco, a assimetria entre as relações entre branco e negro circunscrevia-se à relação de produção ditas “atrasadas” e ressaltava que um mero decreto poderia solucioná-la. Perante isso, Nabuco (IBIDEM, p. 26) propugna que “a emancipação há de ser feita entre nós por uma lei que tenha requisitos externos e internos de todas as outras. É assim no Parlamento e não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças das cidades, que se há de ganhar ou perder a causa da liberdade”.

Deve-se pontuar que os interlocutores de Nabuco eram políticos e senhores influentes os quais pretendiam persuadir de que “o trabalho livre é mais econômico, mas inteligente”. Nabuco (1988) faz questão de ressaltar que “a propaganda abolicionista [...] não se dirige a escravos” e complementa ponderando que seu programa não há reflexões acerca do devir dos afro-brasileiros que seriam libertados. (IBIDEM, pp.25/26). Nabuco (1988), no transcorrer de sua obra, evidencia que a valoração pejorativa ao negro não está relacionada à raça negra, mas sim a uma raça reduzida ao cativeiro. E além disso, “as várias influências da escravidão podem ser atribuídas à raça negra, ao seu desenvolvimento mental atrasado, aos seus instintos bárbaros ainda, as suas superstições grosseiras”. (IBIDEM, p.21)

Hofbauer (2006, p.196) pondera que a ideia de raça, utilizada por Nabuco, apresenta

Um teor biologizante e transforma-se em “fator causal” primordial dos problemas econômico e social, por exemplo, quando o autor descrever a alta proliferação da população escrava com a “primeira vingança das vítimas”: [..] e assim os vícios do sangue Africano acabavam por entrar na circulação geral do país

E complementa que

Mesmo assim, o pensamento desse intelectual fomentava igualmente o ideário de branqueamento, uma vez que Nabuco apostava, além de um “melhoramento racial” via cruzamento inter-racial, em processos de adaptações geográfica e climática. Opondo-se à ideia segundo a qual “a raça branca não se pode adaptar aos trópicos” e “o desenvolvimento vigoroso dos mestiços há por fim sobrepujá-lo e contra argumenta “mas nada estás menos provado do que essa incapacidade orgânica da raça branca para existir e prosperar em uma zona inteira da terra.

47 Logo, pode-se afirmar que Nabuco via no processo de miscigenação das raças uma saída para o futuro do Brasil, ao dizer que “no futuro, só uma operação nos poderá salvar – à custa da nossa identidade nacional, isto é, a transfusão do sangue puro e oxigenado de uma raça livre” (IBIDEM, p.06). Seguindo essa premissa, o tão sonhado progresso só poderia ser atingido por intermédio da imigração de mão de obra, oriunda dos países europeus. Nabuco (IBIDEM, p.252) corrobora essa assertiva ao postular que “um país onde todos sejam livres; onde, atraída pela fraqueza das nossas instituições e pela liberalidade do nosso “regimen”, a imigração Europeia traga sem cessar para os trópicos uma corrente de sangue Caucásio vivaz, enérgico e sadio, que possamos absorver sem perigo”. Tal fato justifica o empenho de Nabuco na propaganda de projetos imigratórios: Exposição Mundial em Paris- um ano após a abolição. No próximo subitem, discutiremos a imagem do afro-brasileiro após o processo de abolição na sociedade brasileira no final do século XIX.