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1.3 Repensando as relações raciais no cenário brasileiro (1985 )

1.3.1 Classificação Racial

A categoria negra no Brasil é frequentemente evasiva permitindo, por um lado, contornar o estigma social e, por outro, a manipulação política que repele importantes distinções sociais por raça. (TELLES 2003, p.08)

A cor, no território brasileiro, corresponde ao termo ‘race’ e é utilizado para expressar uma aglutinação de características fenotípicas: a cor da pele, o tipo de cabelo, a forma do nariz e dos lábios que possuem uma valoração negativa nas relações intersubjetivas no dia a dia do afro-brasileiro. No Brasil, conforme Telles (2003, p.104), “dá-se preferência ao termo cor porque este capta a ideia de continuidade entre as categorias de raça que se sobrepõem”. E ressalta que

[..] de forma semelhante, a ideia essencialista de que cada indivíduo pertence a um grupo racial é menos comum no Brasil do que nos Estados Unidos. Isso principalmente por causa da ideologia do branqueamento no Brasil, permitiu uma flexibilidade significativa na classificação racial. No entanto, tal como o termo raça, a cor de uma pessoa no Brasil normalmente carrega conotações sobre o valor e o status comuns à ideologias raciais em outras partes do mundo. (TELLES 2003, p.104)

Em oposição à sociedade brasileira, outras sociedades onde as ideologias tiveram um respaldo legal: África do Sul e dos Estados Unidos durante os respectivos períodos do apartheid e de Jim Crow, observam-se que o aparato legal outorgava um sistema de classificação racial específico com o propósito de reduzir ou eliminar as incertezas. Davis (1991) descreveu que a segregação racial nos Estados Unidos conduziu a adotar um regime de descendência mínima (‘hypo-descent’) ou de uma gota de sangue (‘one drop’) para determinar e classificar quem era negro ou não, sendo assim, elimina-se a tradição de alguns Estados que legitimavam/reconheciam a categoria mulatos. Telles (2003, p.105) alerta-nos ao fato de que

Dependendo do Estado, os negros eram definidos judicialmente como aqueles que tinham pelo menos um oitavo, um dezesseis ou um trinta e dois avos de descendência africana, ou seja, determinava que todas as pessoas de mistura racial com mínima mescla africana fossem classificadas como negras. Embora essas leis tenham sido abolidas nos anos de 1960, o regime de ascendência mínima continua influenciando na classificação dos ‘negros’ nos Estados Unidos. (TELLES 2003, p.105)

85 Já os sul-africanos adotaram o regime de classificação racial para o regime apartheid o que combinava dois critérios: ascendência e de aparência. Deve-se pontuar que apesar de a África do Sul e os Estados Unidos distinguir em termos de classificação racial, ambos creem que suas classificações singulares de raça representam uma cisão essencial ou natural da espécie humana. Tal distinção é essencial para compreender que, no período após abolição, não houve, na História brasileira, leis que determinassem o pertencimento ou não um grupo racial, uma vez que a elite brasileira empenhou-se em promover o branqueamento por intermédio da miscigenação, ao invés da segregação racial, desta forma, tornou-se desnecessária as regras formais de classificação racial. Telles (2003, p.105) salienta que “o Brasil não possuía nenhuma tradição de controle de ascendência, o que pode ter impedido a vontade das elites de impor um regime como o de descendência mínima” e finalizada asseverando que o resultado dessa processo tornou a “classificação racial completamente ambígua e mais fluida do que naqueles países com tradição de segregação legal”.

Sansone (1997) observou que a classificação racial de uma pessoa no território brasileiro corresponde, atualmente, há três sistemas de classificação racial no Brasil para caracterizar e enquadrar a grande maioria do contingente dos cidadãos brasileiros, nas palavras de Telles (2003, p. 106), “de um continuum de cores do branco ao negro, sendo que cada sistema possui um conjunto de categorias que variam em um número e grau de ambiguidade”. Seguem os sistemas abaixo:

a) os censos com suas três categorias (branco, pardo e preto) ao longo de um continuum; b) o discurso popular que utiliza categorias múltiplas, inclusive o termo especialmente ambíguo moreno e

c) o sistema do movimento negro, cada vez mais adotado, que geralmente usa os termos branco e negro.

O termo moreno exerce um papel imprescindível no processo classificatório brasileiro, devido a sua ambiguidade e à propensão a subestimar as distinções raciais salientando uma brasilidade em comum. Gilberto Freyre propugnava que o termo moreno simbolizava a fusão de negros, de indígenas e europeus em uma ‘meta-raça’ única e brasileira, tornando como Maggie (1991) observou uma categoria racial ‘par excellence’, já que possibilitava a discussão de raça por meio da inclusão, revertendo a oposição e assim prescindindo da discussão e da elaboração de leis para aplicabilidade das cotas raciais.

Embora haja uma multiplicidade de termos classificatórios, ativistas do movimento negro, desde a década de 1930, fizeram do termo negro, segundo Telles (2003, p.110),“um

86 categoria política com sentido diferente ao seu uso popular”. E enfatiza que “ao contrário do termo moreno, que representa uma tradição brasileira de universalismo por meio da ambiguidade racial, o termo negro no seu sentido moderno é empregado por aqueles que buscam diminuir a ambiguidade e desestigmatizar a negritude”. (TELLES IBIDEM)

Por outro lado, o sistema autoclassificatório, adotado pelo Brasil, pode engendrar a refutação ou a aceitação de símbolos, de tradições e de estilos de vida atrelados a determinadas categorias. No Brasil, isso significa, de acordo com Telles (2003, p.114), “evitar as categorias e não-brancos, especialmente a de preto, porque essas são frequentemente associadas a características negativas tais como pobreza, preguiça e violência”. Para encerrar, pode-se depreender que, no Brasil, não existe no processo classificatório um limite de ‘linha de cor’, mas uma grande área cinza ou marrom, e além disso, segundo Telles (2003, p.132), a raça, no Brasil, “é um conceito ambíguo, situacional, inconsistente e relacional”.

No próximo subitem, abordar-se-á relevância das diferenças regionais no processo tanto de classificação racial como identitário.

1.3.1.2 Diferenças regionais

É necessário atentar para as diferenças regionais antes de se promoverem uma generalização a partir de dados de natureza local, no intuito de descrever as relações raciais no Brasil. (TELLES 2003, p.36)

As disparidades regionais são fundamentais para a compreensão da sociedade brasileira. Tendo ciência desse postulado, analisar-se-ão as macrorregiões do Estado brasileiro: Sul e Sudeste, Norte e Nordeste, estas notam-se, em sua descrição na memória social do país, regiões marcadas pelas diferenças de status e por um sistema de casta, oriundo da escravidão, porém, não auferiram êxito em seu processo de mudanças por meio da industrialização ou imigração; aquelas, possuem a rubrica da maciça imigração europeia, industrialização e urbanização. Telles (2003) ressalta que tais diferenças influenciaram as pesquisas dos intelectuais da primeira e segunda geração acerca das questões raciais e corrobora sua assertiva ao postular que

Os estudos clássicos das relações raciais no Brasil enfocavam quase que exclusivamente as regiões situadas na metade norte do Brasil. As conclusões sobre essa região eram frequentemente generalizadas para o resto do país e isso talvez possa em parte explicar a divergência nas conclusões relativas à raça no Brasil. Por exemplo, a importância dada a miscigenação na interpretação acadêmica da raça no Brasil parece variar segundo a região. (TELLES 2003, p.37)

87 E argumenta que

Nos anos de 1930, Gilberto Freyre (1937:1986) reduziu a sociedade brasileira à família patriarcal da região Nordeste, a qual ele descreve como sendo o berço da civilização brasileira e onde a miscigenação encontra sua maior expressão. Nos anos de 1950 e 1960, pesquisadores norte-americanos que estudavam a raça no Brasil também enfocaram as regiões do norte e, exemplo de Freyre, notaram que ali altas taxas de fluidez racial, especialmente quando comparada aos Estados Unidos. Ao contrário, seus contemporâneos brasileiros, como Florestan Fernandes, concentram seus estudos nas regiões Sul, predominantemente branca e enfatizaram a discriminação racial e a desigualdade, geralmente negligenciando a questão da miscigenação. (IBIDEM, p.38)

Essa distinção é relevante apresentá-la ao meu coenunciador para que compreenda a multiplicidade de fatores envolvidos na temática racismo à brasileira a qual permeia todas as esferas da sociedade brasileira em nosso cotidiano e para que não venha supor ou asseverar qualquer posicionamento, sem ao menos atentar as diferenças regionais e sua historicidade, visto que somos seres sócio-históricos.

Situo o meu coenunciador que, na segunda parte do capítulo I, será abordado as relações raciais nos Estados Unidos.

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Parte II

RELAÇÕES RACIAIS NOS ESTADOS UNIDOS

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