• Nenhum resultado encontrado

PROPOSTA DE MODELO NETNOGRÁFICO COMO MÉTODO DE PESQUISA DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "PROPOSTA DE MODELO NETNOGRÁFICO COMO MÉTODO DE PESQUISA DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS"

Copied!
294
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

VAGNER APARECIDO DE MOURA

PROPOSTA DE MODELO NETNOGRÁFICO COMO MÉTODO DE

PESQUISA

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

VAGNER APARECIDO DE MOURA

PROPOSTA DE MODELO NETNOGRÁFICO COMO MÉTODO DE

PESQUISA

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais, sob a orientação da Professora Doutora Teresinha Bernardo

(3)

Moura, Vagner Aparecido de

Proposta de modelo netnográfico como método de pesquisa / Vagner Aparecido de Moura – São Paulo: PUC/SP, 2014, 293 páginas

Tese (Doutorado): Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Orientadora: Professora Doutora Teresinha Bernardo

1. Subjetividade. 2. Redes Sociais Virtuais. 3. Afro-brasileiro. 4. Afro-americano. 5. Identidade.

I. Bernardo, Teresinha. II Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. III Título

(4)

PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

VAGNER APARECIDO DE MOURA

Proposta de modelo netnográfico como método de pesquisa

Profa. Dra. ________________________________________________________________ (Orientadora e Presidente da Comissão Julgadora)

Prof (a). Dr(a). _____________________________________________________________

Prof(a). Dr(a.) ______________________________________________________________

Prof(a). Dr(a). ______________________________________________________________

(5)

Agradecimentos

A Deus por ser meu norte nos momentos de vulnerabilidade, de desesperança, de fragilidade e por me proteger a cada dia em um orbe onde a individualidade, o consumismo exacerbado romperam as fronteira do bem–estar social, da liberdade, do princípio de isonomia, do respeito mútuo, caminhando para uma sociedade embrutecida pela dor, pela violência e pela falta de compaixão entre os homens.

Por me guiar durante o estudo de doutoramento ao trazer, à tona, nos momentos difíceis e de solidão, os elementos que considero essências para realizar uma pesquisa: paz, serenidade, reflexão e raciocínio para articular o arcabouço teórico e os dados coletados.

Por colocar, em meu caminho, a minha orientadora: Professora Doutora Teresinha Bernardo a qual me aceitou de forma carinhosa e acolhedora no programa de Pós-graduados em Ciências Sociais e guiou meus estudos de forma plena e serena, ao me fornecer liberdade e ao mesmo tempo responsabilidade tanto para se desenvolver como pesquisador/ intelectual quanto para buscar os conhecimentos necessários para o desenvolvimento deste estudo de doutoramento.

À minha família: minhas irmãs Cleonice Aparecida Moura, Cleide Aparecida de Moura e amiga Rosemeire de Almeida Pinto por me acompanhar e por compartilhar todos os anseios, inquietações durante a realização desta pesquisa. E ao meu sobrinho Davi da Silva Filho por sua energia, por sua alegria em momentos tão difíceis.

Ao professor Doutor Edgar de Assis Carvalho por ser, na qualificação, paciente e pontual em suas observações.

(6)

A Amanda Gandolpho e a Jaqueline Amaral da agência de publicidade FNAZCA SAATCHI & SAATCHI , por contribuírem em minha pesquisa, ao compartilharem comigo a práxis de uma agência de publicidade em relação ao tema de mídia digitais e subjetividade.

(7)
(8)

MOURA, Vagner Aparecido de. Proposta de modelo netnográfico como método de pesquisa. Tese de Doutorado (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Programa de Pós–Graduação de Ciências Sociais). São Paulo, 2014, 293páginas.

RESUMO

O presente estudo tem como finalidade discutir, sob a perspectiva história e antropológica as relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos da América, a influência da memória no processo de subjetivação dos atores sociais: afro-brasileiros e afro-americanos e o papel e a influência das mídias digitais neste processo. Ressalta-se que para compreender as mídias digitais, deve-se estar atento ao fato de que as mídias digitais correspondem um espaço movente, híbrido, constituído pela relação entre o espaço eletrônico e o espaço físico, lócus em que o processo de subjetivação dos atores sociais traz, à baila, a discussão da corporalidade, da imagem, do lugar e do não lugar do sujeito e da alteridade na pós-modernidade.

Sendo anuente desse contexto e de sua complexidade, elaborei, durante o estudo de doutoramento, uma proposta de modelo netnográfico ancorado nos seguintes procedimentos:

Entrée: percurso netnográfico exploratório com base nas categorias fenomenológica de

Merleau-Ponty (1999): pré-reflexivo do cogito, intersubjetividade, corpo, linguagem e o simbólico com a finalidade de obter as primeiras impressões e dados dos sítios observados/experimentados e, assim, apresentar ao meu coenunciador como se configura o processo de subjetivação dos atores sociais e o segundo procedimento a Análise e a interpretação de dados corresponde a um modelo triádico composto por quatro categorias: Territorialidade, Psiquismo (Freudiano), Semiótica (Peirce) e Psiquismo (Lacaniano) cada uma destas categorias é constituída por três fases com fulcro não só em descortinar o papel da imagem, da linguagem e do discurso nas redes sociais virtuais, como também corroborar o percurso netnográfico do primeiro procedimento do modelo netnográfico (Entrée) ou apresentar novas pistas sobre processo de subjetivação dos atores sociais.

PALAVRAS-CHAVE: SUBJETIVIDADE; REDES SOCIAIS; AFRO-BRASILEIRO;

(9)

MOURA, Vagner Aparecido de. Proposal of netnographic model as method of research.

Thesis of Doctorate (Pontifícal Catholic University of São Paulo – Graduate Department in Social Science). São Paulo, 2014, 293 pages.

ABSTRACT

The current aim of this study is to discuss, from Historical and Anthropological perspective the racial relationship in Brazil and in the United States of America, the influence of memory in the subjectivation process of the social actors: Afro-American and Afro-Brazilian and the role of influence of the digital media in this process. To emphasize the understanding of the digital media, the reader must be attentive to the fact that digital media refer to a moving space, hybrid, which is composed by relationship between eletronic space and physical space. This space is where the process of subjectivation of the social actors brings back the discussion of corporeality, of image, of the place and no place of the social actor and otherness in the modern world.

Being aware of this context and complexity, I have elaborated, during my study of doctorate, a proposal of netnographic anchored in the following procedures: Entrée: the netnographic exploratory journey is based on phenomenological categories of Merleau-Ponty (1999): pré-reflexive, intersubjectivity, body language and symbolic in order to get the first impressions and data of the sites checked to introduce to my reader how to set up subjectivity process of social actor and the second procedure Analysis and interpretation of data corresponds to a triad model which is composed by four categories: Territoriality, Psyche (Freud), Semiotic (Peirce) and Psyche (Lacan) each of these categories is composed by three phases in order to not only denude the role of image, of language and of discourse on the virtual social networks, but also corroborate the netnographic journey of the first procedure of the netnographic model (Entrée) or introduce new paths/directions for the processing of the subjectivation of the social actors.

KEY-WORDS: SUBJECTIVITY; SOCIAL NETWORK; BRAZILIAN;

(10)

LISTA DE IMAGENS

Imagem 01...29

Imagem 02...88

Imagem 03...116

Imagem 04 ...132

Imagem 05 ...141

Imagem 06 ...148

Imagem 07...175

Imagem 08...182

Imagem 09 ...183

Imagem 10...187

Imagem 11 ...187

Imagem 12 ...195

Imagem 13 ...198

Imagem 14 ...199

Imagem 15...200

Imagem 16...201

Imagem 17...202

Imagem 18 ...203

Imagem 19 ...205

Imagem 20 ...205

Imagem 21...206

Imagem 22...207

Imagem 23 ...208

(11)

Imagem 25 ...209

Imagem 26 ...210

Imagem 27 ...213

Imagem 28 ...213

Imagem 29...214

Imagem 30...214

Imagem 31...216

Imagem 32 ...217

Imagem 33 ...219

Imagem 34 ...220

Imagem 35 ...220

Imagem 36 ...221

Imagem 37 ...222

Imagem 38...222

Imagem 39 ...223

Imagem 40 ...224

Imagem 41 ...224

Imagem 42 ...225

Imagem 43...225

Imagem 44 ...226

Imagem 45 ...235

Imagem 46 ...237

(12)

LISTA DE DADOS

Dados (01): Categoria analítica – idade ...228

Dados (02): Categoria analítica – autoclassificação...229

Dados (03): Categoria analítica – perfil do ator social como leitor...231

Dados (04): Categoria analítica – perfil do ator social como leitor...232

Dados (05): Categoria analítica – o processo de alteridade do ator social...233

Dados (06): Categoria analítica – imagem...234

Dados (07): Categoria analítica –percepção (ator social negro)...237

Dados (08): Categoria analítica –percepção (ator social pardo)...238

Dados (09): Categoria analítica –percepção (ator social branco)...239

Dados (10): Categoria analítica – o discurso do racismo à brasileira...240

Dados (11): Categoria analítica – o discurso do racismo à brasileira...241

Dados (12): Categoria analítica – o discurso do racismo à brasileira...243

Dados (13): Categoria analítica – memória coletiva...244

Dados (14): Categoria analítica – memória coletiva...245

Dados (15): Categoria analítica – idade ...247

Dados (16): Categoria analítica – autoclassificação...248

Dados (17): Categoria analítica – perfil do ator social como leitor...249

Dados (18): Categoria analítica – perfil do ator social como leitor...250

Dados (19): Categoria analítica – o processo de alteridade do ator social...252

Dados (20): Categoria analítica – memória coletiva...254

(13)

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico (01): Categoria analítica – idade...229

Gráfico (02): Categoria analítica – autoclassificação...230

Gráfico (03): Categoria analítica – perfil do ator social como leitor...231

Gráfico (04): Categoria analítica – perfil do ator social como leitor...232

Gráfico (05): Categoria analítica – o processo de alteridade do ator social...233

Gráfico (06) : Categoria analítica – imagem...235

Gráfico (07): Categoria analítica –percepção (ator social negro)...238

Gráfico (08): Categoria analítica –percepção (ator social pardo)...238

Gráfico (09): Categoria analítica –percepção (ator social branco)...239

Gráfico (10): Categoria analítica – o discurso do racismo à brasileira...240

Gráfico (11): Categoria analítica – o discurso do racismo à brasileira...241

Gráfico (12): Categoria analítica – o discurso do racismo à brasileira...243

Gráfico (13): Categoria analítica – memória coletiva...244

Gráfico (14): Categoria analítica – memória coletiva...245

Gráfico (15): Categoria analítica – idade...247

Gráfico (16): Categoria analítica – autoclassificação...248

Gráfico (17): Categoria analítica – perfil do ator social como leitor...250

Gráfico (18): Categoria analítica – perfil do ator social como leitor ...251

Gráfico (19): Categoria analítica – o processo de alteridade do ator social ...252

Gráfico (20): Categoria analítica – memória coletiva...254

Gráfico (21): Categoria analítica – memória coletiva...256

(14)

Sumário

O pesquisador em foco...18

Introdução...21

Capítulo I...29

Parte I 1. Perspectiva histórica e antropológica da formação dos povos brasileiro e afro-americano...30

1.1 Memória e Identidade Social...30

1.1.2 Memória dos acontecimentos...35

1.2. Relações raciais no Brasil...38

1.2.1 Brasil: As inúmeras (re) formulações da ideologia do embranquecimento...42

1.2.2 O embate pela emancipação...44

1.2.3 A imagem do afro-brasileiro após a abolição...47

1.2.4 Política de Imigração (1890-1930): Negociando libertos, imigrantes e patrões...56

1.2.4.1 Getulio Vargas: Lei de Nacionalização do trabalho (1931)...59

1.2.4.2 Primeira Geração de Intelectuais: Discutindo questões raciais na sociedade brasileira...63

1.2.4.3 Segunda Geração de Intelectuais: Discutindo questões raciais na sociedade brasileira...70

1.2.4.4 Os Militares (1964-1985) e a democracia racial...78

1.2.4.5 Movimento Negro Unificado (MNU)...80

1.3 Repensando as relações raciais no cenário brasileiro (1985...)...81

1.3.1 Classificação Racial...84

(15)

Parte II

Relações raciais nos Estados Unidos...88

1.4 Relações Raciais nos Estados Unidos...89

1.4.1 Discurso Abolicionista...90

1.4.2 Desvendando o jogo de imagens entre o senhor versus escravo...94

1.4.2.1 Imagem do Escravo...101

1.4.3 Pós–abolição: Discutindo o destino do ex-escravo americano... 105

1.4.4 Repensando as relações raciais nos Estados Unidos... 110

Capítulo II ...116

2. Processo de subjetivação dos atores sociais na sociedade contemporânea...117

2.1 Contemporaneidade...117

2.2 Subjetividade ...118

2.3 Intersubjetividade ...121

2.4 Identidade na contemporaneidade...122

2.5

A estrutura do comportamento...125

2.6 Fenomenologia da percepção...128

Capítulo III...132

3. Redes Sociais Virtuais: Conectividade, Interconectividade e Mobilidade...133

3.1 Panorama conceitual: Globalização...133

3.2 Cultura local versus Cultura global...135

3.3 Globalização, Tecnologia e Mídia...137

Parte II Redes & Sistemas ...141

3.2.1 Redes & Sistemas...142

(16)

Parte III

Conectividade, Interconectividade e Mobilidade...148

3.3.1 Mobilidade e Espaço Urbano...149

3.3.2 Mobilidade versus Comunicação de Massa...150

3.3.3 Configuração e a (re) configuração do território informacional...152

Capítulo IV...156

4. Modelo de Análise Netnográfico...157

4.1 Panorama do conceito de ciência e do papel do pesquisador...157

4.2 Conceituando netnografia versus etnografia ...164

4.3 Proposta de modelo netnográfico como método de pesquisa...169

4.3.1 Primeira fase: global ...172

4.3.2 Segunda fase: local...177

4.3.3 Terceira fase: glocal ...184

4.4 Vantagens e desvantagens do modelo de análise netnográfico...188

Capítulo V...192

5. A práxis da proposta do modelo netnográfico como método de pesquisa nas redes sociais...193

5.1 Entrée: percurso netnográfico exploratório com base nas categorias fenomenológicas de Merleau – Ponty (1999) ...193

5.1.1 Processo de subjetivação do afro-brasileiro...193

5.1.2 Processo de subjetivação do afro-americano...215

5.2 Análise e interpretação de dados do afro-brasileiro...227

5.2.1 Fase global...227

5.2.2 Fase local...236

(17)

5.3 Análise e interpretação de dados do afro-americano...246

5.3.1 Fase global...246

5.3.2 Fase local...253

5.3.3 Fase glocal...255

Considerações finais...257

Bibliografia ...263

(18)

18

O pesquisador em foco

“O intelectual existe para criar desconforto é o seu papel. E ele tem que ser forte o

bastante sozinho para continuar a exercer esse papel. Não há nenhum país mais necessitado de verdadeiros intelectuais, no sentido que dei a essa palavra, do que no

Brasil” (MILTON SANTOS)

Ao longo de minha trajetória acadêmica, percebi que para se tornar um intelectual com intuito propagado por Milton Santos deveria ser capaz de compreender a ciência como um mosaico, onde a ordem necessita de uma desordem e assim de uma auto-organização, alicerçada em uma perspectiva transdisciplinar, multidimensional, impelindo-me a um processo

hermenêutico em que a dita “neutralidade”, “objetividade” disseminada ao longo do século

XIX, perde a sua centralidade, em um momento que nós (pesquisadores/ intelectuais) tivemos a anuência de que o sujeito não está separado do objeto, uma vez que o sujeito (pesquisador) emerge no processo investigativo, a partir de um processo de subjetivação que o leva a estudar o objeto, por suas inquietações, por seus questionamentos que o cercam no cotidiano, sendo assim, motivando-o a adentrar em universo complexo, às vezes, solitário o qual demanda disciplina, paciência, perseverança para lidar com os desafios que surgem ao longo de uma pesquisa.

Além disso, percebi que precisava desmitificar, em meu imaginário cultural, o processo de ensino/aprendizagem que me acompanhou ao longo dos meus estudos desde o início do Ensino Fundamental até a Pós-Graduação Stricto Sensu, em que vivenciei como aluno uma esfera educacional pautada no autoritarismo, já que cabia a mim apenas uma postura passiva perante a exposição verbal dos conteúdos, os quais eram apresentados por meus mestres de forma linear, desta forma, estimulando em meu inconsciente a postura passiva, visto que ignorava, no processo interlocução, o processo dialógico e, desta maneira, desvalorizava a troca de experiência e os meus conhecimentos prévios. No entanto, em todas as regras há uma exceção e tive professores (Teresinha Bernardo, Edgar de Assis Carvalho, Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos), ao longo dessa trajetória, que me mostraram que o conhecimento não está pronto e acabado, pelo contrário, mostraram-me que o conhecimento está em um processo permanente de construção e reconstrução, visto que não há uma verdade “absoluta”.

(19)

19 Por uma profundidade na interpretação dos problemas. Pela substituição de

explicações mágicas por princípios causais. Por procurar testar os “achados” e dispor -se -sempre a revisões. Por -se despir ao máximo de preconceitos na análi-se de problemas. Na sua apreensão, esforçar-se por evitar deformações. Por negar a transferência da responsabilidade. Pela recusa de posições quietistas. Pela aceitação da massificação como um fato, esforçando, porém, pela humanização do homem. Por segurança na argumentação. Pelo gosto pelo debate. Por maior dose de racionalidade. Pela apreensão e receptividade a tudo o que é novo. Por se inclinar sempre a arguições. (FREIRE, 2003, p.34)

Nesse processo, tornei-me cônscio de que necessitava de uma formação acadêmica que me possibilitasse transitar por diferentes áreas do saber em profundidade para não incorrer no superficialismo da interdisciplinaridade que necessita de vários profissionais reunidos ao mesmo tempo para discutir uma temática de forma multidimensional, tal fato mostra-nos que fomos adestrados a pensar de maneira departamental, lócus em que cada pesquisador, intelectual, sente-se seguro, estável, em outras palavras, autoridade do saber em questão. Nesse quesito, não me agradava a sensação de se tornar uma autoridade em determinada área do saber, pois sou apaixonado pela instabilidade, pelo processo de desconstrução, pela desordem em prol de uma ordem multidimensional.

(20)

20

Cabe, nesse contexto, mencionar ao meu coenunciador que tais estudos foram fulcrais no estudo de doutoramento, possibilitando-me apresentar no final do estudo uma proposta de modelo netnográfico, ancorado em um percurso exploratório (Entrée) com base nas categorias fenomenológicas de Merleau Ponty (1999) e na análise e interpretação desses dados coletados por meio de um modelo triádico composto por quatro categorias: Territorialidade, Psiquismo (Freudiano), Semiótica (Peirce) e Psiquismo (Lacaniano) cada uma destas categorias é constituída por três fases. Denomino essa tríade de fluxos perceptivos da realidade, uma vez que correspondem tanto a lugar como um não-lugar, desta forma, possibilita-me como pesquisador compreender o processo de subjetivação dos atores sociais.

Nesse caminho trilhado, devo avisar, meu coenunciador, que utilizo uma linguagem híbrida, ou seja, um discurso que será permeado pela terceira pessoa do singular com o intuito

de manter uma certa “neutralidade” no momento do ato enunciativo, em contrapartida, no

momento em que houver a necessidade de me posicionar como sujeito da enunciação utilizarei a primeira pessoa do singular, visto que tenho a premissa de que cada sujeito é clivado, heterogêneo e se constitui no momento de interlocução o qual é perpassado por textos, por imagens que nos mostram, se formos atentos o seu caráter polifônico.

(21)

21

Introdução

Eu ando pelo mundo, prestando atenção em cores. Que eu não sei o nome cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo, Cores! Passeio pelo escuro, eu presto muita atenção, no que meu irmão ouve, e como uma segunda pele, um calo, uma casca. uma cápsula protetora. Ai, Eu quero chegar antes, para sinalizar, o estar de cada coisa, filtrar seus graus... Eu ando pelo mundo, divertindo gente, chorando ao telefone e vendo doer a fome, nos meninos que têm fome... Pela janela do quarto, pela janela do carro, pela tela, pela janela. Quem é ela? Quem é ela? Eu vejo tudo enquadrado, Remoto controle (ADRIANA CALCONHOTO).

É andar pelo mundo é um processo que engendra ao indivíduo um descentramento de sua psique equilibrada, racional e objetiva perante os fatos que o subjugam em um pseudo remoto controle, a partir do momento em que percebemos, na modernidade, que a tela do computador foi criada para ter uma perspectiva planimétrica que, segundo Merleau Ponty (2002, p.186), “dar-nos-ia finitude de nossa percepção, projetada, achatada, tornada prosa sob

o olhar de um deus”, no entanto, os meios de expressão potencializados pelas mídias digitais possibilitam aos usuários romper com a finitude, uma vez que o gesto criador “dar-nos-ão a ressonância secreta pela qual nossa finitude abre-se ao ser do mundo e faz-se poesia” em uma

esfera em que a demarcação do espaço é oriundo de etapas que emanam de um enviesamento do mundo exterior e do interior quando navegamos nas redes sociais.

Nesse processo, compreendem-se que as mudanças sociais ocorrem em um ritmo acelerado, em virtude do avanço das tecnologias de informação e comunicação (TIC), as quais provocam uma ruptura no paradigma dos atores sociais, em relação a sua maneira de se relacionar, de se comunicar e de interagir socialmente, uma vez que o processo desterritorialização sucumbe a distância espacial entre os interlocutores – atores sociais – possibilitando a convivência em uma sociedade em redes , em outras palavras, sem fronteiras visto que não há ponto de chegada ou de término, já que todos os nós estão imbricados.

Lévy (1992, p.17) corrobora minhas inferências, asseverando que a desterritorialização - dimensão espacial da sociedade-, corresponde “à luta dos homens contra a distância, distância que ao mesmo tempo separa as sociedades e é um princípio de organização de sua vida interior”. Haesbaert (2009, p.108) complementa o pressuposto de Lévy (1992), reafirmando que a

desterritorialização é a “superação constante das distâncias, a tentativa de superar os entraves

espaciais pela velocidade, de se tornar “liberto” em relação aos constrangimentos”. Giddens

(1990, p.45) salienta que, nesse contexto, “as relações sociais são deslocadas dos contextos territoriais de interação e reestruturam-se por meio de extensões indefinidas de espaço tempo, favorecendo uma organização racional da vida humana, mudança está só viabilizada por um

sistema técnico que permite um controle do espaço e do tempo”.

(22)

22 [..]pois mesmo no atual período técnico-científico, onde o “espaço desterritorializado”, esvaziado de “seus conteúdos particulares”, perde seu conteúdo

relacional e identitário, transformando-se numa rede funcional ou “espaço abstrato, racional, deslocalizador”(ORTIZ 1994, pp 105/107), também há margem para

importantes processos de reterritorialização.

E complementa

[..] assim com a modernidade não pode ser definida sem sua contraface, o tradicional, a desterritorialização está indissociávelmente ligada com a (re) territorialização, pois na prática proliferam as interseções e as ambiguidades. Podemos afirmar o que caracteriza o espaço moderno é, tomado por empréstimos o termo de Latour (1991) num contexto um pouco diferente, a hibridização e os ritmos acelerados que transpassam territorialização e desterritorialização (HAESBAERT 2009, p.198)

Castells (2005) pondera que a sociedade em rede é “uma sociedade hipersocial, não uma

sociedade de isolamento”, uma vez que os atores sociais, em sua maioria, não dissimulam a sua

identidade na internet. Por conseguinte, de acordo com Castells (2005, p.22) “as pessoas integraram as tecnologias nas suas vidas, ligando a realidade virtual com a virtualidade real, vivendo em várias formas tecnológicas de comunicação articulando-as conforme as suas

necessidades”. Por outro lado, Castells (2005) ressalta que há uma grande mudança na maneira de socializar, a qual é não é oriunda da consequência da internet ou das novas tecnologias de comunicação (TIC), porém uma mudança suportada pela lógica própria das redes de comunicação, isto é, segundo Castells (2005, p22)

a emergência do individualismo em rede ( enquanto a estrutura social e a evolução histórica induz a emergência do individualismo como cultura dominante das nossas sociedades) e as novas tecnologias de comunicação adaptam-se perfeitamente na forma de construir sociabilidades em redes de comunicação auto-selectivas, ligadas ou desligadas dependendo das necessidades ou disposições de cada indivíduo. Então, a sociedade em rede é a sociedade de indivíduos em rede.

Partindo desse prisma, pode-se depreender que a característica central da sociedade em rede é a área da comunicação, a qual constitui o espaço público, em outras palavras, conforme Castells (2005, p.22), “o espaço cognitivo em que as mentes das pessoas recebem informação e formam os seus pontos de vista através do processamento de sinais da sociedade no seu

conjunto”. E pondera que a comunicação entre computadores criou um novo sistema de redes de comunicação global e horizontal que, pela primeira vez na história, permite que as pessoas comuniquem umas com as outras sem utilizar os canais criados pelas instituições da sociedade

para a comunicação socializante”. (CASTELLS 2005, p.23).

(23)

23 Como lugar de interação que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e/ou comportamentos anteriormente inexistentes. Trata-se, como diz W.Geraldi (1991), de um jogo que se joga na sociedade, na interlocução, e é no interior de seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de tal jogo.

Pode-se ressaltar que a linguagem como atividade para as relações entre a língua e seus usuários e, portanto, para a ação que se realiza na e pela linguagem está, atualmente, criando condições para o surgimento de uma linguística de discurso, ou seja, uma linguística que se ocupa das manifestações linguísticas produzidas por indivíduos concretos em situações concretas, sob determinadas condições de produções, com o intuito descrever e explicar a interação humana por meio da linguagem, a capacidade que tem o ser humano de interagir socialmente por meio da língua, das mais diversas formas e com os mais diversos propósitos e resultados.

Por conseguinte, as manifestações linguísticas produzidas, nas redes sociais virtuais, permitem-nos desnudar as marcas de racismo subjacente ao discurso, como se pode observar, em 04 de Maio de 2009 no sítio1a denúncia pelo Ministério Público Federal de São Paulo a um jovem de vinte e um anos, por ter praticado, induzido e incitado a discriminação e o preconceito de raça, de cor, etnia, religião no Orkut ao criar uma comunidade com o seguinte título: “Mate

um negro e ganhe um brinde”. Nota-se que o título é propulsor dos ideais racista e de

discriminação nas redes sociais virtuais, que nos impele a refletir acerca deste espaço midiático, utilizado pelos atores sociais, não só para interagir socialmente, mas também para disseminar um conjunto de valores culturais construídos socialmente.

Em contrapartida, no sitio2“Black Planet” elaborado por atores sociais (americanos), é um espaço reservados aos negros americanos nas redes sociais virtuais, em que propugna socializar homens e mulheres negros para a amizade, rede e namoro e também para discutir questões raciais. Nesse novo espaço midiático, observa-se a presença e a visibilidade dos negros americanos, por outro lado, observa-se a ausência de comunidades negras ou grupos engajados nas mídias brasileiras. Conceição (2005, p.63) corrobora minhas inferências ponderando que

Os negros nos EUA têm presença destacada na mídia. Isso inclui participação efetiva nos produtos da indústria cultural disponibilizados para consumo público (programas de TV e rádio, filmes, montagens teatrais, mercado musical, mercado editorial etc), e também a possibilidade de participação e até mesmo de controle de parcela daquela indústria.

1

(24)

24

Diante desses dois contextos midiáticos, Wieviorka (2007, p.12) enfatiza que “se deixarmos de tratar do racismo hoje sem nos interrogarmos sobre o papel das mídias, não teremos certeza de que elas mereçam um julgamento sistematicamente crítico, insistindo em seu papel na produção e na difusão do ódio ou dos preconceitos racistas”. Dessa forma, não se pode examinar o racismo contemporâneo sem nos indagar acerca da influência eventual das mídias na progressão, na difusão, como também na regressão do fenômeno. Em certos casos, segundo Wieviorka (2007, p.117), “as mídias se inscrevem em uma lógica direta da produção ou de coprodução do racismo, em particular quando as exigências do scoop3, da informação espetacular, podem constituir um encorajamento ao racismo e, por exemplo, dar aos atores racistas um peso, uma visibilidade e uma eficácia multiplicados”. E ressalta que, além disso,

“diversos estudos mostraram que as mídias suscitam condutas por imitação, no domínio do

racismo como em outros”. (WIEVIORKA 2007, p118)

Partindo desse pressuposto teórico, as ciências sociais propugnam duas perspectivas que embasam a pesquisa e delimitam o espaço teórico em relação ao racismo nas mídias. A primeira, conforme Wieviorka (2007), pondera que as mídias não fazem a não ser assegurar a reprodução da disseminação do racismo, em outras palavras, significa minimizar, até refutar a ideia de um papelque elas poderiam desempenhar na sua produção, que se efetuaria em outra parte. Wieviorka (2007, p.118) assevera que “as mídias, desse ponto de vista, exprimindo ou traduzindo fenômenos que provêm da sociedade em geral, fora de sua capacidade de intervenção, elas asseguram, mais inconscientemente que deliberadamente, a reprodução das relações sociais nas quais o racismo encontra o seu lugar”.

Van Dijk (1991 apud WIEVIORKA 2007, p.118) elucida que o racismo “ é objeto de comunicação, é uma ideologia que as mídias reproduzem e transmitem, perpetuando assim os estereótipos e os preconceitos que trespassam a sociedade considerada: a imprensa”. Van Dijk (1991) ressalta que o papel das mídias não se restringe à exclusiva reprodução e que as mídias exercem efeitos específicos acerca da formação do racismo. A segunda perspectiva , de acordo com Wieviorka (2007, p 119), “considera que a formação dos preconceitos e do ódio

racistas procedem, entre outros fatores, de uma intervenção específica das mídias, que contribuíram de maneira autônoma à extensão do fenômeno, sem relação necessária com outros

atores ou organizações”. Por esse viés, o universo profissional funciona à parte, segundo Wieviorka (2007, p119), “sem grande conexão com as realidades sociais, movido por lógicas

(25)

25

próprias que resultam na fabricação de relatos, de imagens, de representação, cuja a produção

não é diretamente informada pelo real”.

Dessa maneira, pode-se depreender, conforme Wieviorka (2007, p.119) que

Os jornalistas e todos aqueles que trabalham em órgãos de imprensa nos informam, no final de contas, sobre eles próprios, sobre o modo de organização das mídias, sua estruturação profissional, seus critérios de seleção e de hierarquização das notícias e não sobre o que eles pretendem tratar, a sociedade, a política, a cultura etc. Essa orientação de análise, centrada na ideia de uma produção autônoma do racismo pelas mídias, implica que estas exercem uma influência, efeitos sobre o fenômeno, tal como ele opera em seguida no exterior delas mesmas; sua originalidade é fazer do racismo não apenas o produto do trabalho geral da sociedade sobre si mesma, porém, por outro lado, o resultado de uma atividade específica de comunicação que se desdobra de maneira independente.

Não obstante, com a disseminação da sociedade em rede, e com o avanço tecnológico, ocorre uma explosão de redes horizontais de comunicação independentes do negócio dos

“Media” e dos governos que, segundo Castells (2005, p.23), “permite a emergência da comunicação de massa autocomandada”. Castells (IBIDEM) elucida que a comunicação é de

massa, uma vez que “é difundida em toda a internet, podendo potencialmente chegar a todo o

planeta e autocomandada, porque “geralmente é iniciada por indivíduos ou grupos, por eles

próprios, sem mediação do sistema de media”.

E ressalta que

A explosão de blogues4, vlogues5 (vídeos-blogues) e outras formas de interactividade. A comunicação entre computadores criou um novo sistema de rede de comunicação global e horizontal que, pela primeira vez na história, permite que as pessoas comuniquem umas com as outras sem utilizar os canais criados pelas instituições das sociedade para a comunicação socialiazante.(CASTELLS 2005, p.23)

Perante esse contexto, justifica-se a pertinência do tema perante e a necessidade de compreender (sob a perspectiva, histórica e antropológica, as relações raciais no Brasil e nos EUA), tanto a influência da memória no processo de subjetivação desses atores sociais (afro-americano e afro-brasileiro) na contemporaneidade, quanto o papel e a influência das mídias digitais. Para lograr êxito nessa empreitada e por ser cônscio de que se trata de um território informacional, de acordo com Lemos (2008, p.30,um “espaço movente, híbrido, formado pela relação entre espaço eletrônico e o espaço físico”, apresento, no capitulo IV, uma proposta de

modelo de análise ancorado nos seguintes procedimentos:

4 Entende-se por blog (palavra proveniente da simplificação do termo weblog) como um diário online/diário em rede, isto é, um conjunto de páginas onde diariamente são publicadas diversas temáticas em forma de textos, de imagens, de músicas ou vídeos. Tais temáticas podem se focar em um assunto específico ou de caráter geral. O blog pode ser mantido por uma ou várias pessoas e possui, normalmente, espaço para comentários de seus leitores.

(26)

26

a) Entrée: percurso netnográfico exploratório com base nas categorias fenomenológicas de Merleau-Ponty (1999): pré-reflexivo do cogito, intersubjetividade, corpo, linguagem e o simbólico, com a finalidade tanto de obter as primeiras impressões e dados dos sítios observados/experimentados como apresentar ao meu coenunciador como se configura o processo de subjetivação dos atores sociais e

b) Análise e a interpretação de dados corresponde a um modelo triádico composto por quatro

categorias: Territorialidade, Psiquismo (Freudiano), Semiótica (Peirce) e Psiquismo (Lacaniano) cada uma destas categorias é constituída por três fases, com fulcro não só em descortinar o papel da imagem, da linguagem e do discurso nas redes sociais virtuais, como também corroborar o percurso netnográfico do primeiro procedimento (Entrée) ou apresentar novas pistas sobre processo de subjetivação dos atores sociais.

Partindo dessa diretriz e da hipótese de que há manifestação de racismo nos meio de comunicação digital, particularmente nas redes sociais - meio de comunicação de massa e difusor de valores culturais e ideologias de grupos ou indivíduos disseminados pela sociedade em rede. Por conseguinte, fui impelido a suscitar duas questões norteadoras para o desenvolvimento desta pesquisa: Os negros – americano e brasileiro – são tratados como usuários comuns ou o racismo ainda engendra imbricações nas relações humanas nas redes sociais virtuais?; e Quais as diferenças e similitudes do racismo entre as redes sociais virtuais no Brasil e nos Estados Unidos?.

Tendo como parâmetros essas duas inquirições, pretende-se, como objetivo específico, analisar os seguintes aspectos:

a) a perspectiva das relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos, por um viés histórico e antropológico;

b) as influências das mídias digitais no processo de subjetivação dos afro-brasileiros e afro-americanos e

(27)

27

Partindo do problema de pesquisa e das considerações apresentadas nesta introdução, a tese foi estruturada em cinco capítulos da seguinte forma:

No Capitulo I, Perspectiva histórica e antropológica da formação dos povos afro-brasileiro e afro-americano, tem o propósito dediscutir a relação indissociável entre memória e identidade e a memória dos acontecimentos: um eixo temporal, uma trajetória coletiva dos afro-brasileiros e afro-americanos por meio do embasamento teórico de Candau (2011), Dummett (1991), Muxel (1996) e Tiberghien (1997). Tal aporte teórico proporcionar-nos-á subsídios para desnudar, ao longo do capítulo, por intermédio de uma perspectiva histórica e antropológica as relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos da América e as implicações deste contexto histórico para a constituição do ethos do afro-brasileiro e do afro-americano. O percurso proposto tem a finalidade de impelir o coenunciador a compreender, de forma clara e objetiva, as imbricações entre memória coletiva e identidade no processo de construção e (re)construção da memória dos atores sociais afro-brasileiro e afro-americano na sociedade contemporânea, lócus permanente de metamorfoses social, cultural e tecnológica.

No Capítulo II, Processo de subjetivação dos atores sociais na sociedade contemporânea, pretende-se discutir, por meio do embasamento teórico de Deleuze (1991), Ricouer (1985), Santaella (2007), Sodré (1999:2002), acerca do conceito de subjetividade, de intersubjetividade e de identidade na contemporaneidade. E para lograr êxito, nesse processo interpretativo do Outro, serão discutidas as categorias de análise fenomenológica da obra Merleau-Ponty (1999) mais especificamente a fenomenologia da percepção e a estrutura do comportamento,

(28)

28

No Capítulo IV, Modelo de Análise Netnográfico, pretende-se discutir, em um primeiro momento, o conceito de ciência e do papel do pesquisador na contemporaneidade, (levando em consideração que o pesquisador se defronta com a diversidade, a ambiguidade, a ordem, a desordem), por intermédio do embasamento téorico de Dyson (2009), Snow (1995), Wilson (1999) e o relatório da comissão Gulbenkian (1996). E, em um segundo momento, abordar as similitudes e diferenças entre netnografia e etnografia, ancorado na discussão teórica entre os autores: Amaral et al (2009), Braga (2009), Novelli (2010) com a finalidade de apresentar nos subitens posteriores a proposta de modelo netnográfico como método de pesquisa, alicerçado em uma perspectiva transdisciplinar.

No Capítulo V, A práxis da proposta do modelo netnográfico como método de pesquisa nas redes sociais, pretende-se demonstrar a aplicabilidade da proposta de modelo netnográfico como método de pesquisa, perpassando a primeira etapa a qual denomina-se Entrée (percurso netnográfico exploratório com base nas categorias fenomenológica de Merleau-Ponty (1999): pré-reflexivo do cogito, intersubjetividade, corpo, linguagem e o simbólico); a segunda etapa, análise e interpretação de dados, ancorado no modelo triádico, com finalidade de unir a teoria e prática no processo investigativo e hermenêutico, tendo em vista o desnudamento do processo de subjetivação do afro-brasileiro e afro-americano nas redes sociais.

(29)

29

CAPÍTULO I

PERSPECTIVA HISTÓRICA E ANTROPOLÓGICA

DA FORMAÇÃO DOS POVOS AFRO-BRASILEIRO

E AFRO-AMERICANO

(30)

30

CAPÍTULO I

1. Perspectiva histórica e antropológica da formação dos povos afro-brasileiro

e afro-americano

Pretende-se, neste capítulo, discutir a relação indissociável entre memória e identidade e a memória dos acontecimentos: um eixo temporal, uma trajetória coletiva dos afro-brasileiros e afro-americanos por meio do embasamento teórico de Candau (2011), Dummett (1991), Muxel (1996) e Tiberghien (1997). Tal aporte teórico proporcionar-nos-á subsídios para desnudar, ao longo do capítulo por intermédio de uma perspectiva histórica e antropológica, as relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos da América e as implicações deste contexto histórico para a constituição do ethos do afro-brasileiro e do afro-americano. O percurso proposto tem a finalidade de impelir o coenunciador a compreender, de forma clara e objetiva, as imbricações entre memória coletiva e identidade no processo de construção e reconstrução da memória dos atores sociais afro-brasileiro e afro-americano na sociedade contemporânea, lócus permanente de metamorfoses social, cultural e tecnológica.

.

1.1 Memória e Identidade Social

A memória atua no trabalho de reapropriação e negociação que cada um deve fazer em relação a seu passado para chegar a sua própria individualidade. (MUXEL 1996, p.230)

Nesse processo, nota-se que a memória e identidade estão indissoluvelmente aglutinadas, uma vez que a memória ao mesmo instante em que modela os atores sociais é, também, modelada por eles. Candau (2011,p.16) ressalta que esse processo “resume perfeitamente a dialética da memória e da identidade que se conjugam, nutrem-se mutuamente, apoiam-se uma na outra para produzir uma trajetória de vida, uma história, um mito, uma

narrativa”. Dando continuidade ao processo hermenêutico do papel da memória na construção da identidade do sujeito, Chiva (1990 apud CANDAU 2011, p.16) assevera que a identidade “

é a capacidade que cada um tem de permanecer consciente de sua vida por meio das mudanças,

crises e rupturas”, que segundo Candau (IBIDEM), “enraíza igualmente a identidade em um processo memorial”.

(31)

31

da rubrica da ideologia do embranquecimento, do mito da democracia racial que impossibilitou ao afro-brasileiro usufruir o ideal do Ego (produto da decantação das relações físico-emocionais constituídas no âmbito familiar e do conjunto de significados linguísticos que a cultura disponibiliza aos sujeitos) no processo reapropriação e negociação da memória, de forma positiva, na constituição da identidade negra .Costa (1986,p.105) corrobora minhas inferências ponderando que

ao sujeito negro é, em grande parte, sonegada , visto que o modelo de ideal de Ego que lhe é oferecido em troca da antiga aspiração narcísico-imaginária não é um modelo humano de existência psíquica concreta, histórica e, consequentemente, realizável ou atingível. O modelo de identificação normativo-estruturante com o qual ele defronta-se é o de um fetiche: o fetiche do branco, da brancura.

E complementa que

para o sujeito negro oprimido, os indivíduos brancos diversos em suas afetivas realidades psíquicas, econômicas, sociais e culturais, ganham uma feição ímpar, uniforme e universal, a brancura. A brancura detém o olhar do negro antes que ele penetre a falha do branco. A brancura é abstraída, reificada, alçada a condição de realidade autônoma, independente de quem a porta enquanto atributo étnico ou, mais precisamente racial. A brancura fetiche simétrico inverso do que o autor designou por mito negro. Funciona como um pré-dado, como uma essência que antecede a existência e manifestações históricas dos indivíduos reais, que são apenas seus arautos e atualizadores. O fetichismo em que se assenta a ideologia racial faz do predicado branco, da brancura, o sujeito universal e essencial, e do sujeito branco um “predicado contingente e particular”.

Nesse estádio de reflexão, convido meu coenunciador a participar de uma digressão acerca de minhas memórias como sujeito afro-brasileiro, inserido em uma sociedade que prevalece a dicotomia da visibilidade versus invisibilidade, do branco versus negro. Tal dualidade não cogita o desnudamento da estrutura semiótica - arraigada nas teias de significado que o sujeito construiu ao longo de sua trajetória. Dessa maneira, posso pontuar que a construção da identidade do afro-brasileiro é um duelo dialético entre o superego que tem a função de auto-observação, de consciência moral e de ideal de Eu, e a realidade que o cerca, possibilitando-lhe vivenciar, de forma voraz, múltiplas sensações de ojeriza, de recusa ao corpo, da imagem em virtude da ausência de confrontação de pares que o legitimem tanto o fenótipo quanto os valores sócio- históricos. Nessa trajetória, sempre indaguei-me quem sou eu? e num desses momentos de epifânia refleti

(32)

32

“sociedade”. Isso me coage de forma brutal que, nesse processo, perdi minha identidade. Minha coragem, minha ínfima vontade manter o meu elo de existência com o mundo: mundo tão ambíguo e complexo: mundo do negro x branco, mundo da dor x felicidade, mundo do amor x ódio, mundo do fraco x forte, mundo do belo x feio, mundo dos dominados x dominadores, mundo x mundo, que resultam em mundo arraigado em relações assimétricas e conflituosas que me moldam ou talvez... Diluem-me de forma gradual.. “ Step by step by” ... levando-me ao apagamento de minhas

memórias” (GRIFOS MEUS).

Costa (1986, p.106) ratifica meu momento de epifânia, no momento em que postula que

o negro é cônscio de sua condição sócio-histórica, porém, nas palavras do autor, “ a brancura

transcende o branco” e ressalta que

Eles-indivíduos, povo, nação ou Estado branco – podem enegrecer. Ela, a brancura, permanece branca. Nada pode macular esta brancura que, a ferro e fogo, cravou-se na consciência negra como sinônimo de pureza artística, nobreza estética, majestade moral, sabedoria científica etc. O belo, o bom, o justo e o verdadeiro são brancos. O branco é, foi e continua sendo a manifestação do espírito, da ideia, da razão. O branco, a brancura, são os únicos artífices e legítimos herdeiros do progresso e desenvolvimento do homem. Eles são a cultura, a civilização, em uma palavra, a humanidade.

E finaliza propugnando que

O racismo esconde assim seu verdadeiro rosto. Pela repressão ou persuasão, leva o sujeito negro a desejar, invejar e projetar um futuro identificatório antagônico em relação à realidade de seu corpo e de sua história étnica e pessoal. Todo ideal identificatório do negro converte-se, desta maneira, num ideal de retorno ao passado, onde ele poderia ter sido branco, ou na projeção de um futuro, onde seu corpo e identidade negras deverão desaparecer. (COSTA 1986, pp.106/107)

Por conseguinte, pode-se asseverar, de acordo com Candau (2011, p.19) que “ a

memória é geradora de identidade, no sentido que participa de sua construção, essa identidade, por outro lado, molda predisposições que vão levar os indivíduos a incorporar certos aspectos particulares do passado, a fazer escolhas memoriais”. E ressalta que “memória e identidade entrecruzam-se indissociáveis, reforçam-se mutuamente desde o momento de sua emergência até sua inevitável dissolução”, portanto, “não há busca identitária sem memória e, inversamente, a busca memorial é sempre acompanhada de um sentimento de identidade”. (CANDAU IBIDEM)

Nessa aglutinação, as noções entre memória e identidade, segundo Candau (2011), são

dúbias, uma vez que estão atreladas ao termo de representações – conceito operatório no campo

das Ciências Sociais – que constituem os seguintes pares: identidade; estado; memória e

(33)

33 os atores sociais, grupos, sociedades e comunidades, em detrimento da faculdade da memória oriunda de uma organização neurobiológica complexa. Partindo dessa diretriz, discutir-se-á, por meio de uma perspectiva antropológica, a taxonomia das díspares maneiras de manifestação da memória, proposta por Candau (2011), que se referem à protomemória e à metamemória.

A primeira é uma memória de baixo nível que, de acordo com Dummett (1991, p.118), “não pode ser destacada da atividade em curso e de suas circunstâncias”. É fulcral ponderar que

o antropólogo valore essa modalidade da memória, visto que, conforme Bloch (1995, p.49) ,“é

nela que enquadramos aquilo que, no âmbito do indivíduo, constitui os saberes e as experiências

mais resistentes e mais bem compartilhadas pelos membros de uma sociedade”. Logo, pode-se

estabelecer uma analogia com a memória procedural (a memória repetitiva ou memória hábito abordada/discutida por Bergson (1999)), sendo assim, pode-se depreender que a protomemória é, de fato, “uma memória “imperceptível” que ocorre sem tomada de consciência”. (TIBERGHEIN 1997 apud CANDAU 2011, p.23)

A segunda, de acordo com Jiménez (1996, p.24), é “a representação que cada indivíduo

faz de sua própria memória, o conhecimento que tem dela e, de outro, o que diz dela”, já, para

Muxel (1996, p.13), são “dimensões que remetem ao modo de afiliação de um indivíduo a seu

passado”, desta maneira, pode-se inferir, segundo Candau (2011, p.23) que a metamemória é “

uma memória reivindicada, ostensiva”. E pondera que

A protomemória e a memória de alto nível dependem diretamente da faculdade da memória. A metamemória é uma representação relativa a essa faculdade. De fato, os três termos podem ser igualmente conceitos científicos. Mas essa taxonomia é válida desde que o interesse sejam memórias individuais. Nesse caso, essas diferentes noções são perfeitamente adequadas para dar conta de certa realidade vivida por toda pessoa consciente. Andamos de bicicleta sem cair ou saudamos uma pessoa que encontramos na rua adotando uma gestualidade incorporada, da qual nem nos damos conta: devemos isso à protomemória. Em nossa vida cotidiana, mobilizamos regularmente múltiplas lembranças, recentes ou antigas, e temos por vezes a sorte ou infelicidade de conhecer experiências proustianas, mesmo se nos sentimos impedidos de descrevê-las: temos aqui as duas formas de memória de alto nível. Enfim, cada um de nós tem uma ideia de sua própria memória e é capaz de discorrer sobre ela para destacar suas particularidades, seu interesse, sua profundidade ou suas lacunas: aqui se trata então da metamemória. (CANDAU 2011, p.23)

(34)

34

É essa eventualidade que aparece subjacente na expressão “memória coletiva”. Porém

é impossível admitir que essa expressão designe uma faculdade, pois a única faculdade de memória realmente atestada é a memória individual: assim, um grupo não recorda de acordo com uma modalidade culturalmente determinada e socialmente organizada, apenas uma proporção maior ou menor de membros desse grupo é capaz disso.

Seguindo essa linha de raciocínio, Candau (IBIDEM) postula que a acepção de memória

coletiva é “uma representação, uma forma de metamemória, quer dizer, um enunciado que

membros de um grupo vão produzir a respeito de uma memória supostamente a todos os membros desse grupo”. E ressalta que

Essa metamemória não tem o mesmo estatuto que a metamemória aplicada à memória individual: nesse caso é um enunciado relativo a uma denominação –“memória” – vinculada ao que designa – uma faculdade atestada –“como a etiqueta em relação à garrafa”, enquanto no que se refere ao coletivo é um enunciado relativo a uma

descrição de um comportamento hipotético de lembranças. Podemos encontrar na imprensa ou ainda na literatura de valorização do patrimônio inúmeros exemplos

desses enunciados evocando a “memória coletiva” de uma aldeia ou cidade, de uma

região, de uma província etc.. enunciados que geralmente acompanham a valorização de uma identidade local. (CANDAU 2011, pp.24/25).

Nesse processo de construção de identidade, deve-se estar ciente de que é por intermédio de um processo de classificação e ordenação dos fatos que o ator social vai construir e impor sua identidade singular. Tal assertiva é corroborada nas palavras de Candau (2011, p. 84) ao ponderar que

As descontinuidades que ele vai impor sob forma de categorias e taxonomias diversas à sua experiência do mundo exterior permitem-lhe identificar e orientar-se em um corpus de dados sensíveis que seria, de outra forma, caótico. Por essa razão a perda de capacidade de classificar é insuportável tanto para os indivíduos quanto para os grupos: assim, os estereótipos serão, muitas vezes, as muletas de um pensamento classificatório frustrado ou posto em questão por uma massa de informações muito complexa ou desordenada. Do ponto de vista das relações entre memória e identidade, a maneira pela qual esse pensamento classificatório vai se aplicar a categoria do tempo será fundamental, visto que as representações da identidade são inseparáveis do sentimento de continuidade temporal (identidade narrativa, apelo à tradição, ilusão de permanencia, fidelidade mais ou menos forte a seus próprios engajamentos, mobilização de traços historicamente enraízados no grupo de pertencimento etc.)

Dessa maneira, torna-se anacrônico definir identidade coletiva a partir da protomemória, porque temos consciência de que os estratagemas identitários de membros de uma comunidade, de um grupo ou de uma sociedade são constituídos por jogos, que envolvem um grau de complexidade, que ultrapassa o fato de expor, de forma passiva, os hábitos incorporados.

Portanto, pode-se depreender que as identidades não se constituem, tendo por base, “um

conjunto estável e objetivamente definível de “traços culturais” – vinculações primordiais –

(35)

35

sociossituacionais–situações, contexto, circunstâncias -, de onde emergem os sentimentos de

pertencimento, de visões de mundo identitárias ou étnicas”. (CANDAU 2011, p.27)

1.1.2 Memória dos acontecimentos

O ponto de origem não é o suficiente para que a memória possa organizar as representações identitárias. É preciso ainda um eixo temporal, uma trajetória marcada por essas referências, que são os acontecimentos. Um tempo vazio de acontecimento,

cuja maior ou menor densidade permite distinguir os “períodos” e as “épocas”, é um

tempo vazio de lembranças. (GRIMALDI 1993, p.19)

Segundo Tiberghien (1997, p.62) , cada memória “é um museu de acontecimentos

singulares aos quais está associado certo nível de evocabilidade ou de memorabilidade”. Tais

acontecimentos são representados como uma rubrica/marco de uma trajetória singular ou coletiva que encontra sua lógica e sua coerência por intermédio dessa demarcação. Candau

(2011, p.99) salienta que “a lembrança da experiência individual, resulta, assim, de um processo

de seleção mnemônica e simbólica de certos fatos reais ou imaginários qualificados de acontecimentos – que presidem a organização cognitiva da experiência temporal”. E valora a

relevância das lembranças da experiência individual asseverando que “são como átomos que compõem a identidade narrativa do sujeito e asseguram a estrutura dessa identidade”. Logo, por

meio dessa fórmula genérica, pode-se dizer que os significantes da identidade pessoal estão mobilizados em função de três critérios: “eficácia memorial presumida, a natureza das

interações intersubjetivas e o horizonte de espera no momento da rememoração”. (CANDAU 2011, p.99).

Além desses critérios, não se deve esquecer a questão da temporalidade que abarca duas categorias: o presente real e o tempo real, este é abstrato, indefinido, o tempo do instante, em

outras palavras, “é o tempo interrompido, no sentido preciso de uma interrupção imaginária de

fluxo do tempo”; aquele, tempo contínuo- constituído por heranças, por ganhos e por perdas –

aglutinação de um passado que não é totalidade de um passado e de um futuro inscrito em uma perspectiva em espera. Assim, pode-se concluir que “o presente real é rico de uma memória de

ação, ao passo que o tempo real encerra uma ação sem memória”. (CANDAU 2011, p.94)

(36)

36

conforme Chesneaux (1996, p.43), “é omomento em que invade a consciência, submetida a um

tempo uniforme, indiferenciado banalizado”.

Candau (2011 ,p.93) cognomina a sociedade contemporânea de “cronófaga não porque ela devora o tempo, mas porque ela o escamoteia em suas características próprias que são a

duração, o fluxo, a passagem”. Esse escamoteamento da cronologia dos fatos, das vivências impele-nos a retomar a questão da memória versus história no processo de construção e reconstrução da identidade social/cultural. Deve-se situar o coenunciador que tanto a história como a memória são representações do passado, contudo a primeira tem como foco a representação de forma exata e fidedigna; a segunda, não pretende a não ser a verossimilhança. Candau (2011, p.131) pondera se

A história objetiva esclarece da melhor forma possível aspectos do passado, a memória busca mais instaurá-lo, uma instauração imanente do ato de memorização. A história busca revelar as formas do passado, enquanto a memória as modela, um pouco como faz a tradição. A primeira tem como preocupação ordenar; a segunda é atravessada pela desordem da paixão, das emoções, dos afetos. A história pode vir a legitimar, mas a memória é fundadora. Ali onde a história se esforça em colocar o passado a distância, a memória busca fundir-se nele.

Em contrapartida, para Nora (1984:1992 apud CANDAU 2011, p.131) a memória é

A vida, levada pelos grupos vivos, em permanente evolução, múltipla e

desmultiplicada, “aberta à dialética da lembrança e da amnésia, inconsciente de suas sucessivas deformações, vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível a

longas latências e súbitas revitalizações”. Afetiva e mágica, enraizada no concreto, no gesto, na imagem e no objeto, a memória “compõe-se dos detalhes que a confortam: nutre-se de lembranças vagas, globais e flutuantes, particulares e simbólicas, sensíveis

a todas as formas de transmissão, censura ou projeções”. Ela pode, portanto, integrar

-se nas estratégias identitárias. A história, ao contrário, “vincula-se às continuidades

temporais, às evoluções e à relação entre as coisas”. Ela pertence a todos e a ninguém

e tem vocação ao universal. É uma operação intelectual e laicizante que leva à análise, ao discurso crítico, à explicação de causas e consequências. A história é sempre

prosaica e, enquanto “a memória instala a lembrança do sagrado, a história busca

distanciar-se do mesmo”.

Agrega-se o fato de que não somente a memória, em determinados aspectos, empresta alguns traços da história, como também o inverso é verídico, uma vez que ambas podem recompor o passado, tendo como base fragmentos escolhidos, tornar-se, segundo Candau (2011,

(37)

37

desempenha um papel fulcral na produção e manutenção do racismo e chama atenção de nosso

coenunciador ao fato de que “ por meio da mídia de massas as representações raciais são

atualizadas e reificadas”. E dessa forma “coisas” circulam mais ou menos comuns a toda a

sociedade e com ideias mais ou menos sensatas”. Pode-se depreender que a banalização das relações raciais impossibilita os atores sociais compreender/observar, de forma crítica e acurada, as conjunturas de forte desigualdade hierárquica que engendra, de acordo com Guimarães (2004), uma combinação de discriminação com base nos estereótipos mais irracionais juntamente com as desigualdades sociais extremas que legitimam a rubrica característica ao nosso sistema de relações raciais que favorece a invisibilidade de sua própria

natureza perversa. Guimarães (2004, p.13) assevera que “a discriminação em nosso país vem

sempre acompanhada pela arbitrariedade e pela violência aos mais elementares direitos de

cidadania”.

Tendo ciência desse postulado, pretende-se abordar, nos próximos subintes, por um viés histórico e antropológico, as relações raciais no Brasil, já que o elemento histórico e político é essencialmente positivo, se for apresentado por meio de um viés de positivação dos valores imputados de forma pejorativa aos negros. Pode-se exemplificar, neste contexto, com Lei 10.639/2003 que ao inserir no currículo oficial da rede e ensino a obrigatoriedade da temática: História e Cultura Afro-brasileira e africana, nos campos do saber: Educação Artística, Literatura e História do Brasil, retomando, assim, a discussão do papel do afro-brasileiro na formação da sociedade por viés valorativo e não depreciativo.

Por outro lado, se a discussão do papel do afro-brasileiro for tomada como um elemento exógeno/exótico, de acordo com Cardoso da Silva (2006), esconde as razões políticas do seu processo de significação com o propósito de apagar os sinais diacríticos da cultura negra: língua, território, cultura, impossibilitando a constituição de teias de significado e pertencimento, visto que para que haja qualquer laço pertencimento entre os grupos e mediações simbólicas, é preciso, segundo Certeau (1995, p.141), que as práticas sociais tenham significado

(38)

38

1.2 Relações raciais no Brasil

Na verdade, a discussão sobre o racismo e as formas de combatê-lo atingem o âmago do autoentendimento da nação brasileira e de cada um de seus membros, pondo a nu a contradição entre, de um lado, o festejamento discursivo do país livre de preconceitos e, de outro, as práticas sociais e culturais que insistem em reproduzir as hierarquias raciais. (HOFBAUER 2006, p.09)

A sociedade brasileira contemporânea em termos étnico-raciais impele-nos a refletir acerca da realidade cultural e social por meio da ruptura da dicotomia negro versus branco, visto que os termos negro e branco não devem ser abordados isoladamente, mas, concomitantemente com as noções de raça, de cultura e de identidade as quais são conceitos-chave de inclusão e exclusão, de visibilidade versus invisibilidade que foram desenvolvidos, em um primeiro momento, no mundo ocidental.

No entanto, para não malograr nessa empreitada, deve-se, conforme Hofbauer (2006, p.16), respeitar “a historicidade e a carga ideológica dos conceitos atribuídos em cada contexto

histórico”, uma vez que “previne-se a tentação de tratar os termos cor, raça ou cultura como constantes antropológicas, isto é como conceitos neutros, passíveis de serem transpostos para

diferentes épocas e sociedades sem que se façam as devidas mediações históricas e teóricas”.

Portanto, pode-se depreender que as palavras são oriundas de um processo histórico-cultural que, de acordo com Hofbauer (IBIDEM)“ expressa intencionalidades individuais e coletivas e, consequentemente, pode e deve ser visto como intimamente ligado à construção da realidade

social”. Guillaumin (1988, p.159 apud HOFBAUER 2006, p.16) alerta-nos que “as palavras e

ações não pertencem a mundos diferentes e independentes entre si: são elementos de uma

mesma situação” e complementa que

As palavras e a maneira de usá-las, sua história, suas derivações, suas associações e significados implícitos, tal como seu significado explícito, são elementos das relações sociais e dos fenômenos sociais. [..] Como instrumentos das tradições, tanto do conhecimento quanto daquela concepção do mundo difusa que caracteriza uma sociedade ou grupos desta sociedade, marcam a percepção e a ação. Como unidade de significado são módulos concretos das ideologias: o que um falante de latim do mundo ocidental do século XVI entende, quando escuta, lê ou usa a palavra “raça”, distingue -se muito daquilo que essa palavra significa para um ocidental do século XX, independentemente da língua que este fala. (GUILLAUMIN 1998, p.161 apud HOFBAUER 2006, pp.16/17).

Referências

Documentos relacionados

Apesar de se ter aguardado 15 dias após o branqueamento interno e da aplicação de hidróxido de cálcio, existiram diferenças estatisticamente significativas na resistência

O exemplo brasileiro é bastante representativo: o presidente eleito se faz o mandatário dos interesses do mercado internacional, aderindo à agenda econômica dos Chicago

Tendo em vista que os usos mais abstratizados da microconstrução pois não se instanciam no nível interpessoal da gramática do PB, para melhor caracterizar tais usos, nos atentamos

Figura 14 - Produtividade total t ha-1 dos clones SMIJ461-1 e SMINIA793101-3 e sua correlação r com dias de área foliar sadia DAFS, dias, área abaixo da curva do progresso de

Com o objetivo de conscientizar jovens de São José do Cerrito para que possam atuar como defensores ambientais, difundindo o conceito de proteção e preservação da

As hipóteses para obtenção da solução analítica da equação (B) são: difusão líquida é o único mecanismo de transporte de água no interior do sólido; a

O Fornecedor será considerado conhecedor das condições locais onde serão executados os serviços constantes deste memorial, inclusive das facilidades e/ou dificuldades que possam

O candidato poderá requerer, no prazo de 02 (dois) dias úteis, contados da data da publicação a que se refere o item anterior, reconsideração quanto ao indeferimento de sua