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2. Processo de subjetivação dos atores sociais na sociedade contemporânea

2.1 Contemporaneidade

Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são, para quem deles experimenta contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é, justamente, aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente. (AGAMBEN 2009)

Ao se encontrar mergulhado nessa obscuridade e com os sentidos perceptivos aguçados em prol de desnudar o Outro que segundo Geertz (1978, p.04) “é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu,assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como ciência interpretativa, à procura de significados”. Essa perspectiva possibilita-me como pesquisador observar o processo de subjetivação dos atores sociais ancorado em categorias de análise interpretativa em busca de significados, uma vez que o foco não é uma ciência experimental em busca de axiomas. Nesse processo hermenêutico, percebe-se que a percepção do Outro torna-se, na contemporaneidade, um desafio em virtude da fluidez da linguagem, do recrudescimento das tecnologias em prol de uma comunicação sem fronteiras onde o processo de desterritorização e reterritorização torna-se prosaico para alguns internautas que não percebem que há uma dialética entre a interface da tela do computador e o usuário do outro lado. Em um primeiro momento, temos a uma impressão de que estamos sozinhos, visto que o processo de interação entre os enunciadores e coenunciadores é mediado por uma máquina, mas não devemo-nos enganar, pois somos seres sócio históricos, sendo assim, o mundo, estruturado por meio de suas idiossincrasias, está arraigado em nosso ser de forma outorgada guiando-nos no processo de interação e percepção do Outro.

Deve-se enfatizar que tal procura de significados perpassará por uma subjetividade que se encontra descentrada do sujeito, em outras palavras, uma subjetividade que não corresponde

118 a uma “interioridade autocontida que se relaciona com o mundo por meio de representações e que desenvolve e exercita, no meio social, uma capacidade de controle sobre os objetos, sobre o corpo e sobre os outros”, mas uma subjetividade que tem “ênfase na sociabilidade, tomada

como fundante de qualquer processo de subjetivação: o resgate do corpo” (RABELO, C.R e ALVES, P.C 2004, p.188). E ressalta Taylor (2000, p.187) que essa subjetivação é também “ um resgate do Outro”. Nesse processo de resgatar o Outro, observa-se uma socialização, ancorada em relações assimétricas que engendram desigualdades, estas trazem à tona a questão da inferioridade: constructo sócio histórico para justificar o processo de dominação que se perpetua até os dias atuais. Segundo Cardoso da Silva (2006), a questão da inferioridade ocupa na sociedade brasileira um paradoxo: inclusão do negro em um “ lugar de inumano, de inferior, mas quando se fala em beneficiá-lo este se torna sempre vilão” e enfatiza “ o antirracista torna- se racista, uma vez que se contrapõe o discurso da democracia racial

Tendo como base essa diretriz, pretende-se, nos próximos subitens, discutir o conceito de subjetividade, de intersubjetividade e identidade na contemporaneidade. E para lograr êxito, nesse processo interpretativo do Outro, serão discutidas as categorias de análise fenomenológicas da obra de Merleau Ponty (1999), mais especificamente a fenomenologia da percepção e a estrutura do comportamento, as quais me permitiram ancorar a proposta de modelo netnográfico como método de pesquisa.

2.2 Subjetividade

A imagem da subjetividade humana legada pelo cogito cartesiano dominou o pensamento ocidental por alguns séculos. (SANTAELLA, 2007)

Os vários questionamentos que emergem acerca da subjetividade nas redes sociais estão atrelados às identidades múltiplas que o cibernauta tem a possibilidade de constituir/desenvolver na esfera mediática das redes sociais. É relevante pontuar que o processo de comunicação por intermédio dos meios digitais é, de certa forma, incerto tanto em termos da interpessoalidade como organizacional, graças a uma comunicação não-linear que engendra uma relação entre e o Eu e Outro que, de acordo Santaella (2007, p.83), “é rodeada de ambiguidades, geradas, por exemplo, pelo potencial para o anonimato, para a construção múltiplas de Eus e identidades nos espaços plurais que a internet propicia”.

Nessa conjuntura, para compreender o conceito de subjetividade o ator social deve ser cônscio de que esses questionamentos são oriundos do fato de que a imagem da subjetividade

119 humana era produto do cogito cartesiano o qual dominou o pensamento ocidental por alguns séculos. SODRÉ (2002, p.33) pondera que

[..] na reflexão cartesiana, o espírito pensa e sente ( por estar ligado ao corpo) na medida em que é um “Eu” racionalmente consciente de si mesmo. Sentir é, no limite, pensar. Entronizada, a razão deve sempre transparecer na representação e no sujeito. Esse último termo deve ser entendido como um “suporte” ou um “sustentáculo”, isto é, uma identidade capaz de sustentar ou servir de fundamento para a mudança: ainda que mudem as qualidades acidentais, o sujeito permanece idêntico a si mesmo. Com Descartes, o “Eu do “Eu penso” garante a subjetividade do sujeito, logo a subjetividade da consciência afirmando a identidade pessoal.

Segundo Santaella (2007, p.85), a ideia de sujeito que é elaborada por nós corresponde “a um sujeito racional, reflexivo, senhor do comando do pensamento e da ação, cujos pressupostos atravessaram as filosofias kantianas, hegelianas, fenomenológicas e até a existencialista”. Tadeu da Silva (2001, p.15) ressalta que “esse sujeito é, na verdade, o fundamento da ideia moderna e liberal e democrática. É ele, ainda, que está no centro da própria ideia moderna de educação”. Não obstante, o devir das metamorfoses, provocadas pela revolução da informação e da tecnologia e por mudanças culturais ao longo dos séculos XIX e XX, trouxe, à tona, conforme Villaça (1999, p.102), “ a instabilidade e a dinâmica complexa, bioideológica, pela qual o sujeito é marcado: múltiplo, estigmatizado pela falta, descentrado, uma verdadeira estrutura dissipativa em que ordem e desperdício se conjugam”. Sendo assim, observa-se um processo de desconstrução dos antigos “sujeito” e do “Eu”, visto que emergem novas imagens de subjetividade, arraigada na multiplicidade, na heterogeneidade, na flexibilidade e na fragmentação que nos possibilita a postular que a subjetividade, a posteriori de Descartes, é “distribuída, socialmente construída, dialógica, descentrada, múltipla, nômade, situada, inscrita na superfície do corpo, produzida pela linguagem etc”. (SANTAELLA 2007, p.86)

Nesse processo de complexificação e de incerteza, Morin (1996) assevera que a incerteza existencial é a rubrica do ser humano o qual sente a necessidade de fundar o pensamento na ausência de pensamento e de reinventar o sujeito partindo do pressuposto da lógica o ser vivo: bio-lógica. Doménech et al (2001) buscam romper o paradigma do naturalismo social, justificado na cisão dicotômica natureza/sociedade e deve-se salientar que essa cisão pode ser observada na teoria do Ator-Rede, a qual se origina por meio dos estudos da ciência, com base nas formulações de Michel Serres. De acordo com os autores, a teoria Ator-Rede desempenha um papel fulcral, visto que recupera o papel do tecnológico, dos objetos, do natural, no processo explicativo acerca dos questionamentos que se elaboram/formulam alheias a essa classe de elementos, a saber: as relações de poder, a

120 constituição de subjetividades, que surgem sob um novo olhar, já que não a consideramos como processo exclusivo do ser humano, e sim, da simbiose entre ambos.

A subjetividade pode emergir sob as lentes semióticas de Bakthin e Peirce, os quais acentuam o caráter dialógico e social da linguagem na constituição do sujeito. Benveniste (1971) utiliza as dêixis (pronomes pessoais eu/tu e advérbios aqui e agora) para elucidar que o Eu como sujeito do ato enunciativo constitui um lócus de subjetivação, onde o Eu instala um Tu em um determinado momento aqui e agora, uma vez que é por meio da linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito, possibilitando-lhe estabelecer, de acordo com Santaella (2004, p.18), “unidade psíquica que transcende a totalidade das experiências reais que ela reúne, produzindo a permanência da consciência”. No entanto, Rose (2001, p.149) argumenta que as formas pronominais “são um conjunto de signos “vazios”, sem referência a qualquer realidade, que se torna “plena” quando o falante introduz a si próprio em uma instância do discurso” e ressalta que se deve ter ciência de que “o lugar do sujeito é um lugar que tem que ser constantemente reaberto, pois não existe qualquer sujeito por detrás do “Eu” que é posicionado e capacitado para se identificar a si mesmo naquele espaço discursivo: o sujeito tem que ser reconstituído em cada momento discursivo de enunciação”. Dessa maneira, pode- se depreender que a subjetivação não se refere apenas a um processo puramente gramatical, porque surge de um regime de signos, alicerçado num agenciamento ou a uma organização de poder, e não está atrelado a uma condição interna à linguagem.

Tendo consciência desse fato Foucault (1986) propõe, em sua obra Arqueologia do poder, o termo modalidades discursivas com a finalidade conceptualizar as maneiras sob as quais a linguagem aparece em espaços e épocas, possibilitando a nós (pesquisadores, intelectuais, cidadãos) arguir os seguintes questionamentos: quem pode falar?; de que lugar fala?; que relações estão em jogo entre, de um lado, a pessoa que está falando e o objeto do qual ela fala e, de outro, aqueles que estão sujeitos à sua fala?, já que a linguagem não pode ser reduzidas a categorias linguísticas. Foucault (1986, p.61) ressalta que tais indagações não têm a finalidade de unificar o sujeito nem construí-lo como uma sequência de seus efeitos, mas “trata-se de uma questão dos diversos status, dos diversos lugares que devem ser ocupados em regimes particulares para que algo se torne dizível, audível, operável”. Por conseguinte, as relações entre os signos são sempre reunidas no interior de outras relações.

Deleuze (1991) pondera que a subjetividade está alicerçada na complexa tipologia da dobra que nos possibilita traçar/seguir labirintos, passar por múltiplas camadas, aglutinar coisas

121 diferentes, estabelecer o continuum por meio das transições insensíveis, entre uma transversalidade entre planos. Na perspectiva Deleuziana (1991, p.131)

O mundo só existe em seus representantes tais como estão incluídos em cada mônada. É um barulho, um rumor, uma névoa, uma dança de poeira. É um estado de morte ou de catalepsia, de sonho ou de adormecimento, de desvanecimento, de aturdimento. É como se o fundo de cada mônada fosse constituído por uma infinidade de pequenas dobras (inflexões) que não param de se fazer em todas as direções, de modo que a espontaneidade da mônada é como a de um adormecido que rola de um lado para outro em sua cama.

2.3 Intersubjetividade

A intersubjetividade é afirmada por uma tese natural, por uma prática comum de comunicação e, se considerarmos apenas isso, trata-se de um tema central da Filosofia, principalmente quando pensamos numa filosofia de orientação fenomenológica que procura na descrição das nossas vivências imediatas o sentido fundante de toda existência como na obra de Merleau Ponty. (FALABRETTI 2010, p.516)

Em contrapartida, a intersubjetividade é um problema para a Filosofia, orientada em um pensamento objetivo, uma vez que refuta a significação da comunicação natural. Nota-se que esse objeção de significação, no pensamento clássico, é alicerçado em uma concepção de um cogito constituinte o qual se desdobra perante si toda a realidade, em outra palavras, esse cogito, de acordo Falabretti (2010, p.517), é “juiz de todas as significações, conhecedor de todas as relações”, por conseguinte, é “o polo fundante de toda forma de comunicação”.

Deve-se salientar que a ausência de incertezas proporcionada pelo postulado “Eu, sou e existo” foi o passo inicial, segundo Falabretti (IBIDEM, p.517), “para, ordenamente, estabelecer a verdade sobre a alma, sobre Deus, sobre a matemática, sobre a natureza material e, ainda, sobre a união substancial entre corpo e a alma”. Sendo assim, o “Eu” detém em si o poder de desnudar os segredos do mundo e, nessa diretriz, descobre, interroga e responde pelo Outro, esta assertiva pode ser elucidada como excerto de Descartes (1991, p.179)

[..] se por acaso não olhasse pela janela homens que passam pela rua, à vista dos quais não deixo de dizer que vejo homens da mesma maneira que digo que vejo a cera; e, entretanto, que vejo desta janela, senão chapéus e casacos que podem cobrir espectros ou homens fictícios que se movem apenas por molas? Mas julgo que são homens verdadeiros e assim compreendo, somente pelo poder de julgar que reside em meu espírito, aquilo que acreditava ver com meus olhos.

Conforme Descartes (1991), o julgamento exerce um papel imprescindível, visto que corrige e ultrapassa os sentidos das imperfeições, sobrepõe-se aos gestos expressivos do corpo do Outro e, portanto, estabelece o seu primado na constituição/elaboração do Outro, nas palavras de Falabretti (IBIDEM), “são homens não porque se mostram como tal, mas fundamentalmente, em função do poder de julgar que reside em seu espírito”. Por outro lado,

122 pelo arcabouço teórico de Merleau Ponty (1999), as relações intersubjetivas são visadas, de forma clara, em um campo pré-reflexivo e descritas por intermédio de uma série de vivências e realizações que se desdobram no domínio pré-lógico da experiência no mundo, em outras palavras, a intersubjetividade é resultado da comunicação natural que nasce juntos às maneira/aos modos de expressão do Outro.

Para esclarecer esse postulado, pretende-se, nos próximos subitens, apontar, nas primeiras obras de Merleau Ponty (Estrutura do comportamento e na Fenomenologia da percepção), os caminhos para alcançar o Outro sem coisificá-lo, isto é, por meio de uma comunicação entre as subjetividades.

2.4 Identidade na contemporaneidade

Ter uma identidade fixa é hoje, nesse mundo fluido, uma decisão de certo modo suicida. Zigmund Bauman

Lidar com o mundo metamorfoseado pelas novas mídias digitais. Impele a nós (pesquisadores, intelectuais) a um processo de introspecção intenso e de constante busca de valoração dos símbolos que nos norteiam dia a dia. Tais símbolos podem nos incomodar ou não depende de nossa vulnerabilidade ou estabilidade de tentar desnudá-los com criticidade, racionalidade, equilíbrio diante de uma psique descentrada e em pleno processo de intersubjetividade, ancorado em valores culturais, em uma memória social que nos guiam de forma outorgada. Romper com esse ciclo, demanda do ator social que habita esse orbe pós- digital destrinchar as dobras, as teias de significados que construímos, em contrapartida, se não ocorrer o desnudamento das teias ou das dobras tornar-se-ão o lócus de segurança e de estabilidade, impossibilitando o confronto e conduzindo a atitude relativista perante os fatos.

É nesse contexto, caro coenunciador, que começo a discussão acerca do conceito de identidade na contemporaneidade, com propósito de enfatizar tanto o paradigma universal da antropologia que a identidade constrói-se na alteridade, como também outros fatores que estão subjacentes a categoria alteridade, logo, a alteridade é o primeiro embate de um processo gradual que nos guia durante nossa trajetória em uma sociedade em um intermitente processo de mutação. Seguindo essa linha argumentativa, observa-se, no cotidiano, que o processo perceptivo do Outro acerca da diversidade percorre além do mero registro da variedade de aparências, visto que, segundo Sodré (1999, p.15), “ o olhar ao mesmo tempo em que percebe,

123 atribui um valor e, claro, determinada orientação de conduta”, esta influenciada pela globalização tecnoeconômica, considerada uma etapa qualitativa da planetarização, que segundo Sodré (1999, p.17), “ aceita a fragmentação territorial” mas por outro lado tem como pressuposto o nivelamento das diferenças de um povo, de uma comunidade e dos seus respectivos costumes em prol da virtualidade do mercado, sendo assim, “deixa intocada a questão do etnocentrismo ocidental, a questão essencial da heterogeneidade simbólica”. (SODRÉ 1999, p.17).

A questão da identidade, nesse contexto, é latente e por isso gera questionamentos acerca de seu processo. Com o intuito de impelir o meu coenunciador a compreender de forma pormenorizada a temática identidade, situo o conceito do termo identidade, este é originado do termo Ipse e Idem, este (versão latina do grego auto, “o mesmo”) que é oriundo do latim escolástico em identitas, em outras palavras, a continuidade/permanência do objeto, uno e idêntico a si mesmo embora sofra as vicissitudes e as pressões de mutação interna e externa. Sodré (1999, 35) complementa que o termo Idem latino “faz referência à igualdade ou à estabilidade das representações, possibilidades pela ordem simbólica e pela linguagem, mas também unidade do sujeito consigo mesmo”. O termo Ipse, em contrapartida, é o mesmo, no entanto não está relacionado a outro, em outras palavras, não é igual mas si mesmo, Sodré (1999, p.37) pondera que o Ipse “ acolhe na igualdade todas as diferenças: não é um caminho pronto para se andar, mas o caminho que surge com e ao se andar”.

SODRÉ (1999, p.38) pondera que

O homem recebe do ser a própria possibilidade de como ele identificar-se, que por sua vez só se revela ao homem por meio de uma interpelação (algo assim como um juiz, que só fala se solicitado), neste momento, aparece a diferença entre o ser e o ente. E todo pertencimento é, assim, uma recíproca escuta na diferença, e toda identificação se dá no comum- pertencer, com acento forte no ator de pertencer.

E complementa que

[..] o ser deixa de ser um fundamento, um arkhé, enquanto estrutura eternamente estável, para conceber-se como acontecimento (Ereignis), isto é, uma apropriação das propriedades. É só na e pela apropriação que surgem ou podem surgir propriedade. Não há relação de igualdade ou de pura uniformidade entre o ser e o homem, mas de diferença, movimentada historicamente pelo acontecimento. (SODRÉ, 1999, p.39)

E Ricouer (1985), a partir da distinção entre o Idem e Ipse, menciona a questão da continuidade do tempo, atrelada à ideia de identidade – Idem ou mesmidade. Tal fato pode ser corroborado, quando, no cotidiano, olho para um livro, em seguida, olho para outro, tenho a capacidade de reconhecer o segundo como idêntico ou mesmo que o primeiro. Nesse caso a

124 identidade é quantitativa, ou seja, o mesmo objeto duas vezes e será, em contrapartida, qualitativa se eu ampliar as similitudes entre eles e explicitar que os dois livros possuem a mesma cor. Na perspectiva de Ricouer (1985), a identidade de si ou Ipseidade é construída em relação com a diferença, ou seja, em um jogo, que funciona por intermédio de aparências distintas, sem lócus para a certeza cartesiana em relação à estabilidade racional/lógica do sujeito de consciência. Sodré (1999, p. 46) chama-nos a atenção ao fato de que

A mesmidade caracteriológica, por outro lado, procede de modo inverso ao da ipseidade: recusa a interpretação histórica e a ficção, pretendendo-se “natural”, crendo controlar todos os seus próprios fundamentos. Assim, aparecem as representações racistas, estas são formas interpretativas congelantes da diversidade humana, portanto da dinamicidade histórica do Outro.

Tais representações são produto da cultura, a qual defino como um conjunto de mediações simbólicas (língua, costumes, leis, regras, mitos etc) entre o sujeito e o mundo, de acordo com Sodré (1999, p.46), cabe a cultura responder pela identidade, em outras palavras, “pelas articulações originais que fazem o Um de si mesmo e não outro, tanto pela exclusão como pela inclusão dos outros em potencial e em virtual”. E salienta que a ideia de cultura “equivale à de uma “unidade de identificações”, capaz de falar – por mitos, por ideologias, por obras de expressão – da igualdade de si mesma, mas sempre na corda bamba de um limite, que é a diferença” e elucida que o conceito unidade cultural.

Não se trata de uma unidade de representação (ou seja, um universo fechado de normas, de costumes e de valores) e sim de uma forma, um modo de abordagem do real, onde se entrecruzam discursos e repertórios (valores, significações, padrões de conduta, etc.) portadores de representações de unidade, suportes de processos de estruturação. Em outras palavras, a cultura é um vazio positivo, uma ideia de unidade, mas ideia forte o bastante para levar à invenção tanto de representações de identidade quanto de alteridade. Na prática, o que experimentamos de uma cultura é a variedade de repertórios, onde se embatem simbolizações, hábitos e enunciados. Mas por meio dela, as identidades podem ser reconhecidas. (SODRÈ 1999, p.47)

Sendo assim, pode-se inferir que a cultura assevera a “unidade das identificações” que tem como foco solucionar a diversidade das parte em um cosmo ou em um todo hábil de regular a inserção dos sujeitos/indivíduos na sociedade. Nesse processo, ocorre simultaneamente à noção de cultura, do estético e do político, este possibilita idealizar as relações sociais que instituem a cidadania, visto que a identidade é auferida pela cultura; aquele atrelado à percepção de regularidade de um objeto (sujeito enquanto produtor de sentido) que concomitantemente torna possível tal objeto. Por fim, pode-se ponderar que tais questionamentos acerca do processo identitário também é discutido pela psicanálise contemporânea que redefine o sujeito como um efeito de linguagem. Por meio dessa premissa, Lacan diferencia a categoria “biológica

125 do indivíduo” da categoria “ego” enquanto instância psíquica, com a finalidade de mostrá-lo