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A importância da teoria na pesquisa

No documento Pesquisa em Mídias na Educação (páginas 60-65)

Num artigo de síntese sobre o papel da teoria na investigação científica, Queiroz (2005) pontua algumas conclusões que são relevantes a propó- sito dessa questão e que vale, por isso, reter:

1. Toda pesquisa deve firmar-se em referenciais teóricos, entendidos como princípios, categorias, conceitos que possibilitam funda- mentar e desenvolver o trabalho do pesquisador [...]. Uma pesqui- sa de campo sem um referencial teórico de apoio pode cair em um empirismo vazio;

2. O referencial teórico é sempre uma opção do pesquisador. [...] 3. Embora Antônio Joaquim Severino (2004) afirme que o pesquisa-

dor deve sempre firmar-se em um quadro teórico lógico, sistemá- tico, consistente, coerente e orgânico, ele não pretende concluir, e também nós, pelo predomínio da teoria, pois cabe a ela a função de indicar rumos, não podendo figurar como uma camisa de força para enquadrar a realidade [...];

4. A teoria é relevante, como foi dito, mas tem limites, porque é um recorte da realidade, ou um filtro pelo qual o pesquisador enxerga a realidade, mas não abarca a totalidade do real;

5. Pode-se dizer, para usar expressão de Edgar Morin (2003, p. 299) que há um “[...] círculo ou anel recursivo [...]” entre teoria e pro- blema da pesquisa. A teoria gera o(s) problema(s) e este(s), por sua vez, rebatem na teoria [...] há sempre um trânsito constante entre teoria e empiria;

6. O referencial teórico é sempre dinâmico, nunca estático. Não é orientação pronta e nunca estático. Não é orientação pronta e única, mas vai sendo construído e reconstruído de acordo com as exigências do desenvolvimento do objeto. [...] (QUEIROZ, 2005, 16-17)

Em outras palavras, a “função dos conceitos é indicar as categorias que, a propósito de nosso objeto, darão esclarecimentos maiores do que quaisquer outros conjuntos de categorias” (idem).

“Usualmente, o ponto de partida no início da investigação dos fe- nômenos da sociedade, é dado pelo senso comum, pela prática apa- rente e suas representações”, nota Gohn (2005, 257). “No entanto”, argumenta a autora, “a produção do conhecimento científico só ocor- rerá pela ruptura desse senso comum, que deverá ser trabalhado de forma crítica, por meio da reflexão mediada pelo uso de categorias” (idem). Avaliação similar é feita por Lopes que vê a teoria, quando concebida como parte integrante do processo metodológico, como “o meio de ruptura epistemológica [...], através de um corpo sistemático de enunciados e de sua formulação conceitual visando captar e expli- car os fatos” (2005, 124).

Para ressaltar ainda mais a importância do uso da linguagem conceitual, como estratégia de conhecimento dos fenômenos, é útil uma afirmação de Einstein (apud LAVILLE e DIONNE, 1999, 92):

O pesquisador é, às vezes, como um homem que desejaria conhecer o mecanismo de um relógio que não pode abrir. Apenas a partir dos elementos que vê ou escuta (as agulhas giram, o tic-tac) pode procu- rar uma explicação elucidando, e do modo mais simples, numerosos fatos, inclusive, até, invisíveis. São os conceitos de movimento, de roda, de engrenagem que permitem compreender, sem o ver, o meca- nismo do relógio.

O pesquisador deve precaver-se contra a tendência a confundir con- ceitos – tanto os de nível operatório (induzidos da realidade), quanto os de teor mais abstrato, os sistêmicos, que se integram a quadros teóricos mais amplos –, com as suas prenoções. Estas são as “repre- sentações vulgares da realidade social [e] constituem nela o nível 0 do conhecimento científico” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992, 136). A pro- dução do conhecimento procura ultrapassar esse nível, alcançando maior grau de rigor. Para tanto, a tarefa de descrição e análise dos termos utilizados na pesquisa com pretensão explicativa é essencial. Também representa um dos índices de objetivação – isto é, uma for- ma do pesquisador torna-se consciente do trajeto de construção de conhecimento que adota – da pesquisa. Esta atitude é relevante, por estabelecer uma possibilidade de controle a eventuais aspectos que causem prejuízo à investigação, como tomar as prenoções ou pre- conceitos como pressupostos (não conscientes) da pesquisa. O cará-

ter negativo dessa situação será na proporção que influenciar as esco- lhas realizadas durante o processo de investigação.

À medida que o pesquisador procura situar-se frente ao problema e à problemática, naturalmente, recorrerá à literatura teórica e pesqui- sas que discutem termos teóricos, e perceberá nesta “revisão da litera- tura” que – por vezes – um mesmo conceito adquire diferentes sentidos. Terá, então, que reflexivamente optar, escolher, dando for- ma ao seu Quadro Teórico de Referência (QTR). Este será discutido em mais detalhe, no entanto, quanto às apropriações teóricas que dão forma ao mesmo, é válido notar que o alcance das mesmas é variado. Paradigmas e o alcance das teorias

As teorias diferem em âmbito ou abrangência, existindo, conforme uma terminologia usual, teorias de nível macro, meso e micro. Todas elas derivam de concepções de grau mais geral e abstrato ainda, isto é, as grandes teorizações que servem como “quadros de referência” às demais: os paradigmas . Nas ciências sociais, estes são tradicional- mente associados ao marxismo, ao positivismo (ou funcionalismo) e à vertente compreensiva (ou weberiana). (Uma exposição bastante didática dos paradigmas clássicos das ciências sociais e de seu legado é feita por Ianni, 1989.)

Porém, cabe notar, que no contexto atual, tais paradigmas sofrem atualizações, releituras, diferenciações e há também influência dos contextos acadêmico-geográficos particulares no desenvolvimento das perspectivas gerais (paradigmas) sobre a pesquisa e os modos de construir o saber. Nesta linha, expressando uma compreensão mais típica do mundo anglo-saxão, Creswell (2010), por exemplo, fala em quatro “concepções filosóficas” (paradigmas) que têm embasado as pesquisas no âmbito mencionado: pós-positivista, construtivista, reivindicatória participativa e pragmatista.

A primeira e a última se caracterizariam por adotar a existência de um “mundo externo” independente da mente dos indivíduos como algo verdadeiro e, nesse sentido aproximam-se mais da crença na objetividade e capacidade da pesquisa social medir as características dos fenômenos (externos a todos os indivíduos). Já os construtivistas sociais acreditam que a “realidade” é múltipla, pois decorre da elabo- ração de significados, pelos indivíduo engajados em contextos diver- sificados e com perspectivas históricas e sociais próprias; nessa linha as interpretações e os discursos dos participantes de uma pesquisa são

Vide nota 5. Cf. o tópico 10.

valorizados. A vertente reivindicatória/participatória radicaliza a pre- ocupação com uma agenda de ação social, existente também nos construtivistas, voltada os indivíduos com os quais busca colabora- tivamente construir conhecimento para transformações.

As duas últimas vertentes, em função de suas preocupações e pres- supostos, mobilizam mais frequentemente abordagens qualitativas de pesquisa, já a primeira utiliza métodos quantitativos e a pragmáti- ca tende a advogar a utilização de métodos mistos (qualitativos e quan- titativos). Vale aqui, ainda, somente indicar que no estágio atual do debate epistemológico existem também outras discussões e propos- tas alternativas, potencialmente convergentes (entre si e em nível macro), como a do “paradigma da complexidade” (Morin, 1995) ou o “paradigma emergente” (Santos, 1988).

Quanto ao exposto, provavelmente, será mais importante ao pro- fessor pesquisador perceber os pressupostos relativos ao conhecimento que estão por trás das teorias que ele prefere e adota, podendo usar em sua pesquisa, do que necessariamente se aprofundar excessivamente no tema. Ao escolher certa abordagem da realidade, sob determina- dos pontos de vista que se coadunem com determinados posiciona- mentos sobre o objeto e sobre o conhecimento, um autor se mostrará mais próximo de um paradigma ou outro. A escolha das teorias, do mesmo modo, evidencia a filiação paradigmática de um estudo.

Por outro lado, o passo reflexivo recomendável relativo à análise dos pressupostos das teorias – além de esclarecer os próprios pontos de vista de um pesquisador – previne as combinações incompatíveis, do ponto de vista da construção do conhecimento, no plano epistemológico. Teorias derivadas de paradigmas diversos terão geral- mente um diálogo antes em termos de contradição ou confrontação – por vezes até enriquecedora – do que de fortalecimento mútuo numa investigação.

O que se disse sobre os paradigmas não implica desqualificação dos que adotam certa “visão de mundo” diferente da nossa, mas salienta o cuidado que o pesquisador deve ter em suas articulações teóricas (e paradigmáticas). Para dar um exemplo que deve ser esclarecedor aos professores: Skinner e Freire, cada qual ao seu modo, deram contri- buições ao conhecimento da educação, todavia, por suas teorias par- tirem de paradigmas (crenças, valores, pressuposições sobre o mun- do, etc.) muito diversos, elas têm capacidade limitada de serem coe-

rentemente articuladas numa proposta de pesquisa. (Isso não quer dizer que o confronto de conceitos e teorias, mesmo diversas, seja improdutivo. Ao contrário, uma análise comparando as ideias de autores como os citados – que, aliás, refletem sobre as tecnologias e a comunicação na educação –, numa investigação com uma aborda- gem teórica e bibliográfica, poderia ser interessante. O que se ressalta é a dificuldade de concepções teóricas diferentes proporcionarem uma base coerente a um estudo empírico.)

Quanto ao alcance das teorias, as de nível macro dizem respeito a totalidades culturais, sociais ou institucionais (p.ex., as teorias da “so- ciedade pós-moderna”, marcada pelas tecnologias) e situam-se aqui os conceitos sistêmicos, já mencionados; as teorias de nível micro estão relacionadas a um pequeno número de pessoas, ou a espaços e tempos limitados (p.ex., teorias sobre interações em salas de bate- papo) e nesse caso os conceitos operatórios prevalecem; já as teorias meso (ou de médio alcance) situam-se entre as mencionadas, estabe- lecendo uma mediação entre elas (p.ex., teorias sobre como a educa- ção adapta-se à sociedade “pós-moderna”). São as teorias de nível micro e meso que mais se prestam à operacionalização em termos do trabalho de investigação de determinada problema, atuando como guias empírico-analíticos . Todavia, todas as teorias que a pesquisa mobiliza ajudam a delimitar o problema, estabelecer ângulos de ob- servação, indicando possibilidades à investigação. Em outras pala- vras, a teoria age como “uma lente orientadora que molda os tipos de questões formuladas, quem participa do estudo, como os dados são coletados, as implicações extraídas do estudo” (CRESWELL, 2010, 244). Nesse sentido, a tendência de boa parte da pesquisa pedagógica, observada por Lankshear e Knobel (2008), em evitar a discussão da “teoria” deve ser criticada. Para estes autores, essa situação decorre da percepção de muitos professores de que a teoria é algo muito abstrato, confuso e complexo. Essa desconfiança deve ser superada e substitu- ída por um enfrentamento produtivo das teorias que sirvam à inves- tigação, que possam colaborar com o posicionamento do autor e com o estudo que ele fará. “Os professores precisam tanto de competência teórica quanto de competência prática. O truque é localizar e desen- volver uma teoria profunda, que seja adequada às nossas necessida- des” (LANKSHEAR e KNOBEL, 2008, 37).

Ver o tópico 22.

Guia de Estudo: problema, pressupostos,

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