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Empiria, teoria e hipóteses

No documento Pesquisa em Mídias na Educação (páginas 75-80)

Termos como empiria, teoria e hipóteses parecem, muitas vezes, ao iniciante em pesquisa, complexos. O fragmento textual, a seguir, do sociólogo Peter Mann (1975), explicita-os com clareza, evidenciando as relações entre os mesmos (os destaques em negrito são nossos).

Em geral, o empirismo é baseado em experiência direta somente e ignora afirmações alicerçadas em qualquer coisa que não a expe- riência. Em sua forma extrema, portanto, o empirismo limita-se aos resultados da observação direta e nega o valor da teoria, visto como esta é generalização diante da observação em primeira mão. [...]

Numa noite, jogando tênis, torci o braço direito seriamente [...]. Meu clínico geral diagnosticou um caso grave de “cotovelo de tenista” e mandou-me ao ambulatório [...] o médico deu-me uma injeção de cortisona, [...] após uma semana minha mão estava no- vamente utilizável. Mas o tratamento com cortisona era, disse-me o médico, bastante empírico. A classe médica sabia o que a cortisona faz, porém não sabe explicar como isso se dá. Eles não dispõem de uma teoria geral na qual se possa encaixar essa determina- da atuação. Se tivessem, seu conhecimento do valor da cortisona aumentaria então consideravelmente [...].

[...] a teoria é ao mesmo tempo tanto as generalizações amplas que levam o pesquisador a novas indagações quanto os enun- ciados precisos de inter-relações que auxiliam a acertar algu- mas das pontas soltas da compreensão. [...] a teoria verdadeira estimula ideias a respeito não se sabe de que em domínios ainda inexplorados. As ideias que surgem de uma compreensão teórica são denominadas hipóteses [...].

[...] A teoria, pois, não é meramente especulação, mas uma compo- sição de fatos inter-relacionados dos quais podemos deduzir novas relações. Não sabemos ainda se essas deduções estão certas, pois ainda não foram comprovadas. É ao apresentar novas ideias, deri- vadas de bases teóricas, que a hipótese exerce sua função. Geral- mente as hipóteses procuram refinar a teoria, já que as generaliza- ções feitas podem ser relativamente de baixo nível e toscas, e as novas hipóteses tendem a produzir um enunciado mais requintado das relações. Hipóteses, por conseguinte, ajudam-nos a refinar a teoria trazendo à consideração mais minúcias em áreas de pesquisa que previamente só tenham sido exploradas de ma- neira um tanto grosseira. (MANN, 1975, 42-45)

necessariamente teorias desenvolvidas.

A discussão feita aqui ressaltou a importância das hipóteses, mas também limitações que a formulação da mesma pode apresentar num a investigação específica, em particular de abordagem qualitativa, de acordo com alguns autores. Nessa perspectiva, cabe ao cursista do

Mídias na Educação discutir com seu orientador a pertinência de

elaborar e utilizar hipóteses ou premissas em sua pesquisa. (11) As justificativas são apresentadas explicitamente

As justificativas, sejam de ordem pessoal, social ou científica, devem vir expressas claramente, de modo que fique evidente o alcance e a importância ou relevância da pesquisa.

Esta é essencial justamente porque legitima a pesquisa, ou seja, traz os argumentos que demonstram a necessidade daquela investigação e os fundamenta. Kaplan (1972) nota que, ao realizar uma investiga- ção, há sempre, por parte do pesquisador, certos propósitos e motivos. Os primeiros relacionam-se às atividades de investigação e aos pro- blemas de conhecimento que se pretende resolver. Os motivos, por sua vez, têm relação com a atividade de pesquisa e toda a espécie de conduta que ela envolve (o “gosto” por esta atividade pode ser uma motivação do pesquisador). Existem, com efeito, motivos diversos para que alguém realize uma pesquisa, assim como propósitos varia- dos e ambos podem inter-relacionar-se. Isto poderá se dar de uma maneira positiva, fortalecendo as justificativas de uma pesquisa.

A explicitação da experiência do pesquisador e seu interesse prático quanto à temática ou problema investigado podem articular-se, por exemplo, a dimensões relativas à relevância intelectual do problema

(DESLANDES, 2000), embasando o porquê se realizou a pesquisa. O que

não deve ocorrer, pois é fonte de tendenciosidade , é a “intrusão de motivos extracientíficos na realização de propósitos científicos”

(KAPLAN, 1972, 383).

(12) Justificativas evidenciam importância da pesquisa

Segundo Gohn (2005), a relevância de uma pesquisa toma como referência tanto o problema em si – e portanto relaciona-se com a importância do mesmo para determinada área de pesquisa – quanto o seu entorno social: a sociedade, o Estado, a universidade, o território ao qual se relaciona a investigação, bem como os indivíduos que são afetados pela temática. Nesse ponto, tem visão similar à de Luna

O tema é aprofundado no tópico 41.

(2002), que nota que um problema deve ter, pelo menos, relevância teórica e social. Este autor observa também que o quesito “originali- dade” pode ser um critério importante para avaliar um problema, justificando uma pesquisa. Porém, destaca que “umas coisa é repisar o que muitos já disseram; outra é imobilizar-se à procura do absolu- tamente original” (LUNA, 2002, 37). Assim, recomenda ao pesquisa- dor que perceba o caráter social e coletivo da atividade científica, evitando algum dos extremos da formulação mencionada. Pode-se ainda notar, quanto ao elemento original, próprio, de uma investiga- ção, que este se situa não necessariamente no tema, mas, talvez, na abordagem teórica e/ou metodológica do trabalho, bem como nos contextos envolvidos com o problema.

Do ponto de vista das justificativas mais internas a um campo de conhecimento, a verificação sobre o que já se sabe sobre o assunto recoloca a questão do ineditismo de um trabalho, e permite avaliar melhor a sua provável importância para uma área de pesquisa. Sobre o tema abordado, sabe-se muito, pouco? Em que consistirá a contri- buição do trabalho em termos do estado conhecimento? Como Sánchez Gamboa (2003, 397-398) observa, a

pesquisa se justifica quando as respostas sobre os problemas não estão dadas ou quando as respostas obtidas pelo pesquisador ou oferecidas pelos saberes acumulados na literatura científico-filosófica, ou por pesquisas anteriores não são satisfatórias nem são suficientes para esclarecer ou diagnosticar à problemática abordada.

Bonin observa, por outro lado, que algumas “pesquisas, como parte das contribuições que nos legam, abrem linhas de questionamentos pendentes que podem se converter em bons problemas de pesquisa” (2006, 34). Nesse sentido, esse conhecimento também colabora com a construção de argumentos para a justificativa de uma investigação. Ainda quanto à originalidade, pode-se observar que ela diz respeito a várias possíveis dimensões da investigação: como a exploração de aspectos até então inexplorados por uma área disciplinar, à replicação de outra pesquisa – quando se utiliza um novo procedimento –, ao aprofundamento de trabalhos anteriores e mesmo à síntese histórica que possibilita novos insights ao campo de estudos (FREITAS, 1998). Castro (2006) nota outro ângulo interessante sobre a questão: a pos- sibilidade dos resultados da pesquisa terem potencial para trazerem surpresas, aspectos novos, daria à pesquisa um caráter original. Posi- ção similar é expressa por Flick, que nota que a relevância “está inti-

Ver adiante o quesito Revisão de Literatura.

mamente relacionada à criatividade, que significa produzir alguma coisa nova, e até então desconhecida, ao fazer a pesquisa” (2008, 157). Orozco (1997a) propõe a todo pesquisador uma instigante pergun- ta: para quê e para quem é feita a pesquisa? Pense nisso ao redigir as justificativas e objetivos do estudo e detalhar a importância dos mes- mos na pesquisa realizada. Ela irá contribuir no conhecimento de algo pouco conhecido? Terá implicações práticas? Será dirigida a um contexto, possivelmente próximo do próprio pesquisador, em que determinado saber (para eventualmente intervir) é necessário?Gohn (2005), aliás, observa que refletir sobre a disseminação das informa- ções e dos resultados é um aspecto que pode estar no horizonte de uma proposta, e ajuda a entender o alcance de algum trabalho.

É válido observar que embora itens como “Objetivos” e “Justificati- vas” possam ser destacados – em parte específica no texto acadêmico –, deve existir coerência e solidariedade entre o todo. A discussão, em separado, desses tópicos teve fins sobretudo didáticos, pois as ques- tões que os envolvem interpenetram-se, com frequência.

Assim, a parte que aborda essas questões tende a somente consoli- dar ideias que já permeiam o estudo. Daí, novamente, a importância de bem estabelecer as bases do mesmo, das quais decorrem os objeti- vos e justificativas, o que se buscou saber com a investigação. Como nota Creswell (2010, 218): “Quando o problema não está claro, é difícil entender a importância da pesquisa”.

Cabe notar, ainda, que os pontos discutidos até aqui podem ser pensados também, com proveito para estudantes de metodologia, como aspectos – com a inclusão dos itens propriamente metodológicos – que compõem o núcleo de um projeto de pesquisa.

Aliás, feita essa observação é útil esclarecer um ponto no qual mui- tos cursistas se confundem, que é a relação entre um projeto didático, o projeto de pesquisa e o próprio relatório desta (Figura 4). Conforme notam Lankshear e Knobel (2008), embora no “projeto da sala de aula” os alunos coletem e organizem informações, neste caso os con- ceitos de coleta de análise dos dados diferem do projeto de pesquisa, pois estes não implicam uma formulação rígida de questões de pes- quisa e problemas, em sentido mais rigoroso. Desse modo, o ideal de uma coleta e análise de dados sistemáticas que o projeto de pesquisa deve ter – os autores falam explicitamente na pesquisa pedagógica –, não tem equivalência no projeto didático.

Os autores mencionados criticam também a ideia de que a pesqui- sa pedagógica possa ser vista, fundamentalmente, como uma “tradu- ção” das experiências dos professores, sobretudo quando isto se dá em termos de um “contar histórias”. O argumento crítico é de que a “me- nos que um relatório de pesquisa gere realmente alguns resultados analíticos, é difícil estabelecer efetivas relações e comparações entre outros casos e o de seu autor” (LANKSHEAR e KNOBEL, 2008, 26). Tal resultado é improvável quando a ideia da pesquisa resume-se a reu- nir “histórias”. É com frequência, notam os autores, que a simples associação entre a experiência dos professores e os dados tenha como resultado dados de pesquisa de má qualidade. Em resumo,

associar “dados” à “experiência” pode levar a interpretações que ope- rem contra os pesquisadores investirem em coletas com o tipo de “sistematicidade” necessária a maximizar a qualidade e a confiabi-

lidade dos dados, essenciais à validade da pesquisa” . (LANKSHEAR e KNOBEL, 2008, 27)

De outro lado, não é necessário que uma pesquisa faça tábula rasa de sua experiência; esta pode ser utilizada, com proveito, se submeti- da a indagações e críticas, tanto na elaboração de um projeto de pes- quisa, quanto no desenvolvimento deste. Ao mesmo tempo, reto- mando a questão dos projetos didáticos e da pesquisa, é possível, e muitas vezes válido, que um projeto didático ou de sala de aula seja tematizado – a partir de um problema construído de um modo rigo- roso – por um projeto de pesquisa, e depois, efetivamente, na realiza- ção da mesma, analisado, estudado, numa investigação da qual resul- te um relatório monográfico. Talvez uma pesquisa pedagógica tenha algo a aprender com um projeto ou possa, a partir de seus resultados, trazer elementos para aperfeiçoá-lo.

Vide o tópico 23.

Figura 4. O relatório de pesquisa, o projeto e o tema Relatório de pesquisa

Projeto de pesquisa Tema (entre outros possíves: um

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