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4 O TRABALHO DAS ASSOCIADAS CATÓLICAS A FAVOR DA INFÂNCIA DESVALIDA E DAS “MULHERES PERDIDAS”

4.1 O Asilo Bom Pastor

4.1.2 A inauguração do Bom Pastor

O Asilo Bom Pastor foi inaugurado na capital no dia 14 de setembro de 1923, durante a festividade de Exaltação da Santa Cruz. As duas casas foram divididas em sala de comunidade, refeitório, pátios, dormitórios (com camas brancas, todas de ferro), salas de trabalhos e uma capela.283 Quando da sua inauguração o asilo estava sob a direção de

Soror M. das Victorias Breves, que contava com o auxílio de cinco beneméritas religiosas francesas, além do capelão francês Pe. Luiz Brousté, que veio ao Brasil em demanda de repouso à saúde.

Na ocasião da inauguração do asilo estavam presentes autoridades civis, representantes da imprensa e “distintas famílias do escol social” do município. O arcebispo D. Cabral conduziu a solenidade felicitando-se com a realização de uma antiga aspiração, a inauguração de uma instituição da natureza do Bom Pastor, preocupada com a assistência e proteção da infância. Dom Cabral discorreu sobre os fins da instituição, realçou o valor da referida obra que “vae buscar a mulher nos abismos de abjeção em que despenha arrancando-a às ignomínias dos lupanares para transfigurá-la nos mistérios da penitência pelo amor, restituindo-lhe a formosura da alma reconquistada pelo arrependimento”.284

281 SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das Mulheres no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2000. p. 362-400.

282 Ibid., p. 362-400.

283 Revista Bello Horizonte nº 17. Janeiro de 1934 c. 15x

– 014 – Arquivo da Cidade de Belo Horizonte.

Em seguida, o bispo fez a leitura do Evangelho sobre a parábola que revela o perdão de Jesus a Maria Madalena. A parábola remete à figura de Madalena, a pecadora arrependida, considerada a prostituta mais conhecida da humanidade, que teve seu comportamento analisado, julgado e condenado por toda sociedade, menos por Jesus, que a aceitou, tornando-a sua discípula e propagadora da fé cristã285. Diante dessa figura, a

igreja procurava reconduzir as mulheres pecadoras ao caminho da integridade. Madalena era considerada uma espécie de anti-modelo da mulher mãe, esposa e boa dona de casa. Madalena era o meio do caminho entre Eva e Maria. Conforme Rago, eram contrapostas no discurso burguês duas figuras femininas polarizadas: de um lado a imagem de Maria, a mãe dessexualizada e purificada, do outro lado a mulher sensual e pecadora, associada à figura do mal e de Eva.286 O desejo era aproximar as mulheres assistidas à figura de Maria,

passando da condição de danosa à condição de santa.287

Segundo Rago, a mulher pobre que se prostituía era associada à imagem da criança ou do selvagem que necessitava dos cuidados do Estado e das classes dominantes na condução de sua vida. Era vista como pessoa desorientada que precisava de socorro dos especialistas para reencontrar o bom caminho e reintegra-se na sociedade288. Embora

houvesse no interior das instituições asilares a clara intenção de enquadrar as mulheres assistidas no padrão moralmente aceito, na prática as mulheres asiladas recebiam de maneiras distintas as ações normatizadoras.

Nesse sentido, os católicos viam a obra Bom Pastor como,

um fim eminentemente social e cristão humanitário desenvolvido pelos governos, famílias e sociedade. Mas difundidas nas sociedades latino- americanas. Preocupação que se melhore a saúde moral da sociedade pela regeneração das infelizes que foram arrastadas ao abismo da degradação, e pela preservação de queda a que estão facilmente expostas tantas órfãs289.

A instituição teria a função de modular o comportamento das mulheres dentro da moral e tradição católicas, funcionando como elemento essencial para o desenvolvimento do processo de civilização proposto pela modernidade. Encarava a prostituição como um

285 LELOUP, Jean-Yves. O romance de Maria Madalena: uma mulher incomparável. Campinas:

Verus, 2004.

286 RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São

Paulo (1890-1930). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

287 SOUZA, Sidnara Anunciação Santana. As órfãs e desvalidas do Asilo Filhas de Ana: regras de

conduta e feminilidade em Cachoeira (1891-1905). Dissertação de Mestrado em História. Universidade Estadual de Feira de Santana, 2009. p. 32 e 33.

288 RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: a utopia da cidade disciplinar. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1985.

flagelo social, causador de doenças venéreas, que procurava-se combater. De acordo com seus idealizadores, o principal fim do estabelecimento era “promover por meio de recolhimento e indispensável assistência moral e material, a regeneração de mulheres transviadas, estando também no seu programa, implicitamente, a preservação de menores desamparadas”290, a difusão da higiene social e a regeneração das pobres vítimas da

maldade humana.291

O Asilo Bom Pastor recebia meninas entre 8 e 10 anos e também a guarda de mulheres prisioneiras, que por ventura o Estado lhe confiasse. Na ocasião da inauguração o asilo assistia 77 meninas/mulheres nas duas sessões. Com a ajuda de outras mulheres, a Sra. Luiz Alves (esposa do ministro da justiça), junto aos drs. Magalhães Castro e Clodovil Pinto Coelho e ao Sr. João Machado, em 28 de novembro de 1924, conseguiu abrir uma Secção de Preservação que permitia a entrada de crianças a partir dos seis anos de idade.

O espaço era divido em duas seções: Proteção e Regeneração. As mulheres destinadas à ala de Regeneração recebiam outro nome ao entrarem no Asilo, como marca do surgimento de uma nova mulher. Segundo a madre superiora da instituição, as atividades nas duas seções eram assim divididas,

na primeira seção fazemos compreender às crianças órfãs ou àquelas cujos pais não tenham idoneidade moral para educá-las, deixando-as ao desamparo. Na segunda, cuidamos das moças de menor idade desamparadas, ou cuja conduta mereçam o nosso carinho e conselho. Empenhamos todos os esforços na formação ou na regeneração do caráter dessas moças, encaminhando-as física, moral e praticamente para a vida em sociedade. (...) Só regressam quando solicitadas por parentes ou interessados de reconhecida idoneidade. Algumas são encarregadas de cuidar das crianças menores.292

As aulas eram ministradas pelas irmãs de caridade e por professoras leigas, garantindo a instrução primária. As internas se ocupavam com tarefas que melhor condiziam com suas inclinações e aptidões. Elas pintavam, costuravam e bordavam, sendo os trabalhos produzidos pelas internas vendidos em benefício do asilo.

As normalistas que cuidavam da educação primária eram filiadas às associações católicas e eram preocupadas em destinar às internas a educação moral, bem como trabalhos de cozinha, casa e higiene infantil. Um traço importante das instituições filantrópicas destinadas às mulheres era a formação para o trabalho. Acreditavam que no caso das mulheres pobres, além do ensino para se tornarem boas donas de casa era preciso prepará-las para uma profissão que permitisse que vivessem de forma digna com o

290 O Horizonte, 18/06/24. 291 O Horizonte, 13/08/24.

292 Revista Bello Horizonte n. 17 janeiro de 1934 c. 15x

fruto do seu trabalho. O bordado e a costura eram portas de salvação para a manutenção das que fossem solteiras e um complemento da renda para as casadas.293

FIGURA 9 - Meninas Órfãs Asiladas no Bom Pastor

Fonte: Revista Bello Horizonte 17/01/1934 – Acervo do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.

4.1.3 A participação das mulheres leigas na rotina e na manutenção do asilo