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3 PERFIL DAS MULHERES ATUANTES NO ASSOCIATIVISMO CATÓLICO EM BELO HORIZONTE

3.2 Maria Luiza de Almeida Cunha: o paradoxo entre o conservadorismo católico e suas práticas de vanguarda

3.2.2 Maria Luiza e a vida em Belo Horizonte

Com a vinda de Maria Luiza para Belo Horizonte, quem assumiu a direção da escola foi Laura Jacobina Lacombe, irmã de criação da Maria Luiza. Laura atuou como vice- diretora do colégio e assumiu a direção entre os anos 1935 a 1980. Laura Jacobina participou ativamente de encontros e assembleias voltados para educação. Foi membro da Associação Brasileira de Educação (ABE)243 e da Organização Mundial para Educação Pré-

Escolar (OMEP), onde foi presidente entre 1955 e 1980. Fez viagens pela Europa e Estados Unidos, interagindo com os conteúdos da Escola Nova. Escreveu vários livros com os temas: música, religião e educação.

Na vinda a Belo Horizonte, Maria Luiza foi recomendada por Isabel Lacombe a procurar as famílias Monteiro e Borges da Costa. Famílias com as quais estabeleceu uma sólida amizade. Inclusive, ela ficou instalada por um tempo na casa dos Borges da Costa. O lastro de amizade durou por toda vida e gerou laços de compadrios entre as famílias. O médico Eduardo Borges da Costa indicou que Luiz se tratasse com o médico Roberto de Almeida Cunha, com quem Maria Luiza se casou algum tempo depois.

Roberto de Almeida Cunha era oriundo de uma família tradicional de São João Del Rey. Formou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, por volta de 1912 e trabalhou com Oswaldo Cruz no Instituto Manguinhos na campanha contra a febre amarela. O médico decidiu fazer carreira em Belo Horizonte em virtude de sua saúde, alguns falam em gripe espanhola, outros em tuberculose. O primeiro trabalho de Roberto de Almeida Cunha na capital mineira foi no Posto Veterinário da cidade, onde atuou ao lado do dr. Henrique Marques Lisboa. Foi catedrático de microbiologia na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte e na Escola de Odontologia e Farmácia. Na Faculdade de Medicina e Farmácia, além de professor, foi diretor por duas vezes consecutivas. Fundou, em sociedade com o professor Carlos Chagas, o primeiro laboratório de análises clínicas de Belo Horizonte, Laboratório Veritas. O laboratório foi anunciado em todas as edições do jornal O Horizonte. No laboratório eram realizadas análises de urina, fezes, suco gástrico, sangue e cefalorraquidiano. O laboratório realizava também exames bacteriológicos, histopatológicos e aplicação de vacinas.

Além disso, Roberto de Almeida Cunha teve importante papel na militância católica. Era vicentino e aos domingos de manhã visitava doentes e fazia doação de alimentos. Como mostra Marques, ser caridoso e católico eram atributos importante para os

243 Na primeira Conferência Nacional de Educação organizada pela ABE, Laura Jacobina Lacombe

apresentou as seguintes teses: Comunicação sobre o Bureau International D‟Education e a Educação e a Paz.

médicos mineiros nas primeiras décadas do século XX, pois contribuía para estabelecer a confiança entre médicos e pacientes. Roberto de Almeida Cunha também atuou como membro do corpo editorial dos jornais católicos, O Horizonte e O Diário.

O casamento de Roberto e Maria Luiza ocorreu no ano de 1919, no Rio de Janeiro, na velha Igreja de Nossa Senhora da Lampadosa. A cerimônia foi celebrada pelo capelão Monsenhor José Antônio Gonçalves Rezende. A festa de casamento aconteceu na Confeitaria Colombo, com cerca de 200 convidados. O enxoval e a festa de casamento foram organizados por Isabel Lacombe.

O casal Almeida Cunha teve 13 filhos, sendo 4 homens e 9 mulheres. Pelo número de filhos vemos que Maria Luiza seguia os preceitos da vida cristã e não evitava a gravidez, formando uma grande e tradicional família católica. No livro de memórias elaborado pela família, os filhos contam que Maria Luiza tinha uma rotina intensa. Ficava muito tempo fora de casa, envolvida com o trabalho e, mesmo assim, “todo ano voltava com cheirinho de bebê da maternidade Hilda Brandão”. O marido e a filha mais velha ajudavam a cuidar das crianças. Diferentemente das mulheres da época, Maria Luiza não sabia costurar nem bordar.

FIGURA 3 – Maria Luiza com o marido e seus filhos (s/d)

FIGURA 4 – Maria Luiza com o marido e seus filhos (s/d)

Fonte: Arquivo Pessoal da Família Almeida Cunha.

Maria Luiza preocupava-se em refinar o repertório cultural dos filhos com atividades variadas, como aulas de francês e inglês. Preparavam momentos recitativos, canções e teatro em casa. Além de saraus de literatura organizados pela professora e poetisa Carmem de Mello, criavam clubes, jornais e gibis. Os filhos também eram incentivados a participar da ação católica.244

A família morou em dois endereços diferentes na cidade. Primeiro na Rua Maranhão e depois, no ano de 1928, a família mudou para a casa da Avenida Bias Fortes (naquele tempo, Cristovam Colombo). A segunda casa foi construída aos poucos e ficou conhecida pelo intenso fluxo de pessoas que passavam por lá e por ter uma capela (um oratório privado), autorizada pelo padre Eugenio Pacelli (Pio XII), onde se celebravam missas quase todos os dias.

Vejamos a descrição da casa “Bias Forte” por José Carlos, filho de Maria Luiza,

Realizada parte por parte, montada peça por peça, como um objeto de carinho para guardar na lembrança! O acesso pelo endereço das Bias Fortes começava com uma escada que virava para a esquerda com ângulo reto: os dois lances de cinco degraus. Uma passarela, logo mais três degraus e um pequeno descanso no banco encostado no muro coberto de hera, com a pintura dos carregadores de uma liteira, para que os nobres

244 ALMEIDA CUNHA, O presente das coisas passadas. Coletânea de Textos: Família Almeida

visitantes não se fatigassem. Mais dois degraus à esquerda, continua a subida por uma rampa suave, que terminava subindo com mais degraus. Outra base para repouso, esta com uma gravura portuguesa, também pintada em azulejos azuis, como as outras. Para não perder o impulso, ainda seis degraus, a escolha: um lance curvo para a esquerda e outro igual, em curva para a direita. Depois desta subida toda, chegava-se ao adro com piso de tijolos, na frente da bonita mansão, mais quatro degraus amplos e o prêmio da varanda de entrada: porta com duas partes, pintada de azul, que se abria, para o hall de recepção. Duas gravuras nas paredes, também pintadas sobre azuleijos uma com a figura de um vendedor ambulante com seu cavalo carregando mercadorias e, de outro, a fachada de uma casa, da qual se dizia ser a mais antiga de São João de Rey.(...) A casa era muito grande. Com mais de trinta cômodos, tinha sido construída por partes, na medida em que a família crescia. Depois do último acréscimo, ficou com dois mil metros de área coberta e trinta e tantos cômodos. (...) Lá pelos idos de 1943 a casa foi preparada para receber os hospedes que viriam para a celebração das bodas de pratas, que aconteceu em 1944. Naquele ano começou a construção do anexo a que chamamos de “Austrália”, apelido inventado por Maria Eugenia, porque ficava “do outro lado do mundo”. O anexo tinha um quarto de banho completo, dois pequenos quartos e um grande no extremo de um corredor comprido. (...) O anexo foi feito sobre os quartos dos empregados e da lavanderia, que ficavam no fundo da horta, separando o galinheiro da parte em que ficavam os canteiros.245

FIGURA 5 – A casa da família Almeida Cunha (s/d)

Fonte: Arquivo Pessoal da Família Almeida Cunha.

Pela descrição de José Carlos, observa-se que era uma casa grande, marcada pela tradição e elementos religiosos. Era também uma casa de encontros, trocas e de muita circularidade. Além dos parentes, a casa recebeu vários hóspedes ilustres, tais como Pio XII, Dom Hélder Câmara, D. Leme e D. Cabral. Este último, inclusive, ceava com a família

todo dia 26 de dezembro. Conta Madalena que durante o 2º Congresso Catequético Nacional, realizado em Belo Horizonte, a casa ficou completamente movimentada, vários lanches e jantares foram realizados no local, que serviu como um importante ponto de encontro do Congresso.

Maria Luiza de Almeida Cunha tornou-se uma mulher conhecida e estimada na cidade e tinha um enorme ciclo de amizade. Ela tinha ao seu redor uma rede de pessoas influentes no meio político, social, educacional e religioso e ela soube acionar essa rede para desenvolver seus projetos.