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1 ASSOCIATIVISMO FEMININO CATÓLICO EM BELO HORIZONTE

1.2 Estudos sobre o Associativismo Feminino no Brasil

Para investigar o associativismo feminino no Brasil, fizemos um levantamento bibliográfico dos trabalhos que abordam a temática nas plataformas: Scielo (Scientific Eletronic Library Online), Portal Capes e Biblioteca de Teses e Dissertações. O objetivo era mapear como a literatura brasileira analisa o papel da mulher nas associações femininas do primeiro quartel do século XX, sobretudo nas associações católicas. Usamos como palavras-chave os seguintes termos: associativismo feminino, associações femininas católicas e associativismo católico.

A investigação serviu para demonstrar como ainda são raros os estudos sobre o associativismo feminino católico no início do século XX. Há muitos trabalhos nesse período que discutem as questões de gênero, salientando as lutas pelo sufragismo, moda e imprensa. Há também muitos trabalhos que discutem as experiências femininas nas escolas normais, sobretudo nas discussões ligadas à História da Educação no Brasil. Esses últimos trabalhos ressaltam a formação religiosa das normalistas, reforçando as questões ligadas ao

Social: Portugal nos últimos dois séculos. Lisboa: ICS Imprensa de Ciências Sociais, 2009. p. 313-

332.

18DIEBOLT, Evelyne. História do Trabalho Social: nascimento e expansão do setor associativo

sanitário e social (França, 1901-2001). In: Estudos Feministas, Florianópolis, 13 (2): 256 maio- agosto, 2005.

conservadorismo e ao papel que devia ser incorporado pelas mulheres: o de tornarem-se boas esposas e mães.

Alguns trabalhos pensam a ação das mulheres nos campos da filantropia, saúde e educação nas primeiras décadas do século XX. Entretanto, a maior parte dos estudos ressalta os aspectos religiosos e dogmáticos desse tipo de ação ou fixam a análise sob o ponto de vista do disciplinamento dos assistidos. Predominam as análises sobre instituições e ações filantrópicas organizadas por homens de notoriedade política ou científica.

Encontramos muitos estudos sobre a associação católica Filhas de Maria, entretanto, esses trabalhos centralizam o olhar sobre os aspectos piedosos da agremiação e o discurso do recato e da moral previsto nos manuais das associadas. Eles partem do pressuposto que as mulheres associadas às Filhas de Maria seguiram criteriosamente o que estava prescrito nos manuais católicos, sendo mulheres piedosas, recatadas e fixadas nas tarefas do lar e da maternidade.

Decerto, poucos trabalhos se debruçam sobre o associativismo feminino católico na chave interpretativa de que as mulheres ligadas às associações católicas encontraram na filantropia uma possibilidade de sair do universo de suas casas para aceder o espaço público e assim construir uma vida para além do lar. Nesse movimento de sair19, as

associadas criaram uma agenda de reivindicações muito próxima à dos grupos feministas do período. Nos arriscamos a afirmar, que eram sim, feministas. Estavam preocupadas com problemas em evidência naquele momento, como a proteção à maternidade e à infância, e buscavam a criação de uma legislação social e melhorias no acesso e na qualidade da educação primária.

Para Maria Lúcia Mott, a historiografia brasileira reconhece a importância da participação das mulheres de elite em entidades filantrópicas nos primeiros anos do século XX como forma de acesso à esfera pública, mas dá pouca importância ao tema. Encara-o de forma subalterna, ou apenas como uma atividade de promoção da carreira de seus maridos20. Para a autora, na historiografia brasileira, a imagem da filantropia aparece como

obra masculina. As mulheres ocupam o lugar de coadjuvantes, apenas organizadoras de festas para levantamento de fundos. É pouco conhecido o papel que elas desempenharam

19PERROT, Michelle. Sair. In: DUBY, Georges; PERROT, Michelle (dirs.). História das Mulheres do Ocidente. O século XX. Porto. Edições Afrontamento, 1991 v. 4 p. 502-539.

20MOTT, Maria Lúcia. Maternalismo, políticas públicas e benemerência no Brasil (1930-1945).

Cadernos Pagu, Campinas-SP, Núcleo de Estudo de Gênero – Pagu/Unicamp n.16 p.199-234, 2001.

na criação, manutenção e elaboração dos programas de associações no campo educacional, médico e social.21

As associações filantrópicas no Brasil foram criadas um pouco mais tarde, se comparado aos países europeus e aos Estados Unidos. Mott propõe repensar o papel que essas associações tiveram na transformação da consciência das mulheres e na organização do movimento feminista brasileiro, por fornecer a circulação de ideias e de questionamentos novos, o convívio com outras mulheres, a administração de problemas fora do grupo familiar e o estabelecimento de redes de interesse.22 As associações femininas floresceram no

período de desenvolvimento industrial e urbano, quando as mulheres passam a ter acesso a uma melhor escolaridade. É também nesse momento que começa a existir a divulgação pela imprensa de uma participação maior das mulheres no espaço público, do avanço do feminismo e das frequentes reivindicações das mulheres por maiores oportunidades.23

As mulheres fizeram da religião seu espaço de expressão e manifestação de mobilidade. Mesmo que tenham sido alvo direto dos ensinamentos mais conservadores e tivessem incorporado esse discurso, contribuindo para a reprodução de um modelo mais tradicional de Igreja, ocuparam seu espaço na militância e estiveram particularmente sensíveis às tendências de renovação.24 Num período em que os serviços de saúde pública

no Brasil eram precários, a ação feminina nas associações filantrópicas procurava atuar sobre os flagelos sociais. Essas mulheres procuravam mudar os hábitos dos assistidos, agir nas raízes de seus males e restaurar suas famílias.

Em se tratando da saúde pública e das leis trabalhistas no Brasil nesse período,

a burocracia era rudimentar, não havia um departamento ou ministério dedicado exclusivamente às questões trabalhistas. Os hospitais pertenciam à iniciativa privada ou religiosa e o papel do Estado no campo da saúde restringia-se basicamente ao combate das epidemias e à fiscalização do exercício profissional dos gêneros de consumo e dos remédios.25

As entidades filantrópicas atuavam para compensar a precariedade dos serviços sociais e da saúde pública. Isso torna as entidades filantrópicas do início do século XX

21 MOTT, Maria Lúcia. Gênero, medicina e filantropia: Maria Rennote e as mulheres na construção

da nação. Cadernos Pagu, Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero Pagu/Unicamp n.24 p.41- 67, jan./jun. 2005.

22Ibid.

23MOTT, Maria Lúcia. Maternalismo, políticas públicas e benemerência no Brasil (1930-1945).

Cadernos Pagu, Campinas-SP, Núcleo de Estudo de Gênero – Pagu/Unicamp n.16 p.199-234, 2001.

24PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história/Michelle Perrot. Bauru, São Paulo:

EDUSC, 2005.

25MOTT, Maria Lúcia. Maternalismo, políticas públicas e benemerência no Brasil (1930-1945).

Cadernos Pagu, Campinas-SP, Núcleo de Estudo de Gênero – Pagu/Unicamp n.16 p.199-234, 2001.

diferentes das associações de caridade de meados do século XIX. Enquanto as primeiras tinham sido organizadas e administradas por religiosos que visavam levar o conforto material e espiritual imediato para os necessitados, sobretudo através de doações, tendo, portanto, pouco contato com os assistidos, as associações filantrópicas do século XX eram fundadas e dirigidas por mulheres provenientes de uma ou de várias denominações religiosas. As sócias trabalhavam junto aos beneficiados e tinham por objetivos não só ajudar com doações, mas também dar meios para que saíssem da situação de necessidade, ou seja, preocupavam-se com a promoção social da população assistida.26

Por esse motivo, é nosso objetivo demonstrar que as associações femininas católicas atuantes nas quatro primeiras décadas do século XX em Belo Horizonte, não eram apenas instituições de caridade, mas sim instituições constituídas por um grupo de mulheres instruídas e modernas, que criaram programas com atuação em diversos campos, particularmente na saúde e na educação. Miravam-se especialmente nas crianças e nas mulheres pobres operárias, bem como naquelas que cometiam práticas fora das normas legais do período.

Procuramos dialogar com a abordagem analítica de Mott e explorar as fontes documentais relativas às associações femininas, adotando a metodologia utilizada em seus trabalhos, sobretudo na obra O gesto que salva: Perola Byington e a Cruzada Pró-Infância27.

Nessa obra as autoras fazem uma espécie de radiografia da vida e das obras criadas por Perola Byington e as sócias do programa Pró-Infância. Inspirados nesse trabalho de Mott, procuramos tecer a trama do associativismo católico em Belo Horizonte, focando em algumas mulheres como protagonistas e mapeando os programas criados por elas.