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1 ASSOCIATIVISMO FEMININO CATÓLICO EM BELO HORIZONTE

1.3 Associativismo em Belo Horizonte

1.3.1 Associativismo católico em Belo Horizonte

A ação do laicato católico belo-horizontino pode ser dividida em dois momentos: antes e depois da criação da arquidiocese. O primeiro momento caracteriza-se pela atuação de instituições avulsas de caridade compostas pelo laicato44. Homens e mulheres da alta

sociedade que, fazendo uso da prática caritativa, cuidavam dos pobres e, ao mesmo tempo, mostravam-se como denodados cidadãos perante a sociedade, afinal, ser caridoso nesse contexto era atributo importante.45

As referências eclesiásticas dessa primeira fase eram os bispos das cidades de Mariana e Diamantina, D. Silvério Gomes Pimenta e D. Joaquim Silvério de Souza,

42Para o autor, Economia da Caridade é a rede de assistência à pobreza incrementada pelas elites

políticas e religiosas desde meados do século XIX. Um dos desdobramentos dessa rede foi o surgimento de novas estratégias assistenciais nas grandes cidades brasileiras no início do século XX, com ênfase em intensa ação pedagógica. Ver: SOUZA, Marco Antônio de. As estratégias da

pedagogia do assistencialismo em Belo Horizonte, 1930-1990: Educação e Caridade. Tese de

Doutorado. Programa de Pós-Graduação de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, 2001. p. 2.

43WIRTH, John D. O fiel da balança: Minas Gerais na Federação Brasileira, 1889-1937. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1982.

44Sobre as associações católicas atuantes em Belo Horizonte antes da criação da arquidiocese de

Belo Horizonte, ver MATOS, Henrique Cristiano José. Um estudo histórico sobre o catolicismo

militante em Minas, entre 1922 e 1936. Belo Horizonte: O Lutador, 1990.

45Ver MARQUES, Rita de Cássia. A imagem social do médico de senhoras no século XIX. Belo

respectivamente. Nessa fase, havia um claro alinhamento com o reformismo católico internacional. Inclusive, nessa época, muitos grupos de estrangeiros, em especial da França e Países Baixos, vieram para Minas Gerais trabalhar nessa causa.

Salienta Wirth que o movimento católico em Minas Gerais iniciado nesse período formou um grupo efetivo de pressão. Possuía uma base ampla e multiorganizacional. Nas palavras do autor,

por um lado, a Igreja patrocinou organizações voluntárias quando a sociedade estava tornando-se mais complexa. Por outro, o movimento atraía o conservadorismo mineiro num período de crescente transformação. O efeito mais sólido foi mediar a mudança com um conjunto de símbolos e organizações que ganharam ampla aceitação da elite46.

Desse modo, antes da criação da Arquidiocese em Belo Horizonte, havia várias associações beneficentes e de caridade espalhadas pela cidade, que, grosso modo, visavam assistir às famílias pobres, combater a circulação de ideias socialistas e zelar pela educação, saúde e bons costumes das famílias operárias, com a finalidade de manter a cidade moderna e higienizada. Dessas associações, destacam-se a União Popular (UP), A União dos Moços Católicos (UMC) e a Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP). As referidas associações eram organizadas por importantes intelectuais católicos, pertencentes à Tradicional Família Mineira, educados em escolas católicas com ampla atuação política. Tratava-se de um grupo homogêneo que conseguiu organizar força para conduzir os processos de modernização da cidade.47

O centro de União Popular que lutava contra a neutralidade religiosa, organizou nos anos de 1910 (Juiz de Fora), 1911, 1914 e 1918 (Belo Horizonte) Congressos Católicos, cujo objetivo maior era o retorno do ensino religioso nas escolas públicas mineiras48. A meta

foi alcançada no ano de 1928, durante o Congresso Eucarístico. O presidente Antônio Carlos de Oliveira Andrada proferiu uma mensagem autorizando o ensino facultativo do catecismo nas escolas públicas dentro do horário escolar. A efetivação da autorização se deu com a promulgação da Lei 1.092, em 12 de dezembro de 1929, pela Reforma Francisco Campos.49

46 WIRTH, John D. O fiel da balança: Minas Gerais na Federação Brasileira, 1889-1937. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1982.

47 VALENTE, Polyana Aparecida. Intelectuais Católicos, saúde e educação em Minas Gerais.

Dissertação de Mestrado em História das Ciências e da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz/ Casa de Oswaldo Cruz, 2010.

48 No ano de 1906, João Pinheiro, o então presidente do estado, pôs fim ao ensino religioso nas

escolas públicas mineiras.

49 Sobre isso ver CASASSANTA, Ana Maria Peixoto. Educação e Estado Novo em Minas Gerais.

Para Marco Antônio de Souza, a Sociedade São Vicente de Paulo, em Minas Gerais, mais do que em outros lugares do país, foi a precursora da Ação Social Católica, uma das primeiras organizações de massa para o atendimento dos pobres em hospitais, asilos, creches e vilas populares.50

Enquanto as associações SSVP e a União Popular tinham um caráter mais ativo, a União dos Moços Católicos era uma agremiação de cunho mais piedoso. Fundada em Belo Horizonte, em 21 de novembro de 1915, por um grupo de jovens católicos, em sua maioria estudantes, a finalidade da associação era reunir os jovens católicos para orientá- los nos princípios cristãos e sociais e encaminhá-los na doutrina católica, que deveriam propagar e defender em qualquer ocasião. A orientação era “formar homens patriotas que compreend[essem] com exatidão os seus deveres de católicos e de cidadãos brasileiros, de acordo com as instruções da Santa Sé, do episcopado brasileiro e dos congressistas internacionais da Juventude Católica”.51

Desde sua criação, a UMC52 manteve-se em franca expansão até a década de

1940. A entidade se estabeleceu em outros estados brasileiros e, por conta disso, foi implantado um Conselho Superior em Belo Horizonte e foram instalados conselhos regionais e estaduais. Em 1928, a UMC contava com 15.000 associados, 183 uniões locais, 12 conselhos estaduais e 18 conselhos regionais subordinados ao Conselho Superior de Belo Horizonte.53 A UMC servia para consolidar a influência do catolicismo na formação dos

jovens, iniciada nas escolas secundárias. Era uma forma de garantir a sociabilidade e a homogeneidade dos jovens aos programas católicos.

O segundo momento do associativismo em Belo Horizonte é demarcado pela vinda de D. Antônio dos Santos Cabral à capital mineira, ocasião em que o referido bispo fundou a Arquidiocese de Belo Horizonte (1922) e tomou a direção do laicato em ampla conexão com as orientações de D. Leme, no Rio de Janeiro. Em torno de D. Cabral formaram-se comissões de apoio, compostas especialmente por homens e mulheres da elite política e econômica.

As mulheres eram compreendidas como figuras fundamentais nessa segunda fase. Eram convocadas a agir efetivamente nas causas e movimentos religiosos, como é possível observar na assertiva:

50Ao longo do trabalho, a Sociedade São Vicente de Paulo será discutida de forma mais cuidadosa. 51LIMA, Mário de. O bom combate: subsídios para história de 20 anos da ação social catholica em

Minas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1929. p. 227.

52Vale ressaltar que o grupo aqui selecionado não corresponde à União dos Moços Cristãos criada

em 1844 e composta por jovens protestantes.

Incontestavelmente a grande maioria das mulheres mineiras são católicas. Apesar disso as mulheres não desempenham o papel quando podem assumir em face dos problemas que preocupam nossos líderes católicos. Além dos exemplos de piedade, organização de festas religiosas, a instrução religiosa, a imprensa católica toda ação social católica. Mulheres não compreendem ainda que o católico deve impregnar toda sua vida além das capelas. Antigamente este fato atribuído a falta de cultura e educação científica da mulher mineira, eram boas mães de família conheciam os trabalhos domésticos e só. Hoje não, nossas patrícias dispõem de sólida cultura, podem perfeitamente versar as associações religiosas, auxiliar a imprensa católica, impulsionar o ensino religioso, tomar parte na Santa Cruzada do catolicismo social no Estado. Sejam piedosas, mas saiam também para fora da Igreja e dissemine as cá no exterior por todos os meandros dessa trama complicada, que é a nossa sociedade moderna.54

O artigo foi publicado no jornal O Horizonte no ano de 1926. Trata-se da convocação das mulheres para o trabalho social. É notório que a convocação é dirigida a um grupo específico de mulheres, pertencente à elite mineira, dotadas de uma sólida educação e de grande representatividade social. Deixa entrever que o trabalho desempenhado por essas mulheres não se restringia a fazer caridade, mas auxiliar na imprensa e na educação. Eram mulheres que dispunham de um saber técnico, e esse saber guiava e qualificava a atuação dessas mulheres fora das associações.

De acordo com Joana Maria Pedro55, a influência das associações caritativas

femininas se irradiava através da família, motivo pelo qual a socialização religiosa se fazia, principalmente, por meio feminino. O estímulo a essa socialização se dava, essencialmente, através dos eventos familiares, com uma maior participação das mulheres nas atividades beneficentes.

Ao abrir espaço para as mulheres em suas associações, a Igreja, sem abrir mão de seus interesses, proporcionou a inclusão social feminina, dando a ela a oportunidade de participar da vida social, ao incentivar suas ações. Para Perrot, a intensidade dos vínculos entre mulheres e religião confere uma particular ressonância aos acontecimentos religiosos, laços complexos de disciplina e de dever, de sociabilidade e direitos, de práticas e de linguagens.56

54O Horizonte 11/09/1926.

55 PEDRO, Joana Maria. Mulheres do Sul. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004.

56PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Tradução Viviane Ribeiro. Bauru,