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Ao final desse trabalho podemos concluir que o associativismo feminino católico em Belo Horizonte é fruto da combinação do reformismo católico, iniciado em meados do século XIX, com o projeto político-social das elites mineiras. Esse projeto social, liderado pela intelectualidade católica, visava a proteção e o controle sobre a infância e a família e primava pela formação de uma sociedade moderna, moralmente boa e saudável.

As mulheres tiveram papel importante nesse projeto. Para regular sua atuação, criou-se uma série de associações, constituídas por rígidos manuais e regras e destinadas a forjar um tipo ideal de mulher. No entanto, não necessariamente as mulheres se apropriaram do modelo imposto. Ao contrário, utilizaram os espaços das associações como uma possibilidade real de acessar a esfera pública, sendo o caminho mais comum a filantropia. Através dos trabalhos filantrópicos as mulheres leigas católicas criaram uma agenda de proteção aos doentes, pobres e, particularmente, às crianças desvalida e às mulheres “perdidas”.

O trabalho desempenhado pelas associadas não se restringia à caridade cristã. Suas ações eram guiadas pela formação técnica que possuíam. Tratava-se de um grupo de mulheres com boas condições socioeconômicas, com formação escolar secundária, preferencialmente normalistas e enfermeiras. Tal formação qualificava suas ações de assistência no campo da educação e da saúde, preconizando a divulgação de hábitos higiênicos, educação moral e a criação de instituições asilar, hospitalar e educacional.

No trabalho filantrópico, além da oferta de bens materiais aos assistidos, as agremiadas realizavam atendimentos domiciliares e promoviam campanhas preventivas, sobretudo campanhas contra a tuberculose, sífilis e lepra. Elas também fundaram diversas instituições e realizaram eventos para angariar fundos, entre outras tarefas. Assim, podemos observar que as agremiadas cuidaram da criação, da organização e da gestão dos serviços sociais em Belo Horizonte.

Nessa empreitada, essas mulheres teceram importantes laços sociais com autoridades civis, estaduais, federais e com o poder local de um modo geral. Estabeleceram parcerias com o discurso médico-científico, especialmente com os médicos e farmacêuticos. A partir do estabelecimento desses laços sociais, elas criaram uma eficiente rede de assistência, bem organizada hierarquicamente. No topo da hierarquia estava a Sociedade São Vicente de Paulo. A SSVP era o centro ordenador do trabalho de assistência. O diálogo da agremiação da SSVP com as mulheres se deu via associações femininas católicas, com destaque para a Confederação Católica Feminina, que reunia as mais importantes agremiações caritativas femininas: As Filhas de Maria, Damas da Caridade e Mães Cristãs.

As Filhas de Maria era uma agremiação composta de mulheres solteiras que agia basicamente no campo da educação de crianças e operárias. Realizava aulas de catecismos, instrução primárias, palestras de higiene e educação moral. As Damas da Caridade atuavam mais eficazmente na área de assistência à saúde. Estavam presentes nos hospitais, aviavam receitas médicas, faziam encaminhamentos para consultas médicas e odontológicas e uma variada assistência aos doentes. Já as Mães Cristãs atuaram basicamente no cuidado da infância nas escolas e creches e na orientação de mães pobres sobre temas ligados à maternidade e à puericultura.

Diante da precariedade do serviço de saúde pública, a ação feminina nas organizações católicas procurava atuar sobre os flagelos sociais, mudando os hábitos dos assistidos e visando restaurar suas famílias. Vale ressaltar que as famílias assistidas eram basicamente chefiadas por mulheres viúvas ou abandonadas por seus maridos. Devido à necessidade de trabalho dessas mulheres para seu auto-sustento e o de seus filhos, as associadas primavam pela criação de creches e escolas paroquiais que protegessem as crianças do perigo da rua e que, ao mesmo tempo, permitissem que elas tivessem uma formação moral e para o trabalho.

Ao fazermos o levantamento das diferentes formas de arrecadação de doações para o assistencialismo em Belo Horizonte, observamos que o valor arrecado pelas associações femininas católicas é infinitamente maior do que as subvenções governamentais. Além disso, é expressivo o número de instituições criadas e geridas por essas mulheres. Esses dados nos permitem afirmar que a atuação das mulheres católicas não era subalterna, ligada apenas à organização de quermesses ou à promoção da carreira de seus maridos. Ao contrário, a ação das agremiadas foi fundamental para a manutenção da assistência social em Belo Horizonte. Foram elas as responsáveis por uma agenda social na cidade.

A pesquisa nos permitiu constatar também a combinação da ação do associativismo feminino católico com a elite econômica, industrial e política. Destacamos o ano de 1927 como fundamental para entender essas parecerias, pois nesse ano, no governo de Antônio Carlos de Andrada, tivemos a Reformulação dos Serviços de Higiene e Saúde Pública, a Reforma do Ensino Francisco Campos e a Reforma do Sistema Penitenciário em Minas Gerais. Essas três instâncias políticas dialogavam intimamente com a filantropia feminina católica, que também no ano de 1927 se reorganizou, com a formação da Confederação Católica Feminina. Como vimos, a CCF reunia as associações católicas mais ativas da cidade e tinha como objetivo centralizar e coordenar as ações filantrópicas.

O diálogo das associadas católicas com as autoridades civis, políticos e empresários foi facilitado pelo lugar privilegiado que as agremiadas ocupavam na sociedade belo-horizontina. Por conta desse lugar social privilegiado, elas alcançaram meios de

realizar projetos no campo da filantropia. Em contrapartida, o trabalho filantrópico permitiu às associadas católicas grande mobilidade pelos espaços públicos. Nessa brecha, essas mulheres agiram na nova organização social imposta pelo processo de modernização da cidade, que passava pela ordenação da população pobre através da formação higiênica, moral e educacional.

Ou seja, a agenda das agremiações femininas católicas estava integrada a agenda mais ampliada da elite mineira. Os projetos ligados à ordenação social das elites mineiras era propagados por intermédio das ações femininas nos seus traballhos de natureza filantrópica.

REFERÊNCIAS

ABREU, Jean Luiz Neves. Ciência e território em Minas Gerais (1895-1930) In:

ESPINDOLA, Haruf Salmen e ABREU, Jean Luiz Neves (orgs.). Território,

Sociedade e Modernização: abordagens interdisciplinares. Governador Valadares:

Ed. Univale, 2010.

ACCATI, Luisa. Hiza omnipotentes y madres peligosas. El modelo católico y