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3 PERFIL DAS MULHERES ATUANTES NO ASSOCIATIVISMO CATÓLICO EM BELO HORIZONTE

3.2 Maria Luiza de Almeida Cunha: o paradoxo entre o conservadorismo católico e suas práticas de vanguarda

3.2.4 A militância católica de Maria Luiza de Almeida Cunha

Sem sombra de dúvidas um dos valores mais cultivados por Maria Luiza de Almeida Cunha foi viver e pregar o catolicismo. Ela viveu segundo os preceitos da ação católica que defendem que “o catolicismo veio trazer ao mundo a paz, a ordem, a disciplina, a liberdade e o progresso”. Acreditavam os militantes que deviam agir como católicos, não só em prol da religião, mas também em prol da pátria e da sociedade futura. Por isso foram tão atuantes no ensino, política e na sociedade de maneira geral.

Além dos artigos produzidos no campo educacional, Maria Luiza escreveu e coordenou a coluna feminina do jornal O Horizonte. Foi uma das responsáveis pela criação das Mães Cristãs e redigiu o primeiro estatuto da corporação. Em 1930 se empenhou na educação dos filhos de leprosos, no Preventório São Tarcísio.

Fundou, em 18 de março de 1932, a Sociedade Mineira de Assistência à Infância, tendo como diretora Alexandrina Santa Cecília, como vice-presidente Fany Gianetti de Morares, tesoureira Marina Amaral Brandão e secretária Dulce da Silva.262 As reuniões

ocorriam no Hospital da Criança, anexo à Santa Casa. Há poucas informações disponíveis sobre essa associação. Algumas fontes indicam que as idealizadoras foram incentivadas por Gustavo Capanema, que dois anos depois assumiu o Ministério da Educação e da Saúde e durante toda sua gestão dialogou com os interesses educacionais católicos e contou com a colaboração das mulheres.

É importante ressaltar que já nos anos de 1910, havia por parte da assistência católica, especialmente dos vicentinos, o objetivo de criar uma instituição destinada à assistência da infância. No ano de 1919 inaugurou-se O Instituto de Proteção à Infância, por incentivo do médico Moncorvo Filho e pela mobilização dos setores católicos pela infância desvalida. Em 1921, o espaço tornou-se o Hospital São Vicente de Paulo. O Instituto de Proteção à Infância de Belo Horizonte foi inspirado na instituição criada pelo médico

Moncorvo Filho, no Rio de Janeiro263. Era objetivo do seu idealizador criar uma rede de

assistência à infância no Brasil.

No ano de 1933, Maria Luiza fundou, em sua própria casa, a Obra dos Tabernáculos, destinada a cuidar das igrejas pobres. A obra empregava moças pobres que produziam objetos (terços, cálices, altares portáteis, alfaias, etc.) para as celebrações eucarísticas. Em 1936, a Obra dos Tabernáculos organizou a infraestrutura das missas campais do II Congresso Eucarístico Nacional. Mesmo grávida, Maria Luiza, liderou uma série de trabalhos para a realização do Congresso.

O evento ocorreu entre os dias 03 e 08 de setembro de 1936, na Semana da Pátria. Tinha como tema central “A defesa da família, pela consagração do casamento e renovação social e política”. Pela cobertura da imprensa, denota-se que o Congresso teve ampla participação de toda sociedade belo-horizontina, das instituições escolares e dos grupos de caridade (Filhas de Maria, Damas da Caridade e União dos Moços Católicos), revelando um aspecto altamente festivo. Além da cobertura da imprensa, o evento foi transmitido pela primeira rádio pública mineira, Rádio Inconfidência, inaugurada durante o Congresso.

Pela representatividade do II Congresso Eucarístico, concordamos que ele estava no bojo das comemorações religiosas realizadas no início dos anos 1930, junto à entronização de Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do Brasil e a inauguração do Cristo Redentor. Não se tratava, portanto, de uma comemoração típica do catolicismo popular, mas sim uma festa religiosa e cívica, onde estava presente toda hierarquia da Igreja Católica e autoridades políticas. A maior parte dos eventos ocorreu na Praça Raul Soares. Toda a infraestrutura foi montada pelo governo do estado, enquanto a Igreja Católica dedicou-se à preparação religiosa do evento.

A abertura solene contou com a explanação de Alceu Amoroso Lima sobre o Estado Moderno e questões que versavam sobre a unidade da nação e a colaboração dos católicos para a reconstrução política e moral do país. Os dias de apresentação foram separados por temáticas: família cristã, estudantes e militares. Nesses dias foram discutidas várias sessões, das quais destacamos a Eucaristia, a Ação Católica, o Espírito de Obediência e Caridade; Senhoras, Eucaristia e Ação Católica na Defesa das Famílias; Senhorinhas Eucaristia, Ação Católica da Juventude Feminina e sua vida no lar; Operárias, Eucaristia e Ação Católica, a preservação e aperfeiçoamento moral e social da mulher operária. De acordo com as sessões supracitadas, vemos que havia uma nítida preocupação com as mulheres, especialmente as mulheres operárias. Um dos resultados do

263 FREIRE, Maria Martha de Luna Freire, LEONY, Vinícius da Silva. A caridade científica:

Moncorvo Filho e o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro (1899-1930). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 18, supl. 1, dez 2011, p. 199-225.

Congresso foi a reorganização da Ação Social Católica, tendo como meta a formação de Ligas Femininas. Nessa nova reformulação, Maria Luiza assumiu a presidência da Liga Feminina da Ação Católica da Sessão Senhoras.

Maria Luiza tornou-se a primeira Ministra da Eucaristia da arquidiocese de Belo Horizonte, ocupação que tinha muito gosto. A nomeação foi investida por D. João de Resende Costa, grande amigo da família, que inclusive celebrou o casamento de Maria Luiza. Conhecida como uma mulher sem vaidade, depois de sua nomeação passou a pintar as unhas para tocar a hóstia sagrada. Como ministra da Eucaristia distribuía a comunhão aos doentes da paróquia de Lourdes e nos hospitais. Usava uma roupa branca, com uma capa de mesma cor por cima, sendo chamada pela criançada como “Super vó”. Essa nomeação é muita representativa, uma vez que este é o cargo máximo que um leigo pode alcançar na hierarquia católica.

A trajetória de Maria Luiza de Almeida Cunha serve para elucidar a atuação da mulher católica na assistência à saúde e à educação em Minas Gerais. Apesar de não ser mineira, também teve uma forte formação católica e logo se aproximou da militância religiosa em Minas Gerais, estabelecendo conexões e projetos. Foi educada por uma família de elite e entendia o catolicismo como a chave para o melhoramento moral do indivíduo e consequentemente da sociedade brasileira.

Apesar de toda tradição católica e o reforço ao espaço doméstico como o espaço por excelência da mulher católica casada, Maria Luiza teve uma vida profissional ativa na educação em Minas, bem como no associativismo católico. Ela discutiu temas que estavam na agenda do feminismo naquele momento, tais como maternidade, infância, higiene, puericultura, proteção às mulheres pobres e operárias, entre outros. Há quem possa dizer que sua ação foi facilitada pela representatividade do marido na sociedade belo- horizontina, mas essa tese é facilmente rebatida se pensarmos que, se não fosse a doença do irmão, ela teria se tornado diretora do importante colégio Jacobina e trilhado sua carreira profissional e militante no Rio de Janeiro.

A militância católica lhe proporcionou grande trânsito pela cidade e suas instituições, bem como fora dela. Seus trabalhos, sejam no campo da educação ou da filantropia, evidenciam que a atuação das mulheres católicas nos projetos de ordenação das famílias, do cuidado da saúde e educação dos mais pobres, não estava apenas no discurso ou na promoção da carreira de seus maridos, mas sim na ação efetiva das suas convicções. Sem dúvida a formação escolar foi fundamental na orientação do ativismo de Maria Luiza, bem como das demais mulheres ligadas ao ativismo católico.

4 O TRABALHO DAS ASSOCIADAS CATÓLICAS A FAVOR DA INFÂNCIA