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3 PERFIL DAS MULHERES ATUANTES NO ASSOCIATIVISMO CATÓLICO EM BELO HORIZONTE

3.1 Formação escolar

3.1.1 Colégio Santa Maria

O Colégio Santa Maria, foi a primeira escola secundária de Belo Horizonte, criada em 1903, destinada ao público feminino. Sua criação foi fruto da articulação do ministro das relações exteriores do governo Afonso Pena com as Irmãs Dominicanas de Sévres, na França. O objetivo do colégio era atender a demanda das elites mineiras e evitar que as meninas de elite tivessem que se deslocar para outras localidades para estudar. Inicialmente a escola instalou-se no palacete do Dr. Antônio Olinto, próximo à basílica de Lourdes. Posteriormente foi transferida para o palacete do Conde de Santa Marinha, próximo à Estação Ferroviária Central. Finalmente, em 1909, estabeleceu-se em sede própria na Rua Jacuí, no bairro Floresta.

Beatriz Borges Martins relata o trajeto que as normalistas faziam de bonde pelo Floresta à caminho do colégio Santa Maria,

O bonde do Santa Maria era um sucesso na cidade. Saía da Floresta cedo, pela manhã, com uma irmã e uma empregada. (...) Hilda e eu o esperávamos na esquina da rua da Bahia com a Timbiras, onde entravam também Dulce, Célia e Nícia Baptista Ferreira, que moravam na Av. João Pinheiro. D. Ciduca tinha tanto cuidado com suas filhas, que mandava uma empregada levar-lhes as pastas para que não ficassem com as mãos grossas. (...) Por onde passava, o “bonde do Santa Maria” era esperado por vários rapazes e, por isso, as “fiscais” tinham trabalho: a irmã ia em pé, no primeiro banco, e a empregada, a Zezé. Também em pé, no último. Alguns desses rapazes, que já dirigiam, acompanhavam-no de carro e, quando chegávamos ao Colégio, as meninas maiores sempre tomavam “pitos”, pois eram consideradas as causadoras dos escândalos.”226

O relato de Beatriz Borges Martins deixa entrever que o trajeto de bonde que levava as normalistas à escola era, por si só, um grande evento. Por mais que houvesse a vigília das irmãs no vagão, as moças se divertiam e flertavam com os rapazes. Ainda nas palavras de Beatriz, o bonde não era apenas um meio de transporte, mas uma forma de “matar o tempo, apreciar o mundo ao redor e descobrir os territórios”.

A descrição de Martins evidencia que as futuras normalistas tinham a vida bem controlada por olhares alheios, entretanto, aproveitavam-se das pequenas liberdades alcançadas no cotidiano. O trajeto no bonde permitia acesso à cidade e tornava-se ambiente de encontros e diálogos entre as alunas.

Os uniformes das normalistas eram confeccionados com o objetivo de ensinar as moças um modo adequado de se portar. Eram uniformes sóbrios, avessos à moda, escondiam os corpos das jovens, tornando-os praticamente assexuados, para combinarem

com a exigência de uma postura discreta e digna227. Sobre os trajes que compunham o

uniforme do colégio Santa Maria, descreve Martins,

Os uniformes, todos feitos no próprio colégio, eram uns “marinheiros” bem bonitos: saia pregueada de sarja azul-marinho, blusa de mangas compridas de fustão branco, gola marinheiro do mesmo fustão, com uma âncora azul- marinho bordada em cada ponta. Na frente da blusa, havia um peitinho reto com as letras SM bordadas, também em azul-marinho. Usávamos nas idas e vindas de bonde, um gorro azul-marinho de marinheiro, com o nome do colégio – SANTA MARIA – gravado, em dourado, numa fita de gorgorão. Vivíamos cheias de penduricalhos, chamados de “cruzes” – de comportamento, de aplicação e outros. (...)Ainda, para o desespero de todas as alunas, havia uma avental de tricoline preta, de pala curta e camisolão pregueado, com um babado no lugar das mangas, que usávamos sobre o uniforme durante as aulas. No verão era um inferno usá-lo por cima de todas aquelas roupas, e na verdade, em qualquer época, não adiantava quase nada, pois o que mais sujava, no caso, eram os punhos e as mangas das blusas, que ficavam fora do avental. Finalmente, as meninas eram obrigadas a fazer uma trança grossa, atrás da cabeça, amarrada com uma fita preta.228

Desse modo, o uniforme escolar tinha o objetivo de proteger o corpo feminino, evidenciando o desejo de recato, elegância e pudor. O uniforme expressava tanto uma predisposição das alunas a pensar, sentir e agir de acordo com o ethos cristão católico, como um engendramento de formas de resistência e luta.229 No entanto observamos que,

por mais que as alunas se vissem obrigadas a utilizá-lo, não se sentiam confortáveis com ele.

As alunas tinham uma rotina intensa de estudos. A maioria dos professores era de homens leigos e algumas professoras religiosas. Tinham aulas de desenho, pintura, costura, línguas, educação física, puericultura, religião, higiene, história e geografia. Tratava-se de uma educação bem refinada e diversificada. No Colégio Santa Maria, assim como outras escolas dirigidas por congregações religiosas femininas, as irmãs eram dotadas de bondade e caridade, atraíam a simpatia das elites, o que garantia com facilidade gabinetes de coleção, materiais e equipamentos para seus laboratórios. Captavam para seu corpo docente juízes de direito, juízes municipais, advogados e médicos230. O convívio com

os professores dava-se dentro e fora das escolas.

Havia no interior das instituições escolares normais católicas uma preocupação sobre a formação das jovens para aquilo que acreditavam ser a maior missão da mulher, ou

227 LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORI, Mary. (Org.). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p. 452.

228 MARTINS, Beatriz Borges. A vida é essa. Belo Horizonte: B.B. Martins, 2000. p. 73.

229 CHARTIER, Roger. Diferenças entre sexos e dominação simbólica (nota crítica). Cadernos

Pagu, Campinas, São Paulo, n. 4 p. 37-47, 1995.

seja, ser mãe. Este objetivo estava presente no currículo escolar sobre noções de puericultura cristã. Por outro lado, essas escolas compreendiam também a necessidade de formar mulheres para o trabalho. Não por acaso, no ano de 1931 foi inaugurado no colégio Santa Maria um novo departamento, intitulado Escola Social Feminina, oferecendo três cursos, a saber: Curso Doméstico, destinado a ensinar a arte culinária, economia doméstica, costura e corte prático de chapéus, bordados, higiene, psicologia, noções de agricultura e jardinagem; Curso Comercial, com práticas de datilografia, stenografia, contabilidade, português, francês e italiano; e o Curso Literário e Artístico, destinado ao estudo de literaturas antigas e modernas, história da arte, pintura, desenho e artes decorativas.231

Desse modo, a Criação da Escola Social Feminina evidencia o desejo de formar boas donas de casas e boas mães, mas, sobretudo, formar mulheres bem instruídas e com domínio sobre os conhecimentos de higiene. Ao que tudo indica, os conteúdos presentes nos currículos foram os norteadores dos projetos sociais desenvolvidos pelas associadas católicas. Outro ponto a se considerar é que, embora houvesse o discurso da maternidade como missão mais importante da mulher, na prática, a existência de três cursos distintos na Escola Social Feminina indica que nem todas as mulheres eram mães de família, sendo que algumas dividiam essa missão com outras tarefas. Desse modo, a escola devia preparar e formar mulheres para variadas funções dentro da sociedade.

No próprio espaço da escola, as alunas participavam das associações católicas. As reuniões das Filhas de Maria, por exemplo, aconteciam no colégio. Muitas alunas, inclusive, faziam parte da agremiação. Essas práticas estavam associadas à intenção de expandir a ideia de caridade nas jovens.232 No bojo das discussões sobre a caridade, as

alunas entravam em contato com os problemas sociais, começavam a pensar alternativas para amenizar tais problemas e se engajavam na ação social católica como um ambiente de formação de elite e valores religiosos.