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3 PERFIL DAS MULHERES ATUANTES NO ASSOCIATIVISMO CATÓLICO EM BELO HORIZONTE

3.2 Maria Luiza de Almeida Cunha: o paradoxo entre o conservadorismo católico e suas práticas de vanguarda

3.2.1 A vida antes de Belo Horizonte

Maria Luiza de Almeida Cunha nasceu em 19 de agosto de 1895, na cidade de Barra Mansa, no Rio de Janeiro. Filha de Maria Campos de Aguiar Neves (Marieta) e do comerciante José da Rocha Neves. Teve dois irmãos, Luiz e Cecília. O pai de Maria Luiza era comerciante, uma espécie de caixeiro viajante, e em uma de suas viagens não voltou para casa, sendo dado como morto pela família. Por esse motivo, se vendo obrigada a trabalhar para cuidar dos filhos, Marieta, mãe de Maria Luiza, foi morar na casa dos pais.

Depois de um tempo (não foi possível precisar a data), seus avós maternos foram morar na cidade do Rio de Janeiro. Na ocasião, tornaram-se vizinhos da família Jacobina Lacombe. Na época, as irmãs Isabel e Chiquinha Jacobina decidiram criar uma escola para educar suas filhas. Isabel tinha uma filha na idade de Maria Luiza e pediu aos seus avós que a deixassem estudar no colégio. Maria Luiza tinha entre 6 e 7 anos. Tendo sido autorizada, ela e mais 5 meninas foram as primeiras alunas do colégio.

A escola estava localizada na Rua Almirante Tamandaré, no bairro do Flamengo, uma rua grande e larga, que abrigava poucos moradores, de modo que todos se conheciam. Com o tempo a escola cresceu e passou a atender os filhos dos moradores dos arredores e rapidamente tornou-se um importante colégio no cenário educacional carioca, quiçá brasileiro, frequentado por um público diverso, oriundo de vários lugares da cidade do Rio e de grande aceitação pela elite.

No projeto do colégio estava presente a busca de despertar nas alunas o amor e a caridade, a sinceridade, a pureza, o ato de ser mãe e educadora, propondo uma educação renovadora, mas embasada nos preceitos católicos.239 As idealizadoras da instituição, as

irmãs Isabel e Chiquinha, procuraram aplicar no colégio a experiência educacional vivenciada por elas. Isabel estudou no Colégio Progresso, fundado no Rio de Janeiro em 1887, por uma professora americana e protestante. O colégio era destinado ao público feminino e foi uma das primeiras instituições a utilizar as concepções educacionais americanas no Brasil. Chiquinha, por sua vez, teve uma orientação educacional francesa.

Essa preocupação com a educação foi herdada de seu pai, D. Antônio Jacobina. Em uma carta enviada a Isabel Jacobina, no ano de 1889, D. Antônio manifesta sua compreensão sobre o que considerava uma condição adequada para mulher,

Se conheces o que não podes fazer, deves compreender como é triste a condição da mulher a quem Deus deu inteligência igual a do homem, mas,

239 ALVES, Luciana Pazzito. O curso Jacobina: uma experiência de modernização em uma

instituição católica (anos 1920 e 1930). Faculdade de Educação. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1997.

que um sistema acanhado de educação esteve a ponto de não conhecer seus próprios interesses aguardando o marido, podendo firmar-lhe o passo e discernir o verdadeiro caminho. Vês, pous que a mulher se ocupando de futilidades perde sua importância como membro da sociedade, para só forma-se um objeto de divertimento para ricos e (?) para os remediados se a mulher pudesse ser o braço direito do marido, assegurava-o seu futuro e o da sua família. Mas isso é inútil pregar: a moda e a falta de senso têm mais valor.240

Como podemos ver, as filhas Lacombe foram educadas para não serem mulheres fúteis e submissas ao marido. Ao contrário, foram incentivadas a crescerem intelectualmente, formarem uma boa família e atuarem na sociedade. Certamente criaram a escola para que suas filhas tivessem uma educação dentro desses moldes. Podemos ressaltar isso como uma novidade, pois no período a educação feminina baseava-se quase exclusivamente na formação de boas mães, esposas e donas de casa.

Conta Maria Amélia, que na casa dos Lacombe, Maria Luiza conviveu com três diferentes gerações de mulheres. Era um meio bastante culto e lá se organizavam saraus literários sofisticados. Além das mulheres, a casa era habitada por homens ligados à política e à literatura. O “tio Américo”, por exemplo, foi diretor da Casa Ruy Barbosa e membro da Academia Brasileira de Letras241. É nesse ambiente que Maria Luiza de Almeida Cunha se

formou. Inclusive, supomos que o entendimento do papel da mulher para ela, sua formação católica e o espírito caridoso são frutos da educação recebida no colégio e da convivência com a família Jacobina Lacombe.

240 LACOMBE 1962 apud. PRAZERES, Talitha dos. As minhas meninas: um estudo sobre os

discursos se Laura Jacobina Lacombe dirigido à alunas. Artigo Apresentando nos Anais do Congresso da Sociedade Brasileira de História da Educação. p. 65.

241 ALMEIDA CUNHA, Maria Amélia. O presente das coisas passadas. Coletânea de Textos:

FIGURA 2– Maria Luiza de Almeida Cunha, Isabel Lacombe e Roberto de Almeida Cunha (s/d).

Fonte: Arquivo Pessoal da Família Almeida Cunha

Pouco tempo depois, os avós de Maria Luiza decidem voltar para Barra Mansa. Isabel Lacombe Jacobina pediu à família que deixasse Maria Luiza sobre os cuidados dela. Segundo relatos da família, Isabel julgava Maria Luiza uma menina muito talentosa e seria um desperdício de seu talento se ela voltasse para o interior. Assim, Maria Luiza ficou no Rio de Janeiro e foi criada como uma filha por Isabel. Ela fez todo o curso de Humanidades no Colégio Jacobina, durante o qual teve aulas com professores renomados como João Kopke, José Oiticica e Alberto Nepomuceno. Após se formar, atuou como professora e se preparava para ser diretora do colégio. No entanto, Maria Luiza não chegou a assumir a direção da escola. Seu irmão, Luiz, estava com tuberculose e, em decorrência do problema de saúde do irmão, Maria Luiza, aos 21 anos, juntamente com sua avó Marieta, mudou-se para Belo Horizonte, para que Luiz tivesse condições mais adequadas de tratamento.242

242 Como vimos no capítulo anterior, Belo Horizonte recebia muitas pessoas acometidas por doenças