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2.4 PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL

2.4.3 A influência da participação para a formação de capital social

Inicialmente, faz-se necessária breve revisão sobre o conceito de capital social. Boeira e Borba (2006, p. 188), em resenha ao trabalho de Higgins (2005), colocam que “[...] as relações sociais constituem um patrimônio „não visível‟, mas altamente eficaz, a serviço dos sujeitos sociais, sejam estes individuais ou coletivos”.

Assim, estes autores conceituam capital social como “[...] um agregado de recursos atuais ou potenciais, vinculados à posse de uma rede duradoura de relações de familiaridade ou reconhecimento mais ou menos institucionalizadas” (BOEIRA; BORBA, 2006, p. 188).

Os autores ainda referem ao conceito dado por Putnam de que o “capital social é um conjunto de características da organização social – confiança, normas e sistemas – que tornam possíveis ações coordenadas” (BOEIRA; BORBA, 2006, p. 189).

Souza Junior (2003, pp. 25-26) também se refere a obra de Robert Putnam (1993) para explicar “por que alguns governos democráticos são bem-sucedidos e outros não” e cita a importância do capital social, que segundo ele é representado pela “comunidade cívica”, para sustentar as instituições democráticas. Desta forma, no entendimento do autor, o capital social torna-se fator limitante do sucesso ou não da democracia plena.

Ruivo (1991) lembra que a participação social tem sido referenciada como uma forma de aprendizagem que acaba por agregar capital social ao processo de gestão.

No mesmo sentido, Leff (2001) afirma que a escola é um dos elementos para que educação se efetive, mas diz também que:

Os princípios da gestão ambiental e de democracia participativa propõem a necessária transformação dos estados nacionais e da ordem internacional para uma convergência dos interesses em conflito e dos objetivos comuns dos diferentes grupos e classes sociais em torno do desenvolvimento sustentável e da apropriação da natureza. O fortalecimento dos projetos de gestão ambiental local e das comunidades de base está levando os governos federais e estaduais, como também intendências e municipalidades, a instaurar procedimentos para dirimir pacificamente os interesses de diversos agentes econômicos e grupos de cidadãos na resolução de conflitos ambientais, através de um novo contrato social entre o estado e a sociedade civil (LEFF, 2001, pp. 61-62).

Desta forma, a participação social, muitas vezes, consegue promover a resolução de conflitos através da discussão entre stakeholders e gestores, chegando a consensos e pactos, pela resolução harmoniosa e benéfica a todos, com ambas as partes cedendo em algum ponto. A participação é uma forma de mudar a governança e alcançar melhores resultados na gestão, promovendo a representação de grupos que, em situações ordinárias, encontrar-se-iam marginalizados no processo.

Em relação as questões que envolvem a água, pode-se dizer que, na medida em que “[...] mudam as instituições da gestão da água, se pode reduzir as desigualdades e os danos ambientais [...]” (BALLAZS; LUBEL, 2014, p. 99).

Arnstein (1969) já fazia referência quanto à questão da participação como ferramenta para dar poder ao cidadão:

[...] a participação do cidadão é um termo categórico para o poder do cidadão. É a redistribuição do poder que permite a os cidadãos que não são cidadãos, atualmente excluídos dos processos políticos e econômicos, serem incluídos deliberadamente no futuro. É a estratégia pela qual os não-membros se juntam para determinar como a informação é compartilhada, as metas e as políticas são definidas, os recursos tributários são alocados, os programas são operados e os benefícios, como contratos e patrocínios, são alocados. Em suma, é o meio pelo qual eles podem induzir uma reforma social significativa que lhes permite compartilhar os benefícios da sociedade afluente (ARNSTEIN, 1969, p. 216, tradução nossa).

De modo semelhante, Bandaragoda (2000) argumenta que:

A participação efetiva da comunidade leva a um ajuste nas relações de poder existentes dentro e fora da comunidade. A participação traz o empoderamento das pessoas, permitindo-lhes tomar suas próprias decisões em um quadro de regras acordado (BANDARAGODA, 2000, p. 16)

A importância da participação social na gestão equitativa da água é defendida por Balazs e Lubell (2014), declarando ser em decorrência desta participação que se estimulam diferentes tipos de aprendizagens sociais. Segundo os autores, a aprendizagem ocorre por meio da capacidade das diferentes partes interessadas aprenderem umas com as outras, a fim de gerir eficazmente os recursos, citando como exemplo, o agente do governo sobre as reais necessidades da comunidade local pela convivência nestes espaços, o que não ocorreria no distanciamento do seu gabinete de trabalho.

Ainda, discorrem que os estudiosos da Gestão Integrada dos Recursos Hídricos (GIRH) observam que “[...] a participação catalisa a aprendizagem social, aprendizado este que permite às partes interessadas se conectarem em redes, desenvolverem capital social e

confiança e, finalmente, moldarem a mudança institucional” (BALAZS; LUBELL, 2014, pp. 98-99).

Jacobi e Barbi (2007, p. 242) comentam sobre

[...] o papel das redes, como um importante instrumento de cooperação que possibilita um avanço nas relações horizontais entre atores territorialmente identificados, e dinamizados no segmento da sociedade civil, estimulando a capacitação dos seus representantes.

Browning-Aiken et al. (2014, p. 63) abordam sobre sua análise do Modelo para o Desenvolvimento Sustentável desenvolvido pelo GTHIDRO/ANA ou Grupo Transdisciplinar de Pesquisas em Governança da Água e do Território/Tecnologias Sociais para a Gestão da Água (TSGA), com base no método construtivista de Piaget e Paulo Freire e concluem:

Isto enfatiza que, no processo de gestão de recursos, envolvimento social (por exemplo, a geração de capital social, o desenvolvimento de novas práticas sociais) é tão importante quanto a gestão de conteúdos (por exemplo, o desenvolvimento e comunicação de conhecimento sobre o estado de um recurso água e do uso de modelos para prever os efeitos das medidas destinadas a alcançar um bom estado ecológico de um rio). Os resultados do processo de gestão não são apenas qualidades técnicas, tais como um melhor estado do ambiente, mas também qualidades relacionais, como a melhoria da capacidade dos atores para resolver conflitos e chegar a acordos de cooperação (BROWNING-AIKEN et al., 2014, p. 63).

Para Dinar et al. (2013, p.16, tradução nossa) “[...] um processo de descentralização pode indicar a possibilidade da aprendizagem de um comportamento cooperativo e do estabelecimento de mecanismos estáveis para resolver disputas, o que se traduz em uma maior acumulação de capital social”.

No entanto, quanto a essa aprendizagem quando se pensa na produção de conhecimentos a respeito dos recursos hídricos, através de instrumentos como os planos diretores e o enquadramento dos cursos de água, a participação é prevista na lei e ocorre em reuniões ou audiencias públicas onde os estudos são elaborados por técnicos que apresentam os resultados e “consultam” a população. Os autores chamam a atenção que não há em nenhum momento uma produção participativa de conhecimento ou mesmo a troca de informações, o que seria importante para a efetivação da cidadania (MACHADO; CARDOSO, 2000).

Fonseca (2009) discorre sobre a questão do capital social e afirma:

As premissas de fortalecimento da comunidade, dos laços de reciprocidade e confiança, da participação e do engajamento cívico, do empoderamento dos pobres e da inexorável melhora da situação de vida dessas comunidades dota o discurso de

uma aura positiva a cujo charme é difícil resistir. Ser contra o capital social é ser contra o progresso, o desenvolvimento, as comunidades pobres, a força da sociedade civil e de seus bem-intencionados representantes [...] (FONSECA, 2009, p.44). Para este autor, o que explica a ampliação do conceito de capital social é a associação com a agenda neoliberal e a diminuição do Estado, com a descrença de que este possa atuar como agente promotor do desenvolvimento.

Assim, o principal desafio é

[...] modificar as relações de poder desiguais e distorcidas locais, como extirpar características culturais perversas, como prestar uma accountability das ações de instituições e lideranças tradicionais que se dizem representantes dos grupos menos favorecidos e como promover a democracia de acordo com as condições locais e não com base em modelos teóricos e ideais, difundidos em um manual acrítico e fechado (FONSECA, 2009, p. 50).

O autor ainda coloca que “[...] o discurso da promoção de capital social através da comunidade cívica mascara as relações de poder local e relega ao segundo plano alternativas que visem modificar tais relações de poder” (FONSECA, 2009, p. 50).